EM DEBATE

O partido completa 35 anos de existência e 12 anos à frente do governo do país, em meio a forte ofensiva da direita e da oposição, com uma base aliada fracionada, e ameaça de crise econômica. Nesse cenário, o PT realizará seu V Congresso para refletir sobre os próximos 35 anos

Sim, é preciso mudar, de política!

Somos sementes

Sim, é preciso mudar, de política!

“Se é verdade que o partido completou um ciclo, em que deve mudar?”, foi a questão colocada para escrever esse artigo.

Há 35 anos o PT surgia “da necessidade sentida por milhões de brasileiros de intervir na vida social e política do país para transformá-la”. Fundamos o partido como expressão da “vontade de independência política dos trabalhadores, já cansados de servir de massa de manobra para os políticos e os partidos comprometidos com a manutenção da atual ordem econômica, social e política. Nasce, portanto, da vontade de emancipação das massas populares (...) da decisão dos explorados de lutar contra um sistema econômico e político que não pode resolver os seus problemas, pois só existe para beneficiar uma minoria de privilegiados”. (Manifesto de 10/2/1980).

Esse é o ponto de partida. Estaria superado o compromisso com a maioria explorada do povo brasileiro? Teria “sido completado um ciclo” e, portanto, o Manifesto de fundação está com data de validade vencida? Mil vezes não!

O Programa adotado pelo PT (junho de 1980) comprometido com a luta “contra a dominação imperialista”, e contra “a espoliação pelo capital internacional”, propunha as mudanças necessárias pelos direitos dos trabalhadores e pela conquista de uma nação soberana. Reformas cruciais num país subjugado aos interesses imperialistas, como “defender uma estrutura agrária que objetive o fim da atual estrutura fundiária”, na “luta pela terra a quem nela trabalha”.

35 anos depois não mudou o sistema econômico e político, submetido aos interesses imperialistas, à espoliação do capital internacional. Bem ao contrário. Diante da crise mundial do capitalismo, o capital financeiro internacional intensifica brutalmente a ofensiva para colocar as nações de joelhos à sua pilhagem. Por isso mesmo, no Brasil, desfere o maior ataque contra nosso partido, que nasceu afirmando que “as riquezas naturais, que até hoje só têm servido aos interesses do grande capital nacional e internacional, deverão ser postas a serviço do bem-estar da coletividade”. A ofensiva contra a Petrobras, em particular para acabar com o regime de partilha no pré-sal, combina-se com a ofensiva contra o PT.

35 anos depois não mudaram a grande desigualdade social, a perversa concentração de terra, o déficit habitacional e a carência de serviços públicos.

35 anos depois não mudaram as instituições herdadas da ditadura militar, e o atual sistema político, esse, sim, mais que esgotado, trava as mudanças necessárias ao país. A urgente reforma do atual sistema político, pautada a partir das mobilizações de 2013, através de uma constituinte exclusiva e soberana, segue na ordem do dia, como demonstrou a campanha nacional que envolveu quase 8 milhões no plebiscito popular, em setembro de 2014.

Continua aí a ordem econômica, social e política, na luta contra a qual o PT se propôs a ser uma ferramenta da maioria explorada do país.

35 anos depois, a base social que fez com que o PT nascesse para representá-la expressou por meio do voto, elegendo pela quarta vez o PT à Presidência da República, a “decisão dos explorados de lutar contra um sistema econômico e político”.

Em condições difíceis, reelegeu Dilma, e deu o alerta. O PT sofre uma derrota, um recuo eleitoral em 2014, dada a insatisfação dessa mesma base social com o avançado processo de desnaturação do partido, fruto da política da cúpula partidária, que se choca com sua base social, frustrando as expectativas depositadas no partido.

O que mudou

Entramos no 13º ano de governo do PT. Apesar de algumas conquistas da luta dos trabalhadores, como o reajuste do salário mínimo, as mudanças necessárias para transformar a vida política e social no país não vieram. Não porque se tornaram obsoletas ou deixaram de corresponder aos interesses das amplas massas. Mas porque mudou a política da cúpula partidária, que, no governo, adaptou-se às instituições, moldadas para manter o país submetido à dominação imperialista – adaptação expressa em uma política de alianças que rompe com a “vontade de independência política dos trabalhadores”, nega as mudanças necessárias e confunde o PT com os partidos comprometidos com a atual ordem.

A vida partidária também mudou. A adaptação à ordem trouxe para dentro do PT os piores vícios do sistema político atual (exemplo contundente é o Processo de Eleição Direta), e o partido se transforma em um conglomerado de gabinetes, esvaziando a vida política e militante.

A política do imperialismo também mudou. Diante da crise, ele não pode mais suportar governos cuja base social se identifica com a maioria da nação oprimida, com as organizações dos trabalhadores, e, portanto, suscetíveis à pressão da maioria trabalhadora.

Ainda que os governos Lula e Dilma não tenham feito as mudanças profundas para atender a maioria explorada da Nação – o exemplo mais contundente é a negação da reforma agrária – e tenham aplicado uma política que não rompeu com o imperialismo, como a do superávit fiscal primário, imposto pelo FMI desde o governo FHC, o fato concreto é que na atual situação é insuportável a possibilidade de a base social do governo, através de sua luta apoiada em suas organizações, obter novas conquistas.

Também é inadmissível o retardo nas contrarreformas, dificultadas pela resistência da base social que elegeu o PT. O imperialismo decidiu que “esse tempo acabou” e age para recuperar o terreno perdido. Esse é o conteúdo, depois da polarização eleitoral em 2014, da atual ofensiva para desestabilizar o governo Dilma.

A tragédia da situação é que pode contar, para isso, com a possibilidade de minar, por dentro do próprio governo, as expectativas que deram conteúdo ao voto Dilma. Isso se concentra no lugar do ministro Joaquim Levy e seu plano de ajustes. As urnas pediram mudanças em favor do povo, e Levy conduz o ajuste com as mudanças contra a maioria do povo!

O que precisa mudar

Escrevo este texto depois da demonstração de força (surpreendente para quem duvida da capacidade dos trabalhadores de se defender) que foi o dia 13 de março. Uma ação determinada, contra a ofensiva da direita imperialista, enfrentando chuvas e trovoadas, dezenas de milhares saímos às ruas pela retirada das MPs 664 e 665, pela reforma política com Constituinte e em defesa da Petrobras. Essa é a base social para qual o PT nasceu! Essa é a base social que pode fazer frente à ofensiva da direita para impor a política pró-imperialista derrotada nas urnas.

Dezenas de milhares nas ruas, a base petista presente, atenderam ao chamado da CUT e dos movimentos sociais. Em contraposição, em 26 de fevereiro a Comissão Executiva Nacional do PT vota o apoio às MPs 664 e 665 e se omite sobre o 13 de março. Uma brutal pressão pelo adiamento da manifestação foi feita. Sem sucesso, na última hora a cúpula passou a admitir a manifestação, sem, contudo, mobilizar para contribuir para o seu sucesso e nem mesmo se fazendo presente.

Depois do dia 13, vimos o dia 15. Organizado e financiado pela burguesia, seus partidos e meios de comunicação, o dia 15 não é um raio em céu azul. Ele expressa a ofensiva imperialista no Brasil, que vem sendo pavimentada no terreno aberto pela política da cúpula partidária e do governo. Por exemplo, na  omissão durante o fraudulento processo que condenou nossos quatro companheiros na Ação Penal 470 – que agora se desdobra na manipulação contra o PT na Operação Lava Jato – foi sendo fertilizado o terreno para que setores da classe média e a burguesia concentrem contra o partido todo o seu reacionarismo.

O momento é grave. Até onde essa ofensiva pode ir é a luta de classes que vai definir. Nossa classe não está derrotada, o dia 13 mostrou.

Mas a cada um a sua responsabilidade. Dilma tem a responsabilidade de mudar de política, a começar por enterrar o plano Levy, que para garantir o superávit fiscal primário, exigência do capital financeiro, ataca direitos e promove cortes. Dilma deve fazer o que prometeu para conquistar a vitória, respeitar os direitos, e portanto revogar as MPs 664 e 665.

A direção do PT tem responsabilidade. Mais do que nunca os trabalhadores precisam de uma ferramenta para se defender e defender a Nação.

Reafirmar os compromissos originários do PT, e agir de acordo com eles, essa é a necessidade dos explorados. Enquanto é tempo. A burguesia tupiniquim, sob o comando dos EUA (Venezuela e Argentina não são meras coincidências), vai surfar na onda (como disse FHC) quanto mais permanecer a política que desnatura a identidade do PT, um partido dos trabalhadores.

Defender o PT, e agir como o PT agia, é a proposta do Diálogo e Ação Petista, agrupamento do partido que se constrói na livre discussão política entre militantes de diferentes origens políticas no PT para juntos agirem na luta de classes, como a presença organizada nos atos do dia 13.

Misa Boito é integrante do Diretório Regional do PT-SP

Somos sementes

Até a eleição de Lula à Presidência da República, a política brasileira era um espaço quase de capitânia hereditária, onde os setores conservadores se revezavam para permanecer durante séculos.

A partir da chegada do Partido dos Trabalhadores ao poder, ficou difícil para essa elite aceitar que um partido nascido das bases sociais, da classe trabalhadora, conseguisse eleger presidente um operário, um legítimo representante do povo.

Há, no momento, uma atitude deliberada de criminalização do PT. Setores da grande mídia e da elite conservadora do Brasil, que não aceitam o PT no comando do país, se valem do denuncismo, de uma escandalosa tentativa de golpe, defendida por quem não se conforma em ter perdido a eleição e intensamente apoiada por setores da grande mídia, declaradamente anti-PT.

É verdade também que, no governo, o partido mudou sua trajetória em algum momento. Fez uma inclinação quase conservadora dos seus princípios e dos seus objetivos, ainda que sem se desfazer da sua opção pelos pobres. Para governar, teve de construir uma grande coalizão, envolvendo partidos que nem sempre comungam dos mesmos ideais, e a impressão que fica é que, em vez de transformá-los, se transformou.

Para enfrentar essa realidade, o PT precisa, primeiro, se repensar. Está na hora de termos força e coragem para refletir sobre nosso papel, nossas bandeiras e nosso futuro. Não é assumir a culpa de nada, porque o PT não é culpado, não é criminoso. Mas é preciso fazer uma reflexão sobre os erros e acertos que o partido vem colecionando nos últimos anos.

Estamos numa fase propícia para nos olharmos e nos vermos por dentro, que é o período pré-congresso, que vai até junho, quando ocorrerá o V Congresso Nacional do PT. Será um momento muito adequado para o partido se resgatar, refletir sobre sua história, sua trajetória, corrigir seus rumos enquanto partido, atualizar a visão que tem do mundo e do Brasil para a montagem de um novo programa, quem sabe encontrar uma nova utopia que nos mova e nos unifique como partido.

O PT não pode se confundir com o governo. E, porque não é o governo, o partido pode e deve se reconciliar com suas bases. Precisa estar mais inserido nos movimentos sociais, mais preocupado com a formação de novas lideranças partidárias. Precisa mudar em coisas simples, como a escolha de delegados para os encontros e congressos, a escolha de candidatos para as eleições, sua sustentação financeira e a forma de se comunicar com seus filiados.

Em um primeiro momento, com a ansiedade de fazer tudo certo, era natural que compartilhássemos o poder com nossas bases. As lideranças que vieram da luta, das bases, começaram a governar legitimamente, ocuparam os cargos. Mas a consequência disso é que esvaziamos nossas bases de sustentação. A partir de 2003, sentimos um certo enfraquecimento das lutas sociais, parecia que estava tudo resolvido.

Não foi percebido que, ao chegar ao poder num regime capitalista, com todos os problemas e limitações de um país como o Brasil, enfrentam-se dificuldades. A inversão de valores feita pelo presidente Lula, dando prioridade aos mais pobres, foi e é uma mudança radical para a tradição que vinha governando o Brasil. Mas encontramos vários obstáculos, principalmente nos setores que não querem ver os pobres frequentando seus ambientes. A reação dessa elite conservadora foi apontar os defeitos, enfatizá-los, e cada pequeno problema foi se agigantando, pela propaganda negativa.

E nós, de certa forma, nos envaidecemos com a inclusão social como a grande obra do PT e o grande legado do nosso governo. Achamos que estávamos fazendo tudo certo, governando para os mais pobres, avançando nas políticas sociais e educacionais, formando os jovens, com programas como o Pró-Jovem, o ProUni, a expansão das universidades. E, de certa forma, acreditamos que só a inclusão econômica e social das pessoas bastava. Não incluímos essa massa na política.

Nós nos acomodamos. Nós nos contentamos em ser o partido mais querido nas pesquisas. Mas era o mais querido por 30%, 35%. Os outros partidos tinham 6%. No total, esses eram 50%. Mas querido por quem? Por quantos? E os outros 50% que não gostavam de partidos ou não gostavam do PT? Nunca fomos atrás para saber quem era esse segmento. Houve uma acomodação da nossa parte, e esse percentual que gostava do PT foi diminuindo ao longo dos anos, até quase se evaporar.

No final do primeiro governo Dilma, a partir das eleições de 2014, nos vimos diante de uma campanha radical contra o PT, com a clara intenção de destruir o partido. Não é fácil desconstruir um partido como o PT, porque ele é uma ideia, um legado, uma concepção de mundo. Mas é isso que estamos vendo agora. Estamos assistindo quase que passivamente à desconstrução do nosso PT, como que assimilando o discurso oportunista da direita raivosa, que dirigiu este país durante séculos e nunca o fez melhor do que é hoje.

Essa campanha antipetista cresceu muito no final de 2014 e se consolida no início de 2015. O país está vivendo uma séria crise econômica e o escândalo da Petrobras vem sendo utilizado para enfraquecer ainda mais nossa economia. O escândalo existe, teve corrupção, mas está tudo sendo apurado. Nada justifica destruir uma empresa como a Petrobras, que gera milhares de empregos e contribui para o crescimento do país. Tampouco destruir as empresas prestadoras de serviço à Petrobras, que são as maiores do Brasil, algumas do mundo. Mas não há gigante que aguente a propaganda negativa midiática 24 horas por dia.

O Partido dos Trabalhadores tem de dar uma guinada à esquerda. A eleição de 2014 mostrou que os movimentos sociais foram decisivos para a vitória do nosso projeto para o Brasil. Chegamos a achar que ali era o recomeço do PT, apoiado em suas bases mais sólidas, mas logo no início do novo governo Dilma os movimentos sociais e os trabalhadores foram surpreendidos e se frustraram com algumas medidas.

O ajuste é necessário, mas por que penalizar primeiro os trabalhadores – e sem nenhuma preparação? Temos valorosos companheiros no governo, poderiam ter aberto um diálogo com a representação dos trabalhadores. Ou poderia ter vindo um pacote em que o “andar de cima” também dividisse a conta.

Atrevo-me a dizer que o PT se perdeu na dicotomia partido-governo, no caminho entre o ser ou não ser governo. Para continuar governando o Brasil, precisamos de um novo bloco político, não necessariamente só partidário. Temos de fazer um pacto com a sociedade, temos de voltar a ter o pé no chão da fábrica, da escola, do bairro. Temos de sentir o sentimento do povo mais necessitado, sem esquecer que a classe média também é povo, e pode ser conquistada. E, sobretudo, devemos entrar na guerra da comunicação, tanto o PT quanto o governo, da internet, dos blogs, dos sites, mas também da rádio comunitária, da tevê aberta, que consegue transformar mentiras em verdades absolutas. E não devemos esquecer que ainda existem rincões neste Brasil onde a comunicação não chega fácil, onde o melhor panfleto ainda tem o seu papel.

O Partido dos Trabalhadores não vai acabar. Não se apaga uma ideia que ainda povoa corações e mentes. Não se desconstrói facilmente um partido que tanto bem fez ao país e a seu povo. O PT sobreviverá!

“Quiseram nos enterrar. Não sabiam que éramos sementes.” (Provérbio mexicano)

Regina Sousa é senadora pelo PT-PI

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