Estante

O mister de fazer dinheiroO Mister de Fazer Dinheiro, de Nise Jinkings, nos traz uma contribuição original para o entendimento das metamorfoses em curso no mundo do trabalho bancário, a partir do advento das transformações tecnológicas (da informatização e automatização), mostrando como estas mutações estão alterando tanto a materialidade, quanto a subjetividade do ser que vivencia o seu cotidiano no interior dos bancos.

Seu trabalho discorre sobre as fases mais recentes constitutivas deste processo, quando o capital financeiro presenciou um significativo incremento, e tematiza particularmente as diferenciações e fragmentações que estas mudanças acarretaram junto aos bancários, principalmente na última década. Dentre tantas mutações, a autora destaca: a diferenciação entre os trabalhadores dos bancos privados e públicos; a divisão sexual do trabalho, com a incorporação crescente do trabalho feminino e a sua paralela exclusão dos cargos de direção (quando comparada à presença majoritária dos homens); o advento das doenças da era da informática, lesando o ser que trabalha pela repetitividade dos seus gestos; a intensificação do ritmo de trabalho; a informatização acelerada e a diminuição do controle dos bancários sobre sua própria atividade, tudo isso com a explícita finalidade de fazer mais dinheiro.

O livro trata também das formas encontradas, até o presente, pela ação dos trabalhadores bancários, visando resistir ao impacto intenso destas transformações, que tanto dificultam a ação sindical como criam razoáveis barreiras, procurando impedir a realização de greves no interior dos bancos. A ação sindical tem procurado, dentro das suas enormes limitações, obstar os aspectos mais nefastos deste incremento tecnológico e organizacional, que tem feito decrescer o contingente bancário, como, aliás, vem ocorrendo em todos os ramos que sofrem transformações tecnológicas guiadas exclusivamente pela lógica destrutiva do capital.

Sua análise sobre a concretude do estranhamento do trabalho nos bancos é particularmente fértil: "os trabalhadores bancários, inseridos num processo de trabalho, cuja finalidade é a metamorfose da mercadoria-dinheiro em capital produtor de juros, vivenciam em seu cotidiano essa representação fetichizada do dinheiro... Ao mesmo tempo, o produto do seu trabalho disfarça-se nos registros numéricos e impulsos eletrônicos obtidos no decorrer do dia, após a contabilização, a transferência e a redistribuição dos valores alheios manipulados". As repercussões deste fetiche mais completo (de que falou Marx, referindo-se ao capital a juros) junto à consciência dos trabalhadores bancários são buscadas neste ensaio, no qual são afloradas algumas das formas singulares presentes nos estranhamentos dentro dos bancos, bem como as formas atuais de que se reveste a resistência sindical neste segmento central da valorização do capital.

O leitor encontra-se, portanto, frente a um belo texto, que dá continuidade a um novo modo de pensar os estudos sobre o mundo do trabalho, onde materialidade e subjetividade são concebidas enquanto esferas constitutivas do ser social, ao contrário das simplificações tão em voga na contemporaneidade. E o faz mostrando a especificidade do trabalho bancário, cuja atividade tem, como nos diz o sugestivo título do livro, O mister de fazer dinheiro.

Ricardo Antunes é professor de Sociologia do Trabalho na Unicamp.