Nacional

Por falta de visão e articulação, o PT e o (seu?) Governo Paralelo não conseguem apresentar alternativas aos projetos de Collor. Mas isso tem remédio: doses maciças de estratégia.

Entre as razões para a proposição do Governo Paralelo (GP), a principal foi a identificação da necessidade de uma nova e superior forma de exercer oposição política, em plano nacional, através de articulação conceitual transpartidária que ocuparia um espaço estratégico inédito, fronteiriço com o movimento social, com os partidos e com o parlamento. A herança da Frente Brasil Popular era, a um só tempo, uma justificativa e uma responsabilidade.

Assim, ao lado de dar organicidade à ação das oposições populares no acompanhamento crítico do governo eleito, o GP deveria construir e revelar sua capacidade de exercer o poder. Foi proposto pelo PT mas não para o PT, senão para o conjunto daquelas oposições.

Lula coordenaria - como coordena - o GP, não como presidente do PT, mas como principal liderança da Frente Brasil Popular no campo das alianças estabelecidas no 20 turno presidencial. Em princípio e mantidas as proporções, ele organizaria o GP como teria feito com o governo propriamente dito, houvéssemos nós ganho a partida em 89. Ou seja, estabeleceria equipes responsáveis, pela competência e pela visão política solidária, mas não pela filiação partidária.

Passado um ano, é essencial uma avaliação crítica do GP - e porque não do PT? - com clareza e isenção; avaliação que deveria ser conduzida pelo próprio GP e pelo PT. Estando eu na coordenação de uma das áreas do GP, não tenho delegação para comentá-lo na qualidade de seu integrante. Só o Lula poderia dar tal delegação e, de fato, não o consultei. Assim, é como filiado e membro atuante do PT que estou encaminhando à Teoria & Debate algumas preocupações que, menos que julgamentos, se pretendem subsídios para as avaliações que, espero, serão efetuadas.

Abstenho-me assim de comentários sobre a atuação de distintas áreas do GP, ou da ausência de atuação de outras, até porque, em fase de organização e em período eleitoral, lacunas e imperfeições foram inevitáveis. Mais que discutir detalhes, é hoje inadiável um questionamento mais geral do papel estratégico que o GP e o PT não conseguiram exercer no difícil panorama político que o ano transcorrido apresentou, com conseqüências sérias para a sociedade brasileira.

Vejamos alguns fatos. O Executivo Federal monopolizou as iniciativas políticas nesse intervalo de um ano que se completa agora, desde a transmissão do cargo ao presidente. Com estas iniciativas atropelou continuamente o Congresso, não só as esquerdas. Sequestrou a poupança individual e contas bancárias, gerou recessão e desemprego, agravamento da crise social, desnacionalização do parque produtivo, desorganização das estatais, desmoralização dos serviços públicos. Além disso, o governo federal não encaminhou soluções estruturais para nenhum setor vital da sociedade brasileira. Em suma, agiu no sentido precisamente oposto do que eram as nossas metas de governo. Isso deu no que estamos vendo: uma nação refém de um plano suicida.

A literal imobilidade das oposições diante desta desastrosa avalanche é algo que precisa ser entendido. O que se poderia esperar do PT ou do GP, de diferentes formas? Pelo menos, que tivessem articulado estratégias de ação para uma resistência parlamentar interpartidária, pelo menos que tivessem tomado iniciativas norteadoras para o hoje desarvorado movimento social, pelo menos que discutissem diretrizes para a prática sindical. Além disso, como poderíamos estar governando o país, é incompreensível que não possamos estar contrapondo, sem vacilações, nosso projeto de governo, de administração pública, de economia, aos correspondentes e nefastos projetos do governo Collor. O pouco que fizemos foi obviamente insuficiente.

Vejamos outros fatos. Várias Prefeituras dirigidas pelo PT - talvez todas elas - viveram problemas políticos complicados e desgastantes, gerados pelas contradições entre as instâncias partidárias e o exercício da administração pública. Em parte isto refletiu questões internas do partido e de suas tendências, em parte foi devido à falta de uma melhor compreensão da relação e da diferença entre ser partido e ser governo.

Entre as muitas coisas que governar significa inclui-se administrar contradições, sejam estas entre distintas visões políticas, sejam entre orçamento e demanda salarial, sejam entre interesse público e interesse corporativo ou mesmo entre diferentes grupos sociais. O PT e o GP, cada um por suas razões e da sua maneira, deveriam estar lidando com estas questões que, especialmente para nós que não aceitamos que governos sejam "loteamentos" de interesses, são questões essenciais. Não lidar seriamente com isto é inconseqüência política. Aliás, uma questão dentro da questão: ao se falar da relação entre partido e governo, seria preciso lembrar de esclarecer melhor a própria relação entre o Partido dos Trabalhadores e o (seu?) GP.

Poderíamos alinhavar toda uma série de grandes questões onde, aparentemente, foi muito frágil a presença do PT ou do GP e onde esta presença poderia ter sido decisiva. Faltou, por exemplo, uma articulação nacional na elaboração de políticas de governo para a disputa dos Executivos Estaduais. Talvez isto não tenha sido determinante nas eleições, sequer é óbvio se seria responsabilidade do PT, do GP ou de ambos mas, enfim, há que se esclarecer.

Neste momento, nós e o mundo assistimos a uma guerra que não sabemos se e como acabará, fulminante ou prolongada. O que é certo é que o sacrifício de vidas se dará por questionáveis razões, de ambos os lados da contenda. É inaceitável que, se nos manifestarmos, só o façamos agora, quando a sorte já está lançada. O esfacelamento do Leste Europeu e suas conseqüências é outro tema que muda a história de nosso século e sobre o qual nem PT nem GP se manifestaram com clareza. É pueril acreditar que tais assuntos não tenham também a ver com a gente, e muito.

No plano político nacional, o frágil nível de consulta entre os partidos de oposição popular, ou entre "as esquerdas", possivelmente está refletido na pouca abrangência partidária do GP, assim como se expressou na dificuldade de composições nas eleições estaduais que, nem de longe, refletiram os mais de 30 milhões de votos do 20 turno presidencial. Talvez nem poderia ser diferente, e é preciso considerar e avaliar isto. Contudo, dependendo desta avaliação, a própria natureza do GP deva ser outra, com vínculos mais nítidos com a estrutura partidária.

Aparentemente, pelo menos, não temos nenhuma instância em que discussões deste porte sejam feitas. Na falta delas, desgasta-se o PT em questões internas e menores, o que é impróprio de um partido em que tanta esperança tem sido depositada, que tanta luta travou nos seus densos dez anos.

Enfim, tem nos faltado grandeza de visão. Talvez por isso mesmo nos falte iniciativa tanto para a mobilização social quanto para a articulação política. Na base destas carências talvez esteja a carência do pensamento estratégico. Nem o Partido dos Trabalhadores nem o Governo Paralelo estão "dando conta do recado". Quem sabe, não esclarecidos seus papéis, estaria um esperando pelo outro e vice-versa?

Luiz Carlos Menezes é físico, professor da USP e coordenador da área de Energia e Mineração do Governo Paralelo.