Internacional

A queda do Muro de Berlim é fruto da falência do regime fundado na ditadura do partido único; o socialismo não foi derrotado porque nunca existiu no Leste Europeu. A perspectiva socialista ainda é o melhor antídoto para o renascimento do nazismo.

 

A reunificação alemã está ligada à falência do sistema econômico, político e social implantado pela URSS no Leste Europeu, após a 2º Guerra. Ou seja, ao fracasso da burocracia, do regime político fundado na ditadura do partido único e no Estado policial.

A vitória da Revolução Russa de 1917 levou o Partido Bolchevique ao poder em nome do proletariado. Dois anos depois, os trabalhadores, que haviam conseguido criar estruturas de autogestão nas empresas, viram-se substituídos por diretores nomeados pelo partido e pelo Estado, com todos os poderes, que impuseram uma disciplina militar nas fábricas e a pena de morte para grevistas.

Assim, uma das possibilidades de socializar o poder revolucionário, a autogestão econômica, foi destruída.

Em 1920, os sovietes foram atrelados ao partido e ao Estado, dominados pelos burocratas, enterrando o sonho socialista de 1917.

Um Estado burocrático, hierárquico, um regime policial empregado especialmente contra trabalhadores "dissidentes", emerge na URSS e, sob Stalin, adquire a forma de uma elite industrializante que procurará construir o chamado "socialismo em um só país", sem perceber que, da mesma forma que é impossível o capitalismo em um só país, o socialismo também o é.

As várias crises decorrentes deste processo irão provocar cisões no modelo monolítico legitimado em nome de Lenin e Marx, acirradas pela sua expansão para os países do Leste Europeu, onde, em 1945, os PCs assumiram o governo mediante golpes de Estado e, apoiados pelo Exército Vermelho, produziram uma caricatura de socialismo: uma estrutura social fundada em privilégios econômicos e políticos, em que o proletariado comparecia com sua força de trabalho. Dominava o substituísmo. O PC substituía a classe operária, o Comitê Central substituía o partido e a Secretaria Geral substituía o Comitê Central.

Foram criados no Leste Europeu e na RDA Estados policiais responsáveis por grandes farsas judiciais, como os Processos de Praga e Budapeste, nas décadas de 40 e 50. Constituíram-se verdadeiras monarquias patriarcais e corruptas, cujo exemplo mais gritante era o de Ceausescu, na Romênia.

Pode-se dizer que o socialismo não foi derrotado, porque sequer existiu nessas regiões. O que sai derrotada, é uma estrutura de produção econômica e dominação política burocrática, que seus beneficiários tentavam impingir ao proletariado mundial como "o socialismo real". Isto é que está em crise, isto é que está em discussão.

Os problemas na URSS e no Leste confirma as antevisões dos clássicos do marxismo, que afirmam a impossibilidade de construção do socialismo em um só país ou em blocos "congelados".

Por ocasião da discussão sobre a reunificação alemã, foi dito que o novo país poderia ser uma confederação. O próprio primeiro-ministro Helmut Kohl, em vários discursos, ressaltou tal possibilidade, ao falar de uma "continuidade da experiência histórica alemã", referindo-se à Confederação Germânica de 1835.

A idéia confederativa, porém, é anterior. Já estava contida no Sacro Império Romano-Germânico, no século XVII. Muitos anos depois, em 1806, a Confederação do Reno reuniu dezesseis príncipes alemães que se separaram do Sacro Império Romano-Germânico e designaram Napoleão Bonaparte como seu protetor.

Após a derrota de Napoleão, o Congresso de Viena redesenhou o mapa europeu. Os reinos e principados independentes de língua alemã formaram uma estrutura política flexível, chamada Confederação Germânica. Essa confederação foi inicialmente liderada pela Prússia e pela Áustria, tendo como principal objetivo resistir - veja o leitor que ironia - às tentativas da classe média nascente de unificar a Alemanha, o que representaria uma ameaça ao poder autocrático dos príncipes.

Em 1834, os Estados alemães formaram uma "união comercial", sem restrições alfandegárias, a Zollverein, que gerou um crescimento econômico significativo e resultou na supremacia da Prússia.

Esta, então, declara guerra à Áustria e, em 1866, expulsa a da Confederação Germânica, criando a Federação da Alemanha do Norte. Esta federação apoiaria uma constituição que dava poder a três órgãos: a Presidência, o Bundesrat (Conselho de Representantes dos Estados Membros) e o Reichstag (parlamento eleito por sufrágio universal). A Presidência era exercida pelo rei da Prússia, assistido pelo chanceler Otto von Bismarck. Em 1871, Bismarck vence a Guerra Franco-Prussiana e convence os Estados do Sul a integrarem a Alemanha unida.

Forma-se, assim, o Império Germânico e o rei prussiano Guilherme I é sagrado imperador em Versalhes (França). A partir daí, o território alemão aumentaria e encolheria pela força das armas. O império (Reich) de Bismarck estendia-se ao Leste até a atual Lituânia, mas sofreria uma diminuição após a derrota na 1º Guerra Mundial. Para a Polônia, isto significou a conquista de novos territórios. Após a subida de Hitler, em 1933, a Alemanha avança suas fronteiras para o Leste e para o Sul. Com a derrota em 1945, volta a perder territórios para a URSS e a Polônia, que se apressou a arrancar da Alemanha de Kohl um tratado de reconhecimento dos limites de fronteira entre os dois países. Como salienta o escritor Guenter Grass, em lugar de uma nação unida por laços culturais, os alemães construíram um Estado baseado em uma estrutura imperial. Para ele, que sempre combateu a idéia da reunificação pura e simples, o ideal era a formação de uma confederação alemã. (G. Grass, "Breve palestra de um vagabundo sem pátria", Die Zeit, fevereiro de 1990).

Para o escritor, as formas de organização política vinculam-se às formas de consciência social e política. Assim, para Grass, a confederação significa a eliminação das duas Alemanhas como países estrangeiros, permite inovações, relações comuns e dependentes. Aproxima-se mais da idéia de uma aliança européia do que de um Estado unificado. As experiências alemãs de Estado unificado, à exceção do curso idílico de Weimar, relembram o prussianismo de Bismarck e o nazismo de Hitler, comenta ele.

A forma de estado unificado, porém, foi vitoriosa. É a vitória de um "prussianismo industrializado", com tintura democrata-cristã, e de um nacionalismo pseudo-envergonhado.