EM DEBATE

Às vésperas do V Congresso, o Partido dos Trabalhadores discute as formas de participação de seus filiados nas decisões partidárias, Processo de Eleições Diretas (PED) ou congresso. Ao mesmo tempo, tem o desafio de incorporar à vida do partido não filiados, eleitores e simpatizantes, e de garantir o espaço conquistado das mulheres

O petismo vive! E o PT?

PED: a solução para a crise é mais partido de massas

PED ou Congresso

A construção da paridade e seus desafios

O petismo vive! E o PT?

Nas últimas semanas, várias expressões do petismo (filiados e não filiados ao PT) lançaram o manifesto “O PT não vai matar o petismo” e o texto-tese “Da classe do Lula à classe do lulismo: emergência, conexões e os transbordamentos do petismo”, como contribuições ao V Congresso do partido. Uma declaração de amor desde o petismo e em dois tempos. Centenas assinaram ou curtiram, alguns se incomodaram, muitos criticaram e dialogaram. Ótimo!

Partimos do diagnóstico de que o PT está sem vida. Se antes podíamos dizer que, em todas as lutas potentes, membros do partido estavam presentes e frequentemente as protagonizando, hoje, claramente, não é mais o caso. O PT do Orçamento Participativo, que acolheu o Fórum Social Mundial e inspirava a esquerda mundial já não existe. Não reconhecer isso bloqueia qualquer tentativa séria de mudança.

De onde a mudança do PT pode vir? Do petismo, seu sentimento e lutas pulsantes. Do petismo em diálogo e articulado com as revoltas de uma nova geração mundo afora (15M na Espanha, Occupy nos EUA, praças Syntagma, Tahrir e Taksim, dos “pinguins” no Chile e do junho brasileiro), em conexão com os que clamam e agem por participação política. Intervenção direta, e não representação. O PT nasce e se cria nesse ímpeto rebelde, contra a transição à democracia negociada por cima entre as elites que haviam, muitas das vezes, sustentado o regime militar. Contra uma esquerda temerosa/conservadora que reagia negativamente às greves e às lutas – “ingênuos”, diziam. E junto com a entrada em cena de novos personagens (mulheres, operários, camponeses, movimentos populares...). Um partido radicalmente democrático.

O PT de hoje deve indicar claramente que não é parte da casta política e econômica corrupta. A questão a responder, em nossa opinião, é: como fazer com que as estruturas partidárias (o PT) se abram aos filiados, militantes, simpatizantes, apoiadores críticos (o petismo) de forma permanente e contínua, e não apenas nos processos internos de escolha de direção e nas eleições gerais e parlamentares?

Vozes recentes se expressaram nesse sentido. Nos somamos a essas vozes, mas seguimos em diálogo crítico, cobrando/propondo um passo além que responda ao questionamento que formulamos acima. Patrus Ananias identificou o partido na encruzilhada e propôs o fim das doações empresariais no PT, o fim das eleições diretas sem debate e o controle das finanças partidárias pelos filiados. Ótimo! Mas e os candidatos petistas, continuarão liberados para se relacionar com empreiteiras, bancos etc.? O fim do PED garante um processo participativo permanente no PT?

O documento “Vencer a crise do partido”, da tendência Democracia Socialista, faz um chamado à reconstrução petista à qual nos somamos. Nesse caminho, enfatizamos a urgência de radicalizar na questão da plataforma participativa e na conexão com novas formas de atuar politicamente, desde as ruas, praças e redes.

Tarso Genro propôs uma frente de esquerda no Rio de Janeiro contra o PMDB de Eduardo Cunha, o exterminador de direitos. Muito bom. Mas ela seria construída por quem? Direções partidárias, parlamentares, intelectuais. E a cidadania ativa? Os coletivos, núcleos, círculos e redes que, com seu ativismo, produziram a resistência ao peemedebismo e, com sua energia nas ruas, ajudaram a reeleger Dilma? E os jovens do Rio que ainda estão presos ou respondem a processo por se manifestarem em junho: participarão dessa frente conosco? O que dizemos a eles?

José Dirceu ressaltou a necessidade de uma nova repactuação partidária. Sem detalhes, só nos cabe perguntar: quem vai repactuar? Os mesmos de sempre? Rui Falcão falou em mudar o PT para seguir mudando Brasil, mas não apresenta uma única mudança nas dinâmicas partidárias em seu texto!

Desde junho de 2013, Lula fala em mudanças e renovação. Excelente! Mas esse anúncio não é acompanhado de gestos e medidas concretas e, pior, vem acompanhado de uma injusta e equivocada vinculação entre os erros da direção, a crise do partido, e as cotas para mulheres, negros e jovens, que estariam “enfraquecendo” o perfil dirigente do partidário.

Insistimos uma vez mais: o PT está sem vida. O que é mais angustiante e contraditório é que o petismo – em seu sentido amplo, com não filiados, eleitores e simpatizantes, filiados que jamais conseguiram participar da vida partidária – segue pulsante. A bela e vitoriosa greve dos professores do Paraná contou com a participação ativa desse petismo. O mesmo ocorre com a greve dos professores de São Paulo. O petismo está firme e ativo nas lutas contra a agenda Cunha (a terceirização, a reforma política que acaba com a democracia e a redução da maioridade penal). Como então fazer com que isso tudo afete o partido?

Para o processo de reflexão, propormos os seguintes caminhos (de ação):

  •  Convocação imediata de novas eleições internas (com financiamento partidário, justo, transparente, coletivo e igualitário);
  • Políticas de transparência e participação nas finanças partidárias;
  • Abertura de debates para a construção de uma nova agenda que inclua no seu centro: o bem-viver, o direito à cidade, direitos humanos, comunicação, cultura, comunidades tradicionais e povos indígenas, reforma das polícias, nova política de drogas, políticas alternativas ao encarceramento, combate à homofobia, descriminalização do aborto;
  • Formação de uma Frente de Esquerda por Mais Democracia e Direitos com partidos, movimentos e novos coletivos e uma nova política de alianças;
  • E, sobretudo, um processo constituinte do PT, para que o petismo retome o partido. Os "estados gerais" do petismo. Novo manifesto, novo método de eleições, novas formas de organização, novas formas de financiamento. Um partido de esquerda só faz sentido se promover uma participação permanente dos filiados e simpatizantes. Devemos criar, assim, uma plataforma para viabilizar a participação "real" e "virtual". Um partido das bases, que volte a atrair as belas lutas cotidianas nas periferias, dos povos indígenas, dos garis, nas grandes obras. Que o partido encarne as mudanças que queremos para o Brasil, aproximando meios e fins, forma e conteúdo.

Acreditamos que dessa forma o PT poderá reencontrar sua vitalidade. Abrir-se ao petismo e às novas formas radicais de fazer política e distribuí-la. Única forma de ajudar o governo a sair das suas encruzilhadas e corrigir seus erros, preparar um programa municipalista transformador para 2016, articular as lutas, barrar os retrocessos conservadores e ampliar os direitos. O V Congresso pode ser a última oportunidade para isso.

Alana Moraes, Jean Tible e Josué Medeiros são militantes do petismo.

Assinam também esse artigo: Caio Valiengo, Jordana Dias Pereira, Rafael Costa e William Nozaki.

PED: a solução para a crise é mais partido de massas

PED: a solução para a crise é mais partido de massas

O Processo de Eleições Diretas (PED) nasceu da reflexão de que o PT precisava de uma organização condizente com a concepção de um partido de massas. O antigo modelo congressual obrigava os cidadãos que quisessem ter relações com o partido a se igualar em uma única opção possível: serem militantes orgânicos.

Exigir esse comportamento-padrão é uma concepção de partido que não do PT. É própria de um partido de vanguarda, pequeno, circunscrito em si mesmo. O PED, assim, é o PT que permite que seus filiados escolham a política partidária e suas direções sem lhes exigir um "padrão de militante".

Esse modelo gerou um partido que, de fato, não é refém dessa ou daquela doutrina, desse ou daquele teórico, como preconizava o ex-presidente Lula em sua fundação, e muito menos um partido de intelectuais e teóricos. O PT está aberto à filiação de quem concorda com seu projeto, exigindo de suas lideranças, em todos os níveis, capacidade de filiação, organização, mobilização, pressão e peso político na definição dos rumos partidários.

Com a crise de 2005 e esta de agora, porém, o PED passou a ser questionado como um “antro” de práticas inadequadas: manipulação de filiados, filiação não criteriosa para fins da disputa interna, uso de poder econômico com fins eleitorais, uso de máquina e estrutura partidárias para incidir sobre os resultados.

Quase nada se diz sobre o PT ter eleições diretas; por ser o único partido brasileiro que elege seus dirigentes com ampla cobertura de seu debate político pela imprensa; que o fato de eleger dirigentes diretamente movimenta a militância e a energiza para a disputa com a oposição e a defesa do partido do governo; que este foi um fator de demonstração de força e vitalidade do PT na crise de 2005 ou de unidade e coesão, na pré-campanha da presidenta Dilma, para enfrentar a guerra eleitoral.

Pouco ou quase nada se fala sobre o fato de não haver garantia alguma de que tais práticas inadequadas seriam dirimidas se o PED fosse substituído pela retomada de escolhas de dirigentes em encontros e congressos. Muito menos de que esses encontros e congressos impediriam que o debate político ficasse em segundo plano, privilegiando a disputa pelos comandos partidários. Menos ainda do potencial destes de privilegiar a mobilização dos filiados mais orgânicos num contexto de crise da imagem do partido ante sua própria área de influência.

Nem meia palavra é dita sobre o PT se ensimesmar em torno de alguns dirigentes intermediários e da alta "cúpula" nesses processos ou, simplesmente, de ser a mobilização do "caciquismo parlamentar" mais fácil ante um colégio eleitoral reduzidíssimo como são os congressos e encontros, perto da grandeza do PED.

E, por fim, nenhum pio sobre o abandono dos filiados do PT mais distantes da vida partidária, que nem sequer seriam contatados "para votar" e participar de debates, como ocorre no processo interno. O fim do PED é a desmobilização completa do partido.

Mais PED, não menos!

Uma série de medidas já foi tomada ao longo dos últimos anos para aperfeiçoar o PED, como exigência de um ano de filiação, aprovação de novas filiações pelas instâncias municipais, obrigatoriedade de participar de pelo menos uma atividade prévia de formação/apresentação do partido, de estar em dia com a contribuição partidária e emissão de boletos personalizados de quitação, entre outras. Ou seja, critérios reguladores adequados à manutenção do PT como partido aberto e de massas.

Um PED com a cara do Brasil

O momento, então, não é de suprimir esse rico processo de mobilização e debate, mas de potencializá-lo e atualizá-lo ao momento histórico que o Brasil vive como uma oportunidade ante os ataques e a política de ódio ao partido proclamada diuturnamente pelos meios de comunicação e pelos herdeiros do udenismo, abrindo uma nova agenda qualificadora e renovadora para a cultura petista.

Isso requer ampliar a fiscalização de suas atuais regras, mas ampliá-lo em seu sentido de massas, tornando-o um elemento politizador do PT, da sociedade e de uma nova consciência coletiva.

Sendo assim, o PED deve passar a eleger as direções do PT e o programa partidário, nos três níveis federativos, num processo de amplo debate político interno, englobando em sua agenda, agora, os setoriais, os núcleos temáticos, os diretórios zonais, os núcleos territoriais, e não só grandes eventos das chapas e a agenda dessas instâncias. Paralelamente, adotar um processo ainda mais aberto, um grande processo de mobilização e chamada pública para os simpatizantes do partido, que votariam, em sistema de consulta por cédula separada, a favor da adoção ou não de posições sobre grandes temas do país, dando ao PED, mais do que legitimidade partidária, legitimidade social.

Uma medida importante a ser tomada que esvazia o discurso do fim do PED por seus custos financeiros seria a desvinculação do pagamento dos filiados comuns para votar. A obrigatoriedade recairia sobre dirigentes partidários, filiados com cargo eletivo ou comissionado.

O PED e a questão geracional

O PED revitalizado deve ser um elemento central para a renovação partidária em geral e de formação de quadros dedicados ao partido. No caso das cotas geracionais, em vez da atual reserva de vagas aprovada no IV Congresso, em que filiados até 29 anos compõem 30% dos Diretórios Nacional, estaduais e municipais, ela deve ser destinada à geração entre 30 e 40 anos, ficando a Juventude do PT como espaço privilegiado para o ativismo até 30 anos e a promoção de novos quadros partidários para percorrer a “esteira” da renovação do partido. Isso favorece uma transição geracional com consistência política.

Cassio Nogueira é membro do Diretório Nacional do PT

PED ou Congresso

Medidas administrativas e organizativas não resolverão a crise de natureza ideológica, política, ética e financeira vivida pelo PT. Algumas, contudo, podem favorecer a busca de uma saída política e ideológica. Como exemplos temos a nova resolução do Diretório Nacional de expulsar o filiado comprovadamente corrupto e de não aceitar contribuições de empresas ao partido, a ser detalhada e analisada no V Congresso.

Nessa mesma grandeza, defendo uma decisão do V Congresso a favor de uma verdadeira reforma política interna que revigore a democracia, a representatividade e a capacidade das direções. Não se trata apenas de optar entre Processo de Eleições Diretas (PED) e congresso o que eu gostaria de discutir e, ao final, defender o retorno à via congressual para eleição de nossas direções.

O principal argumento favorável ao PED é que possibilita a participação de centenas de milhares de filiados. Dizem, acabar com o PED seria acabar com a única forma de participação da grande massa de filiados, que em 2013 chegou a 420 mil votantes, o que dá substância ao caráter de massa do partido. No caso pró-congresso, é a politização do debate presencial, associando a eleição das direções às posições defendidas e dando organicidade às suas estruturas, o que reforça o caráter de partido de militantes. Cada lado aponta as insuficiências do outro: o PED transforma os filiados em eleitores e a disputa interna em campanha pré-eleitoral; o congresso reduz a disputa aos agrupamentos organizados, excluindo a grande massa de filiados e até os militantes não organizados.

Um indicativo do que pensa a militância é oferecido pela pesquisa realizada pelo operativo do Congresso Livre do PT de Brasília com os filiados presentes em três Congressos Zonais oficiais (Plano Piloto, Guará e Gama): 61% são a favor do Congresso e 30% do PED; 67% defendem a refiliação ou revalidação da filiação e cerca de 90% sugerem, para que o filiado exerça o direito de votar e ser votado, o comprometimento orgânico. Nesse caso, sua participação, pelo menos uma vez por ano, em uma atividade convocada por organismos partidários; a obrigação de quitação da contribuição financeira; e a obrigatoriedade de pertencer a uma instância partidária.

A crise atual é tão profunda que nos obriga a repensar nossa existência, redefinir a estratégia de disputa do poder e readequar o partido a ela, o que exigirá novas formas de disputa das posições políticas internas e de eleição das direções partidárias. Como?

A condição preliminar é política. O PT e suas direções não podem vacilar. É preciso reconhecer a condição excepcional da crise. Temos de romper o cerco em que os inimigos ideológicos e os adversários políticos colocaram o partido, sem prejuízo da luta institucional, da reorientação do governo, da defesa dos direitos dos trabalhadores e da cidadania e contra o golpe branco no Congresso Nacional e nos tribunais, nem tampouco da luta do cotidiano.

O centro desse enfrentamento reside nas lutas sociais e nas manifestações de rua. Isso dependerá fundamentalmente da militância, como já aconteceu no segundo turno das eleições de 2014 e nas manifestações de rua convocadas pela CUT e por outros movimentos sociais em 2015. A experiência contra o cerco nos mostrará a justeza da estratégia de combinação de luta de massa com luta institucional que deve orientar o PT na continuidade da transformação social, como mandam seus documentos básicos. Essa redefinição norteará as readequações organizativas, que devem favorecer a maior participação dos filiados e diminuir o distanciamento entre estes e os militantes.

Nessa situação de confronto ao cerco, dos constrangimentos diante do ajuste fiscal promovido pelo governo, da necessidade de superar o desgaste enorme nas relações internas causadas pelos dois últimos PEDs, precisamos tomar algumas medidas organizativas. A primeira delas é a revalidação da filiação, processo este individual e pessoal, para termos clareza do número de filiados com interesse em participar da vida partidária, seguida de uma contribuição financeira simbólica – duas condições básicas para ser considerado apto para exercer o direito de votar e ser votado.

Por que congresso?

O congresso, se bem organizado, pode ter uma participação de tantos filiados quanto o PED (sem seus vícios). Basta adaptarmos as estruturas partidárias. Algumas sugestões nesse sentido:

  • Todo filiado ou filiada poderá participar presencialmente dos debates e eleições das direções das instâncias de base do partido (núcleos, setoriais, bancadas, diretórios municipais e zonais) e de delegados ao congresso estadual. Diretórios e zonais que tenham mais que um determinado número de filiados deverão se reestruturar em seções por bairros ou regiões;
  • O quórum mínimo para validar decisões das instâncias de base, incluindo eleição de delegados, será de 30% ou até mais (hoje é de 15%);
  • A metade dos delegados eleitos pelas instâncias de base será por candidaturas individuais;
  • Todas as frentes de luta organizadas no âmbito da instância partidária deverão estar representadas nas direções, desde que atingido o mínimo exigido, sem prejuízo da igualdade de gênero e das cotas geracionais e étnicas.

Neste congresso de 2015, em conjuntura de derrota política e identificação pública do partido com a corrupção, a decisão caberá aos delegados eleitos pelo PED de 2013, em conjuntura de ufanismo eleitoral que ajudou a forjar uma maioria que já não tem hegemonia. Humildade, autocrítica e caldo de galinha não fazem mal a ninguém.

Gilney Amorim Viana é membro do Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo

A construção da paridade e seus desafios

O PT, nesses 35 anos de vida, já percorreu uma longa estrada contra o preconceito e as barreiras que impedem o acesso das mulheres aos cargos de poder e decisão. Essa trajetória petista sempre foi impulsionada pela luta e determinação das mulheres, que fazem com que o partido adote alguma posição sobre a temática nas suas resoluções. Inicialmente, estávamos na construção cotidiana do partido, mas não necessariamente na sua direção. A foto do pedido de registro do PT no TSE retrata bem essa realidade. Nenhuma mulher aparece, mas estávamos lá, durante todo o tempo, despendendo a mesma força que os homens para que o partido fosse constituído.

Vamos percorrer um pouco essa história!

Em 1979, na declaração pública, o movimento de mulheres e a situação de descriminação constavam como um dos componentes da formação do partido:

 “O PT considera que as discriminações não são questões secundárias, como não é secundário o problema da mulher trabalhadora segregada na fábrica, no campo e, não raro, também no lar. O PT lutará pela superação desses problemas com o mesmo empenho com que luta contra qualquer forma de opressão. Sem isso, a democracia será palavra vazia para os trabalhadores, marginalizados social e politicamente, de ambos os sexos e de qualquer raça e cultura”.

Essa proposição faz parte do plano de trabalho do PT em 1980 e demonstra seu compromisso de lutar pelo fim da opressão contra as mulheres.

No primeiro encontro, em 1981, a luta contra o machismo é mais uma vez reafirmada na resolução final. No ano seguinte, na construção da plataforma eleitoral de 1982, a discriminação e a desigualdade das mulheres na sociedade são novamente reconhecidas pelos militantes petistas:

 “O Brasil que queremos não é apenas o povo comendo, morando, tendo saúde, vestindo e se educando. A vida que desejamos tem de ser baseada, sobretudo, numa relação profundamente humana e fraterna, igualitária, entre as pessoas, sem nenhum tipo de discriminação. E nesta questão a situação no Brasil é grave. A mulher é tratada como ser de segunda categoria. A ela cabem os piores empregos e os menores salários, além de estar submetida a dupla jornada de trabalho, pois acumula todas as tarefas da casa. A todo momento é subjugada e humilhada, oprimida, não só como trabalhadora, mas também como mulher. (...) “As mulheres têm de possuir os meios para escolher se querem ou não ter filhos, o que implica o reconhecimento da função social da maternidade, o oferecimento de meios contraceptivos seguros e um atendimento médico permanente em todas as fases de sua vida”.

Contudo, na elaboração do primeiro regimento interno que trata da organização partidária, a luta contra a discriminação das mulheres não apareceu na proposta. Aqui discurso e prática começam a se distanciar.

Já na construção do projeto socialista do PT em 1986, encontramos a seguinte proposição:

“O projeto socialista deve incorporar as perspectivas colocadas por diferentes movimentos sociais que combatem opressões específicas – como das mulheres, dos negros, das nações indígenas etc. –, indispensáveis para golpear importantes pilares da dominação exercida pela burguesia; deve engajar em profundidade a maioria da população brasileira num processo de transformação do país e construir uma sociedade efetivamente nova. (...) Esse conjunto de percepções constituem componentes indispensáveis, hoje, à constituição de uma visão de mundo e de uma prática política efetivamente libertária”.

O partido cometia o equívoco de reproduzir a prática dos demais ao falar para fora, sem, entretanto, mudar suas relações internas de poder. Nessa mesma época é aprovada a proposta de políticas públicas para as mulheres nos nossos governos:

“O quarto eixo dos governos do PT é a promoção da cidadania plena, rompendo com o caráter assistencialista e com as práticas de submissão e discriminação do abandonado, do idoso, das mulheres, dos negros, dos homossexuais, dos índios e demais grupos sociais específicos. Nesse sentido, (...) implementarão programas de atendimento integral à saúde da mulher, assim como delegacias regionais específicas para mulheres”.

A proposta apresentada à sociedade para a Constituição de 1988 pelo Partido dos Trabalhadores defendia lutas históricas dos movimentos feministas, como a legalização do aborto e a igualdade entre os gêneros.

Em 1989, as bases para o programa de governo tratam as políticas para as mulheres como um dos elementos de luta contra a opressão e discriminação:

“O PT reconhece a discriminação que sofrem as mulheres na sociedade brasileira. Entende que, além das relações de classe, as mulheres estão submetidas a relações de opressão de sexo, que se reproduzem numa rígida divisão de trabalho e de papéis e se expressa em todas as esferas, econômica, política, social e ideológica. É por isso que a eliminação das discriminações das mulheres não pode ser resolvida apenas no combate ideológico, mas exige o desenvolvimento de políticas públicas, que ataquem diretamente as formas de discriminação e da opressão”.

No início dos anos 1990 surgem os primeiros sinais de mudanças internas. Percebe-se a necessidade de vivenciar internamente as transformações que se deseja na sociedade. Os documentos de construção do PT passam a ressaltar a importância de estimular a participação das mulheres nas instâncias diretivas como forma de exercitar e ampliar a democracia partidária:

“Um partido que se constrói democraticamente é a condição básica para uma real unidade partidária. (...) Nesse sentido, o partido deve estimular a participação feminina em todas as instâncias de direção partidária e desenvolver uma cultura interna de combate permanente às práticas autoritárias e discriminatórias”.

Logo depois, no primeiro Congresso do PT, a luta das mulheres contra a opressão e as desigualdades é reconhecida, e esse reconhecimento aparece em várias passagens aprovadas no texto “Socialismo” como fundamental para a mudança das relações sociais:

“Apesar do fato de todas as pessoas estarem imersas nas relações de classe, existem sistemas de opressão que são também determinantes na vida das pessoas, na construção de valores, na organização de relações sociais e pessoais, como é o caso das relações de gênero. Nessas relações, estabelecem-se papéis masculinos e papéis femininos, de dominador e dominada, dando base para uma concepção autoritária das relações humanas e da sociedade, com a subordinação das mulheres em todas as esferas sociais. A luta das mulheres contra esse tipo de relações de poder faz parte da luta pela construção de uma sociedade socialista”.

Somos o primeiro partido a aprovar cota afirmativa de participação da mulher, de no mínimo 30%, nas direções. Na verdade, o que se aprovou, para além do número, foi um conjunto de ações para possibilitar a efetiva participação, mas estas, infelizmente, não foram postas em prática. Fomos para as direções, mas enfrentando todas as barreiras de acesso das mulheres às instâncias de decisão.

Depois de vinte anos de cota, aprovamos a paridade. Uma grande discussão se instalou a partir do argumento de que não tínhamos mulheres suficientes para cumprir a nova regra. Na verdade, o machismo e infelizmente o preconceito eram (e ainda resistem) o motor do discurso, inclusive por parte de algumas mulheres dirigentes. Eu sempre dizia que resolver o problema sob o aspecto quantitativo é fácil: aumenta-se o número de membros dos diretórios e delegações e ajusta-se a distribuição paritária dos cargos.

O problema reside em outra esfera: a do poder. A paridade, diferentemente das cotas, deve ser implementada em todas as instâncias partidárias, incluindo a Executiva. Mas isso pressupõe a redução da presença masculina para que a feminina possa aumentar. Consequentemente requer um esforço, muitas vezes sobre-humano, de desprendimento, de desapego e sobretudo de reconhecimento prático de que o sexo masculino não traz consigo a exclusividade da competência para qualquer atividade, especialmente o exercício da política.

A paridade requer a divisão com as mulheres de um espaço até então ocupado por homens. E as mulheres necessitam ocupá-lo para se apropriar do exercício do poder. O distanciamento entre a grandeza dessa decisão política registrada em papel e a tortuosa necessidade de implementá-la não é nada insignificante. Os desafios são muitos. Os enfrentamentos, quase cotidianos. De todos, o menor é, de fato, a distribuição numérica, já que os cargos mais importantes continuam com os homens.

Tenho ouvido muitas críticas à atual direção partidária que atribuem à paridade a causa de suas fragilidades. Será verdade? Muitos(as) se esquecem de que outras alterações realizadas no estatuto depois da crise de 2005 afetaram negativamente o cotidiano partidário,a exemplo da decisão que proíbe militantes que ocupam cargos comissionados de ocuparem cargos nas instâncias Executivas do partido no respectivo âmbito do governo para o qual foi contratado. Essa decisão afastou várias lideranças importantes desses espaços, mas isso não é posto em discussão. Às vezes me pergunto por que não. Tal decisão foi tomada como se tudo fosse ser diferente, num momento em que o partido estava sob forte pressão moralista. E não se fala em rever tal posição, embora pareça equivocada.

No caso da paridade, o maior desafio é a mudança da cultura do poder: ouvir quem está chegando, refletir o novo. Essa é uma caminhada que precisamos fazer. Entender que dividir o poder é ir além do estabelecido, é inovar na ação, é abrir-se para acolher outros pontos de vista, nisso estamos patinando. Perceber que estar numa posição de mando nessa nova configuração para homens e mulheres é fazer diferente, é inventar, no desafio diário da superação do machismo e do preconceito, um novo modo de conduzir e fazer política.

Talvez o passo mais importante já tenha sido dado. A paridade é agora uma realidade. Aprender a conviver com ela, a dar-lhe corpo, a torná-la efetiva é uma questão de tempo e de esforço dos homens e das mulheres do partido. Há quem queira acreditar e fazer acreditar no equívoco de sua aprovação, mas não foi e não é. A paridade é um caminho a ser trilhado, e, ainda que haja descontentes, o tempo provará que o PT, outra vez, se antecipou, fez escola, saiu na frente e deu mais uma lição de democracia. Os enfrentamentos diários são a base para o ajuste do caminho e para forjar um novo e inevitável modo de vivenciar o poder: o da equidade de direitos e deveres entre mulheres e homens.

O cerne da questão da paridade hoje é dar voz a 50% do partido, mudar o modo de dirigi-lo, mudar a cultura machista, que faz parte da visão reproduzida na política de que esta é feita para os homens. Mulheres e homens do PT não estão a salvo de reproduzir o comportamento da sociedade, o machismo, a visão conservadora da disputa política.

Ser feminista e lutar por um mundo sem travas à equidade e igualdade está na essência do PT, apesar de seus(suas) dirigentes e seus(suas) militantes não refletirem sobre isso e não fazerem a relação dos documentos aprovados ao longo da história dos nossos encontros e congressos com a luta feminista.

Nós, mulheres, não queremos ser lembradas para nos sentar à mesa, ser tratadas como vítimas. Queremos muito mais. Queremos participar efetivamente, ser ouvidas verdadeiramente, respeitadas nas nossas posições políticas.

O partido alterou sua composição de direção. Agora, é chegada a hora de radicalizar para aprofundar as mudanças. Para tanto, algumas medidas devem ser adotadas. Tais como:

  • A formação feminista deve fazer parte de todos os momentos do partido;
  • Realizar uma campanha interna pelo fim do machismo, da misoginia tão presente nos espaços da política;
  • Instituir como obrigatória creche para as mulheres dirigentes com filhos pequenos, nas atividades partidárias;
  • Usar linguagem de gênero nos textos;
  • Promover seminários, colóquios e fóruns para aprofundar a discussão dos temas da pauta das mulheres;
  • Promover formação política específica para as mulheres;
  • Discutir a cultura partidária;
  • Fortalecer o acesso das mulheres às instâncias de decisão.

Reconhecer e aplicar os direitos das mulheres nas instâncias internas contribui para aprofundar a democracia partidária. Tratar a paridade como um avanço deve ser a pauta da comunidade petista.

Mais democracia se faz reconhecendo as mulheres como atrizes da política. Nesse universo, é bom lembrar a frase da presidenta Michelle Bachelet: "Quando uma mulher entra na política, muda a mulher. Quando muitas mulheres entram na política, muda a política".

Vamos mudar a política para valer, consolidando a paridade e o feminismo no PT.

Viva o PT!

Vivam as mulheres!

Laisy Moriére é secretária Nacional de Mulheres do PT

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