EM DEBATE

A CUT tem participado de vários fóruns em busca de alternativas para a crise brasileira e suas repercussões regionais e setoriais, entre estes se destacam o Fórum Paulista pelo Desenvolvimento, promovido pela USP, e o Fórum da Cidade, promovido pela prefeitura de São Paulo. A participação do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, em particular, na Câmara Setorial do Complexo Automotivo, no primeiro semestre deste ano, causou muita polêmica dentro da CUT.

Para alguns, entreguismo e conciliação de classes. Para outros, um marco positivo no desenvolvimento do sindicalismo combativo e na superação do corporativismo. Rosiver Pavan e Miguel Rossetto, membros da executiva nacional da CUT, debatem este assunto e buscam estabelecer critérios e condições para a participação da Central em fóruns mais amplos.

Sem atalhos

Combate sem tréguas

Sem atalhos

A participação da Central Única dos Trabalhadores em fóruns, conselhos e câmaras setoriais tem provocado um grande debate dentro e fora da Central. Essa polêmica, que vem de muito tempo, agudizou-se a partir do segundo semestre de 90, quando a CUT foi chamada a participar de uma mesa tripartite - o Fórum Nacional de Negociação. Negociação ou pacto? O debate acirrou-se. Para a maioria, a participação nesta mesa se dava nos marcos de uma negociação na qual a Central levaria sua pauta de reivindicações previamente deliberada em suas instâncias. Outras forças, contudo, buscaram caracterizar esta participação como uma absorção da CUT na construção de um Pacto Social. A Central estaria abrindo mão de conquistas dos trabalhadores e de sua capacidade de resistência em prol de um projeto de colaboração de classes, ou seja, a CUT violava além de resoluções de seus congressos, o princípio da independência de classe.

Este debate, no entanto, não é exclusivo da CUT. Ele está presente em grande parte das centrais de nosso continente, em especial naqueles países onde os governos tentam impor o chamado projeto neoliberal como saída para a crise. Extremamente enriquecedor, ele recoloca e atualiza grandes debates teóricos acerca da natureza e papel dos sindicatos e centrais sindicais e de suas relações com os partidos e, mais ainda, suas relações com outras instituições e movimentos da sociedade. A grande questão é saber se o papel do sindicato e da central sindical, enquanto direção e representação da classe trabalhadora, restringe-se à negociação do imediato (salário e condições de trabalho) ou se, para além desse imediato, é também da competência de uma central envolver-se com negociações amplas que dizem respeito à qualidade de vida da classe trabalhadora como um todo: nível de emprego, nível de renda, educação, saúde, habitação, transportes, discriminação sexual, racial. Questões vinculadas à construção e exercício da cidadania.

<--break->Diante das transformações que estão ocorrendo no mundo neste final de século, está havendo uma redefinição do trabalhador como classe, na sua dimensão total como assalariado, produtor, consumidor e cidadão, o que requer articular o movimento sindical com os movimentos sociais.

Essa questão implícita na polêmica de negociação ou pacto foi, sem dúvida. o grande divisor de águas do 4° Concut. Embora o Congresso tenha adotado uma resolução - de que a CUT deve participar de fóruns bipartites ou tripartites sempre que estiverem em jogo interesses restritos ou amplos da classe trabalhadora -, isto não resolveu de forma definitiva o problema. Passado, sete meses, todas as vezes que nos reunimos, voltamos ao tema. Ora é a participação no Movimento Opção Brasil, ora é a participação na câmara setorial do complexo automotivo, ora no fórum capital-trabalho, nas câmaras setoriais de São Paulo e daí por diante. O debate se restringe à questão de mérito: "ir ou não ir".

A discussão nesses termos é pobre. O argumento de que a participação em fóruns leva à substituição da mobilização pela ilusão na negociação não se sustenta teoricamente e não encontra respaldo em nenhum exemplo concreto. Todo dirigente sindical e a CUT sabem que cada conquista é fruto de mobilização. Ninguém tem ilusão e, se o "não ir" parece assegurar à Central o princípio da independência de classe, na verdade esconde toda uma insegurança ou desconfiança na capacidade da Central e seus dirigentes de, em qualquer espaço, defender os reais interesses dos trabalhadores.

Não parto do pressuposto de que a CUT deve participar de todo e qualquer fórum, assim como não aceito de antemão que participar de qualquer fórum tripartite é aderir a um pacto social. A discussão necessária deve se darem torno da relação do fórum em questão com os objetivos, as estratégias e táticas da Central. É esta relação que define a nossa participação (ou não) em qualquer espaço.

Aprofundando a análise feita na plenária de agosto de 90, que apontava a necessidade de respostas globais diante da crise (pois não bastava só reivindicar, era necessário discutir as grandes questões; não bastavam as lutas isoladas por categorias, eram necessárias ações conjuntas centralizadas pela CUT), o 4º Concut estabeleceu com clareza os objetivos e estratégias da Central ao definir "...que só é possível superar a instabilidade econômica e social e alcançar novos padrões de distribuição de renda e uma nova qualidade de vida para os trabalhadores a partir de soluções globais que permitam o combate ao projeto neoliberal e a construção coletiva de um projeto alternativo no campo democrático e popular. A CUT deve intervir decisivamente nesse debate, incorporando novos temas, atualizando seu discurso e adotando uma prática para o conjunto da classe trabalhadora".

<--break->A partir dessas premissas, o congresso definiu como parte de sua estratégia:

"a) Combinar as lutas por categorias com as mobilizações gerais assumindo o papel de sujeito social nas lutas pelos interesses econômicos, sociais e políticos da classe trabalhadora, não se fechando no corporativismo nem no economicismo.

b) Fixar parâmetros básicos para as políticas de abrangência nacional (política econômica, industrial, agrícola, energética, educacional, habitacional, de saúde e previdência etc), especialmente no caso daquelas que condicionam os níveis de emprego, salário e renda do trabalhador. (...)

c) Avançar na articulação com os setores democráticos e populares para aprofundar a democracia construindo coletivamente uma nova hegemonia e formulando uma alternativa de desenvolvimento com distribuição de renda (...)".

Fica bastante claro que a CUT explicitou na sua estratégia a necessidade de ampliar os espaços de sua intervenção ao encarar-se e encarar os trabalhadores como sujeitos sociais. A partir daí, decidiu combinar sua prática reativa/defensiva com uma postura afirmativa/ propositiva, de participação no processo de conquista e construção da cidadania. Decisivo para a Central é, assim, qualificar sua intervenção nesses espaços. Por isso, o objeto de discussão deve ser o caráter e a natureza de cada fórum, como participar, até quando e, em especial, o que propor. O essencial é o debate sobre o conteúdo da intervenção cutista. A qualidade e a abrangência das propostas da CUT é que vão credenciá-la e a cada sindicato cutista como sujeito social, rompendo com o corporativismo e o economicismo.<--break->

Fundamental é a campanha salarial dos metalúrgicos de São Bernardo, Santo André, Campinas etc. para garantir a reposição das perdas. Mas, o que fazer com a perda crescente dos postos de trabalho no setor metalúrgico? A resposta a esta pergunta exige que se ultrapasse corporativismo e economicismo. Eis por que, condizente com a estratégia da CUT, esses sindicatos participaram da câmara setorial do complexo automotivo.

Essa câmara tratou de garantir o nível de emprego e de salário dos trabalhadores do setor num momento de extrema recessão e paralisação das linhas de produção. Mais ainda, o resultado da negociação nessa câmara foi estendido aos trabalhadores de outras bases sindicais não filiadas à CUT, e até mesmo da Força Sindical. E, como perguntar não ofende, quem, mais uma vez, se credenciou como representante da classe trabalhadora como um todo?

Além desses resultados imediatos, pela primeira vez os trabalhadores brasileiros estudaram (com apoio técnico de órgãos de assessoria como o Dieese e o Desep) o setor em que trabalham e formularam propostas para sua reestruturação nos marcos de um projeto para o país. São os trabalhadores assumindo decisivamente seu papel de sujeitos aptos a assegurar a direção dos rumos do país.

Se a Convergência Socialista rotula a participação da CUT na câmara setorial do complexo automotivo como entreguismo, conciliação de classes, cooptação dos dirigentes sindicais e esvaziamento das lutas diretas das massas (leia-se, como traição) é porque ela não entendeu a estratégia da Central, ou melhor, não gostou e, como é de sua prática, não deseja cumpri-la.

A participação na câmara setorial do complexo automotivo permitiu acumular uma experiência que, hoje, vem balizando a atuação de outros setores como, por exemplo, os aeronautas e os têxteis. No entanto, traz alguns riscos se não houver uma coordenação visando equacionar os interesses dos setores envolvidos com os do conjunto dos trabalhadores. O papel da CUT é buscar não só uma articulação política das iniciativas como também a definição de parâmetros mais amplos na linha de um projeto alternativo de reestruturação das atividades econômicas.

<--break->A CUT, pela representatividade conquistada nestes oito anos, é chamada a participar de fóruns amplos da sociedade. Quando, no fórum capital-trabalho, propõe e defende a melhoria e a universalização do ensino público e gratuito, ela está intervindo estritamente em acordo com sua estratégia e ampliando seu papel de interlocutora da classe trabalhadora junto à sociedade. Que prejuízo trará para a CUT e para o conjunto dos trabalhadores se o "inexpressivo" MOB - Movimento Opção Brasil (que "junta" CUT, CGT, PNBE, entidades estudantis, intelectuais, partidos como PT, PSDB. PSB etc.) - assumir os eixos da proposta cutista sobre a Previdência Social e, junto com a CUT, defendê-los no Congresso Nacional?

Os processos de reestruturação da economia mundial e a formação de megablocos exigiram que a CUT e as centrais do Cone Sul se articulassem visando uma intervenção coordenada na formação do Mercosul (Mercado do Cone Sul). Porém, só tardiamente essas centrais assumiram a tarefa de participar ativamente desse processo. Nós, CUT, o fizemos um pouco por inércia. O 4º Concut aprovou, sem discussão, a proposta de resolução do grupo de trabalho do Mercosul. Mas no Congresso do DNM - Departamento Nacional dos Metalúrgicos surgiram teses (outra vez, Convergência Socialista, O Trabalho) contrárias à participação nos fóruns do Mercosul, defendendo que a CUT deve retirar-se imediatamente porque estaria legitimando um processo que interessa à classe dominante. Embora a discussão nos fóruns da Central esteja aquém da necessidade de resposta, retirar-se deste fórum significa permitir que empresários e governos assinem seus protocolos e os imponham, cabendo ao movimento sindical resistir posteriormente à perda de suas conquistas. É a manutenção da prática reativa.

A intervenção da CUT, com suas propostas, permite, no mínimo, negociar mecanismos de proteção ao trabalho. A CUT não tem o direito de se colocar como espectadora desse processo porque aí estão em jogo interesse diretos dos trabalhadores (e não só dos brasileiros).

<--break->Há também, ainda que em menor grau, questionamentos em relação à participação da CUT nos conselhos tripartites (FGTS, FAT, Cadastro, Seguridade, Previdência etc.). Tais conselhos, inscritos na Constituição de 88, são resultado da luta que travamos para impor ou ampliar a participação dos trabalhadores no controle dos fundos sociais, constituídos inclusive com seus próprios recursos.

Nossa participação no Conselho Curador do FGTS, por exemplo, tem-nos permitido não só exercer o papel fiscalizador ao investigar e denunciar os atos de corrupção e clientelismo político no uso desse fundo como ampliar nosso horizonte de intervenção junto aos movimentos sociais (no caso, o movimento popular por moradia) e outras instituições da sociedade e do Estado (Tribunal de Contas da União, Congresso Nacional, Procuradoria Geral da República, Poder Judiciário etc.)

O saldo desta participação não é só a repercussão imediata na mídia, mas a capacitação da CUT para formular propostas concretas e viáveis de solução dos problemas dos trabalhadores vinculados ao exercício de sua cidadania. Hoje, ninguém fala do FGTS sem nos consultar. Isto resulta da credibilidade alcançada não em função apenas da postura crítica, mas principalmente da qualidade de nossas propostas.

Precisamos sim avançar, articular nossa atuação no Conselho ao cotidiano do sindicato, seja como organismo fiscalizados da arrecadação, seja como orientador de cada trabalhador, como sujeito social que defende em todos os aspectos os interesses dos trabalhadores.

Há instrumentos para que a entidade sindical seja este agente e foi a atuação decisiva da CUT no Conselho que garantiu ao sindicato o poder de entrar na empresa sem procuração e ter acesso à folha de pagamento e documentos comprobatórios do recolhimento do FGTS. Isso pode e deve ser ampliado para a Previdência, o FAT e todos os encargos sociais. Na porta da fábrica o dirigente não pode só falar do salário. Deve falar de tudo que diz respeito às condições de vida de sua base. O dirigente sindical tem que repensar os limites de sua atuação. É difícil, mas necessário.

A CUT vem realizando um planejamento estratégico situacional, para transformar suas resoluções em ações concretas a partir do levantamento de seus problemas. Toda a direção nacional da CUT (108 pessoas) tem participado desta atividade. Toda a direção executiva da Central tem tarefas decorrentes deste trabalho. O primeiro problema apontado foi nossa dificuldade no combate ao projeto neoliberal. Uma das operações indicadas para superação do problema foi a necessidade de criação de um fórum democrático-popular, visando a elaboração de uma plataforma de atuação comum, na perspectiva de um projeto alternativo de sociedade.

Este é um espaço privilegiado de atuação da Central. Assim, sem entrar na discussão se a participação nos fóruns é tática ou estratégica, este fórum tem como objetivo a construção de uma nova hegemonia na sociedade, como deliberamos no 4° Concut. Isso é estratégico para a Central.

<--break->Hoje, tais movimentos sociais, populares, democráticos e as entidades que têm essa natureza se caracterizam pela fragmentação. Embora todos esses movimentos (aposentados, meninos e meninas de rua, moradia, educação, saúde, previdência, direitos humanos, combate à violência etc) tratem de uma mesma questão de fundo - a luta pela construção da cidadania e, portanto, das bases de uma sociedade democrática -,eles se apresentam para a sociedade de forma segmentada, setorizada e atomizada. Não se explicita o que está na base de suas reivindicações imediatas e/ou específicas.

A construção de uma nova sociedade passa pela construção de um projeto democrático-popular, em contraposição explícita ao projeto neoliberal que coloca o mercado como único regulador das relações sociais. A construção de um projeto que eleja a própria sociedade como reguladora das relações sociais, e cujo centro de atuação seja a extensão dos direitos da cidadania a todos os indivíduos, só se efetivará pela construção dessa nova hegemonia da qual a CUT se coloca como parte. Se imaginarmos que isso se dará sem a intervenção consciente e decisiva dos atores, por espontaneísmo e voluntarismo, vamos morrer mais uma vez na praia. A construção dessa nova hegemonia só se viabilizará se todos esses movimentos, sem abandonar suas especificidades, forem capazes de romper com sua atomização, e, a partir daí, construir a unidade de ação com base numa plataforma e num projeto comum. É este o desafio colocado para a CUT e os setores comprometidos com esse projeto, que deve ser fruto de um esforço coletivo, plural, em que a unidade não anula as diversidades.

Quando a CUT coloca em sua estratégia assumir o papel de sujeito social e construir coletivamente uma nova hegemonia, significa que ela assume responsabilidades que transcendem a defesa imediata do emprego e do salário. Sem medo de expor-se, ela assume o desafio de elaborar propostas gerais, de apresentá-las e debatê-las nos espaços públicos, em fóruns bi ou tripartites, circunstanciais ou permanentes da sociedade civil.

Considerando que esses fóruns têm naturezas diversas e até mesmo conflitantes, a CUT deve saber definir seus limites e, portanto, as metas a serem alcançadas em cada um.

Mais importante que as conquistas imediatas e parciais (como no FGTS ou na câmara do setor automotivo), a CUT tem conseguido apresentar-se como a única central sindical comprometida com a defesa intransigente dos interesses dos trabalhadores em todos os espaços onde intervem. Esta intervenção deve ocorrer em todos os espaços onde estão em jogo os interesses dos trabalhadores em sua abrangência total de cidadãos.

A conquista da cidadania é um caminho longo, complicado, difícil, conflitante. Mas tem que ser percorrido. Sem atalhos.

Rosiver Pavan é diretora da Apeoesp e secretária nacional de Políticas Sociais da CUT.

Combate sem tréguas

O projeto neoliberal introduz três elementos que precisam ser analisados em sua aplicação no Brasil.

Uma mudança estrutural na economia brasileira. Não é um projeto que trabalha apenas com componentes conjunturais; seus efeitos introduzem profundas alterações no perfil econômico e social do país. Esta transformação insere-se no contexto internacional de recessão, de ataque às conquistas sociais e de reestruturação do capitalismo com base nas inovações tecnológicas e na reorganização industrial. Busca criar as bases para um novo período de acumulação.

Seu caráter absolutamente excludente. Não se trata só de um novo modelo capitalista concentrador. O acelerado processo de monopolização, a exigência de elevação das taxas de lucro e o fim do caráter distributivo do Estado conduzem a uma brutal concentração de renda. Trata-se de uma política que está provocando um retrocesso nas condições de vida de muitos milhões de trabalhadores. Hoje, na Grande São Paulo, há mais de 1,1 milhão de desempregados.

Seu caráter autoritário. As exigências para a aplicação deste projeto ampliam as contradições sociais e atacam os direitos mínimos da sociedade (renda, qualidade de vida etc). A incorporação da participação de amplas maiorias nacionais e, portanto, o seu encaminhamento democrático é contraditório com o neoliberalismo numa sociedade onde os trabalhadores não abrem mão das posições que já conquistaram. Isso conduz também à tentativa de cooptação de setores potencialmente capazes de oferecer resistência (ampliando a presença burguesa no movimento, como é hoje o caso da Força Sindical).<--break->Um novo período na luta de classes

A trajetória do movimento operário e popular ao longo da década de 80 teve como cenário a crise do modelo de desenvolvimento capitalista dependente. Neste quadro, o movimento dos trabalhadores fortaleceu-se com uma estratégia de resistência, num contexto onde a burguesia não estava unificada em torno de um projeto de maior fôlego mas dividida entre os diversos caminhos a seguir. A culminância deste processo deu-se no ano de 89, com a campanha de Lula à Presidência.

A condensação de vários outros processos, onde se destacam a eleição de Collor e o impacto, no Brasil, da crise das burocracias, abre um novo período na luta de classes no país. Sua característica maior é a enorme hegemonia neoliberal no interior da burguesia. A classe dominante brasileira, ao contrário do período anterior, apresenta um importante grau de unidade em torno de um projeto de longo alcance. Hoje, mesmo PMDB, PSDB e PDT defendem uma política que deve ser considerada como uma variante do projeto neoliberal.

O neoliberalismo introduz mudanças na relação entre os trabalhadores e o Estado, entre o capital e o trabalho, entre o Estado e o capital e entre o mercado interno e o mercado mundial. Arma também as classes dominantes com um novo e agressivo discurso de questionamento das conquistas do movimento dos trabalhadores, numa disputa que se dá no quadro da nova institucionalidade estabelecida no processo constituinte de 88.

Analisando os diversos países onde o projeto neoliberal foi implantado, temos dois tipos de situação. De um lado, países onde setores do movimento operário tinham potencialidade para oferecer resistência, como a Argentina e o México, que foram chamados a cooperar com o projeto neoliberal. De outro, como no Chile no período de Pinochet, a estabilização do projeto neoliberal da burguesia foi obtida com base na liquidação da capacidade de resistência do movimento operário. Nas duas situações o resultado foi igualmente desastroso.

Esse projeto não serve à classe trabalhadora, nem ao povo. Pensar uma política dentro desse projeto é pensar uma política de subordinação, é abrir mão dos interesses dos trabalhadores. Nossa tarefa é travar uma disputa com o projeto neoliberal e impor um projeto alternativo, que enfrente questões estruturais do desenvolvimento, como a luta pela reforma agrária, a dívida externa, a situação da previdência, novas políticas industriais, a organização do Estado, o problema do comércio internacional etc.

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Nossa estratégia é atacar globalmente o projeto neoliberal. Para que o PT, a CUT e o movimento dos explorados e oprimidos cumpram esta tarefa, terão que forjar uma aliança estratégica entre os setores que têm não apenas críticas pontuais ao projeto neoliberal, mas que possuem contradições estratégicas com ele. Essa é a idéia da formulação do bloco democrático e popular.

Impasses do movimento

Frente a esta nova situação e aos desafios que ela coloca, o movimento dos trabalhadores encontra-se ainda bastante desarmado. O 4° Concut e o 1º Congresso do PT não conseguiram enfrentar a discussão estratégica necessária para isso. Vivemos há mais de dois anos numa situação defensiva, acumulando derrotas pontuais e os perigos são muito grandes.

O movimento dos trabalhadores vem somando uma série de experiências importantes: dos metalúrgicos resistindo às iniciativas patronais de inovação tecnológica e na organização do trabalho, colocando modos alternativos de aplicação das mudanças (buscando novas conquistas); dos sindicatos do setor siderúrgico que discutem alternativas à privatização; da Prefeitura de Santos frente à privatização/modernização dos portos; da CUT através de uma comissão especial sobre a integração regional dos mercados (Mercosul); da CUT e dos previdenciários frente às propostas de privatização da previdência; dos sindicatos cutistas do setor frente à crise do transporte aéreo de passageiros; do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo frente à crise da indústria automobilística (em ambos os casos com a disputa sendo travada também nas "câmaras setoriais"); do Movimento dos Sem-Terra e da CUT, que lançaram uma ofensiva na luta pela terra, enquanto o Governo Paralelo elabora um programa agrário alternativo.

Tudo isso, porém, não está sendo sintetizado em um projeto alternativo global ao neoliberalismo, não reflete uma orientação de conjunto da Central. Estas experiências estão se desenvolvendo de forma dispersa, empírica, a partir de enfrentamentos e elaborações pontuais.

<--break->A central e os fóruns

Na reunião da Direção Nacional da CUT, em abril passado, a questão finalmente foi reduzida ao "participa/não participa das câmaras setoriais". Venceu o "participa", sem que tenha sido explicitada qual é a estratégia, qual é a política. Do lado do "não participa" não houve explicitação, nem aprofundamento da posição. Isto é, tratava-se apenas de mais um capítulo de um enfrentamento sectário e despolitizado que vem ocorrendo na CUT, cujo ponto alto foi o 4º Congresso Nacional.

O equívoco se inicia na consideração das "câmaras setoriais" como uma estratégia presente nas posições a favor e contra a participação nestas câmaras. Essas duas visões são incorretas, porque não criam as condições para a elaboração de políticas sólidas para a conjuntura, retiram as bases para combinarmos a política geral com as políticas setoriais.

Para nós, trata-se de estabelecer a estratégia da CUT e de seus sindicatos frente à crise econômica e à reestruturação que o projeto neoliberal está promovendo na economia nacional.

Não existe ação setorial de fôlego que possa ser desenvolvida, de forma isolada, por dentro do projeto neoliberal. Podemos até trabalhar na perspectiva de que, do ponto de vista econômico (diante de uma crise num determinado setor), se garanta a sobrevivência de um ramo industrial a partir de acordos como no setor automobilístico, aviação civil, têxtil. Mas, na medida que a sociedade brasileira enfrenta um violentíssimo desemprego, o crescimento do setor informal, a paralisia do movimento etc, a correlação de forças nesses setores é, evidentemente, muito desfavorável. Não se pode pensar a melhoria, a médio prazo, das condições de vida das categorias específicas sem pensar na melhoria das condições de vida da classe trabalhadora em seu conjunto.

Esse processo de disputa pode combinar a ação direta de massas com a atuação nos espaços institucionais. Podemos participar em fóruns da sociedade civil sobre temas como educação, saúde e os serviços sociais de uma maneira geral, legitimando o projeto político dos trabalhadores. Trata-se normalmente de exercer um papel de fiscalização e não de gestão, mas isso também é importante nessa disputa política mais global. As CIMS (Comissões Interdisciplinares Municipais de Saúde), em que se disputa a política de saúde para o município, com a presença dos sindicatos, e os conselhos do FGTS e o da previdência são exemplos desta situação. Revestidos de uma condição de classe podem ser instrumentos de denúncia e articulação política de projetos, como na relação do FGTS com o projeto de moradia popular. Mesmo fóruns como os conselhos de desenvolvimento instituídos pela Constituição de 88 podem ou não ser utilizados como instrumentos de disputa política na medida que a CUT esteja armada de uma política geral. Neste caso, o desdobramento, de forma setorial, pode ou não representar a potencialização da luta mais geral.

Estes espaços podem ser elementos de construção de políticas públicas sob o ponto de vista da maioria da população brasileira, dos trabalhadores. Não podemos ter receio de que nossa participação nesses fóruns represente uma política que questione nosso compromisso de classe.

O grande problema da CUT é que ela tem decidido participar ou não nestes espaços, sem as definições políticas mais gerais necessárias para enfrentar o neoliberalismo. Isso representa, de fato, a incorporação da Central a uma dinâmica de subordinação dos interesses dos trabalhadores aos do Estado (e do capital).

<--break->Câmaras setoriais

Participar de uma câmara setorial não significa necessariamente ser cooptado. Hoje, ficar imobilizado dentro de um sindicato só fazendo homologação de demissão e rescisão de contrato representa uma derrota da mesma magnitude.

O grande desafio que está colocado para a CUT, hoje, é ter capacidade de construir uma política em que as ações setoriais façam parte de uma ação global. Entre o programa aprovado no Congresso da CUT de combate ao projeto neoliberal e oposição ao governo Collor e a participação numa câmara setorial existe um abismo criado pelo vazio de política.

A estratégia setorial deve ser vista como elemento ofensivo, de disputa de nosso projeto. Essa disputa pode se traduzir numa negociação salarial, na reivindicação por educação ou saúde, pode representar denúncia e fiscalização de atos do governo da classe patronal etc. Ela faz parte da acumulação de forças para nosso projeto global; não é possível pensar uma política setorial dissociada deste projeto.

Quais são os parâmetros que definem, do nosso ponto de vista, uma política que não rompe com os princípios do classismo e da independência de classe? As experiências têm demonstrado que é extremamente equivocado o movimento sindical assumir responsabilidades de gerenciamento das crises econômicas, ou seja, quando o movimento sindical assume compromissos que envolvem variáveis sobre as quais ele não tem controle. É o caso, por exemplo, de discutir emprego e salário associados a uma variável de desempenho econômico do setor, ou decrescimento da economia nacional, subordinando os interesses de classe. É isso que caracteriza um pacto social.

<--break->Balanço crítico

Diversos sindicatos têm tomado iniciativas frente à crise e à reestruturação dos seus setores. Porém, nenhum deles tem agido com a abrangência das propostas do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo.

Em primeiro lugar, há que se destacar que uma coisa são os fatos, e outra as versões. Aqui se destaca a campanha deflagrada pela imprensa tentando mostrar que a nova estratégia sindical sinaliza uma CUT "amansada", buscando a colaboração para sair da crise.

É óbvio que na torrente de declarações houve brechas para essa interpretação. E isto nos mostra a necessidade de que o discurso reflita a ação. Isto é importante porque nas próprias negociações, na mesa da "câmara setorial", os representantes do sindicato disputaram com os representantes patronais, demarcando a existência de projetos diferentes (o dos monopólios multinacionais e o dos interesses populares).

Em segundo lugar, a ausência da CUT no processo de negociação introduziu uma distorção perigosa. Não há espaço na conjuntura atual para políticas setoriais isoladas de uma estratégia geral de enfrentamento do projeto neoliberal e seu governo.

A ação setorial foi, porém, apresentada como uma estratégia, como o caminho geral para todos os ramos, como se esse caminho pudesse ser a somatória de ações setoriais. Desconsiderou-se que as tentativas de resposta setorial podem facilmente cair no corporativismo, provocando contradições no interior da própria classe trabalhadora. No caso de São Bernardo isso se manifestou na aceitação da redução linear dos impostos sobre os carros (ao contrário da proposta do sindicato de redução diferenciada segundo o tipo de carro), o que a propaganda conservadora soube aproveitar bem para sua campanha de "menos Estado, mais..."

Com a ausência da CUT criou-se um quadro de confusão no processo da campanha salarial dos metalúrgicos. A iniciativa de São Bernardo deu-se paralelamente à campanha e seu desfecho afetou a mesma, com um efeito desagregador para o conjunto dos metalúrgicos cutistas do estado de São Paulo. O que não quer dizer que foi desmobilizador, já que a campanha tinha, nessa altura, poucas condições de culminar num enfrentamento e na greve.

Em terceiro lugar, trabalhou-se com a idéia de que o acordo em si combatia o projeto neoliberal. Há elementos de contradição entre o documento assinado e as estratégias das montadoras e do governo federal. Mas isto não significa que se trata do combate ao projeto neoliberal, muito mais amplo e complexo.

A crise econômica, produto da política recessiva e dos planos de reestruturação empresarial, afeta profundamente a classe trabalhadora e suas organizações. Estão sendo superados todos os recordes de desemprego. Cresce o setor informal - produto estrutural da crise do modelo. Os trabalhadores empregados são pressionados pelo "exército de reserva". As fábricas começam a mudar os métodos de gestão da mão-de-obra, dissolvendo a cultura operária e sindical gestada no período anterior.

Frente à agressão burguesa, o movimento sindical cutista tem sido extremamente tímido. Categorias inteiras viram sua base ser reduzida em 10%, 20% ou mais sem reação organizada, sem estratégia de resistência! As lideranças sindicais não atentam para as mudanças nos locais de trabalho porque nossa vanguarda está desenraizada, sem vivência do dia-a-dia da base. Para o setor que mais cresceu no último período (desempregados, subempregados, setor informal etc) não temos uma resposta e a CUT - pensada como representação sindical no mercado de trabalho formal - não tem, por enquanto, espaço para ele.

No fundo, a discussão sobre esta situação não é enfrentada quando a Direção Nacional da CUT vota "participa ou não participa" e ponto. Esta votação oculta nossa flagrante falta de formulação política para esse movimento real.

Pontos de partida

Neste aspecto, a iniciativa do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo deve ser resgatada como uma primeira experiência que coloca em pauta, para uma categoria e para a população, o conjunto dos problemas provocados pela crise/ reestruturação de um setor.

Como acordo defensivo, teve seu mérito na defesa de salários e empregos (reajuste mensal, recuperação das perdas no caso de São Paulo e manutenção do nível de emprego).

Avançou além disso, ao questionar a política dos monopólios multinacionais quando introduziu a discussão do Contrato Coletivo de Trabalho, a negociação sobre inovações tecnológicas e mudanças na organização do trabalho, e a política de comércio exterior do setor. Assim como errou ao abordar a questão tributária.

Os trabalhadores criaram, contudo, condições de "fazer política", questionando o rumo que toma a conjuntura no setor - e este aspecto não se esgotou no mês seguinte ao acordo.

Finalmente, um balanço geral do acordo e seu prosseguimento deve responder também à caracterização de que se tratou de um pacto social. Se não trouxe perdas salariais, nem aceitou a redução do emprego, nem se comprometeu a desmobilizar os trabalhadores, nem escondeu em suas propostas uma perspectiva de submissão dos trabalhadores do ramo à estratégia do capital, a resposta é clara: não.

Agora, a tarefa coletiva do sindicalismo cutista é elaborar, a partir do balanço crítico desta e de outras experiências em curso, uma estratégia geral de enfrentamento do projeto neoliberal.

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Reafirmar nosso projeto

Para enfrentar o projeto neoliberal é necessário partir da luta de resistência, mas é fundamental também demarcar em cada combate dos trabalhadores a materialização de uma política alternativa, elaborada a partir dos interesses de classe.

A atuação da CUT nos espaços de fóruns ou câmaras setoriais deve estar pautada por um conhecimento prévio do que está sendo negociado, sua pauta etc, sem jamais comprometer sua autonomia ou substituir a ação direta como elemento central da luta sindical.

Temos que desenvolver uma prática permanente de discussão coletiva das táticas desenvolvidas, no sentido de sempre avaliarmos as políticas setoriais orientadas pela política global. A participação da CUT em fóruns como o Opção Brasil ou o Fórum da USP, onde os requisitos que apontamos não foram cumpridos, não gerou qualquer resultado para a Central.

A negociação deve ser vista como um momento da luta dos trabalhadores, determinada pela correlação de forças e definida democraticamente pelo movimento. A CUT negociará as reivindicações dos trabalhadores com o patronato e o governo sempre que a luta assim exigir. A condição é compreender que não há possibilidade de adequar os interesses dos trabalhadores ao projeto neoliberal.

As tarefas colocadas exigem que se supere o atual estágio de despolitização e desagregação da Central e que se crie o ambiente necessário para a potencialização de toda a nossa energia no enfrentamento ao projeto neoliberal e ao governo Collor e da nossa capacidade de empolgar milhões de trabalhadores e milhares de ativistas sindicais cutistas.

Miguel Rossetto é membro da Executiva Nacional da CUT.