Mundo do Trabalho

Para a CUT, filiar-se a uma entidade pluralista como a Ciosl significa assumir um papel dirigente na luta do movimento operário em todo mundo.

Desde o seu surgimento, em 1978, o movimento sindical combativo do Brasil contou de imediato com o apoio e a solidariedade internacional. Apoio que foi se configurando, ao longo do tempo, através de um intercâmbio de informações e de experiências, que nos ajudou a desenvolver uma concepção sindical coerente com as necessidades dos trabalhadores brasileiros.

Manter-se em uma posição secundária ou subalterna em relação ao movimento sindical mundial, significará, para a CUT, não estar representando, à altura, os milhões de trabalhadores que têm nela sua direção sindical. A Central não poderá ficar alheia às transformações que se operam no mundo inteiro neste momento. Já não basta o intercâmbio ocasional, a solidariedade pontual ou a participação como observadora em reuniões internacionais.

É importante frisar que os principais dirigentes do movimento sindical que originou a CUT perceberam que sua vocação, à frente da classe trabalhadora mais numerosa e do operariado mais desenvolvido da América Latina, não era a de manter relações exclusivas com os movimentos de trabalhadores dos países do Terceiro Mundo. Na construção da CUT, foi fundamental termos mantido relações com companheiros da Itália, França, Holanda. Bélgica, Inglaterra, Estados Unidos e tantos outros. De resto, isto não nos impediu de desenvolver intensa relação também com o movimento operário da América Latina, do Caribe e da África. Ao contrário, sem os primeiros, dificilmente teríamos obtido o êxito que obtivemos nas iniciativas que tomamos junto aos segundos.

Seria dar um passo atrás, da maior gravidade, se nos voltássemos, agora, para o estreitamente de nosso horizonte internacional, de modo a rejeitar na prática a classe operária dos principais países industrializados como parte ativa da luta emancipadora dos trabalhadores. Trata-se, afinal, de sermos conseqüentes com a nossa própria história, dando os passos necessários para estabelecer relações orgânicas com o movimento sindical internacional. Neste contexto, a questão da filiação internacional da CUT está suscitando amplo debate nas fileiras do movimento sindical e do PT.

Entre as tendências do PT com atuação no movimento sindical, as que se consideram marxistas são as mais enfáticas ao tratar do tema. Sem amalgamar diversas posições, assinalaremos que todas elas se pronunciam contra a filiação da CUT a alguma central internacional, ainda que com argumentos diferentes entre si.

Para a Convergência Socialista, a Central Única dos Trabalhadores deve "repudiar todas as propostas de filiação à Confederação Internacional das Organizações Sindicais Livres (Ciosl), à Confederação Mundial dos Trabalhadores (CMT), à Federação Sindical Mundial (FSM) ou a qualquer outra central sindical atrelada ao imperialismo e ao stalinismo". A CS propõe ainda "que a CUT inicie gestões para organizar um movimento tendo em vista a formação de uma central mundial classista, democrática e independente do imperialismo e dos governos burgueses ou burocráticos de todo o mundo". O caráter nítido da proposta não deve obscurecer seu conteúdo ingênuo. Como agrupar em uma nova central mundial forças significativas do movimento operário internacional, sem que os trabalhadores dos demais países, hoje filiados a centrais sindicais cujos dirigentes estão "atrelados", recuperem estas centrais para uma política "classista"? Ou devemos chamar trabalhadores a romper com essas centrais e criar novos sindicatos?

Desde já, podemos afirmar que essa proposta não contaria com o menor apoio internacional e nem mesmo a CUT teria condições políticas ou estruturais para torná-la real. O resultado seria o seu isolamento internacional, de difícil reversão no futuro.

Esta posição da CS, coberta de grande radicalismo, nos levaria a abandonar, nas mãos de dirigentes reformistas e ou, as grandes massas de trabalhadores sindicalizados do mundo, nos contentando com ficções sectárias. A contradição de tal postura parece ter sido percebida pelo companheiro Julio Turra (membro da Executiva Estadual da CUT-SP e da tendência O Trabalho), que escreve: "Para discutir a filiação à Ciosl (já que essa é a única discussão real, face a crise da FSM e à insignificância da CMT cristã), temos que levar em conta, não só a política de sua direção majoritária, mas também a possibilidade de se lutar no seu interior por uma outra política, pois afinal não se pode negar a entrada em um sindicato só porque não concordamos com sua direção" (Caderno do Cedi).

Efetivamente, a desintegração da FSM e o tamanho minúsculo da CMT fazem da Ciosl o único quadro organizativo do movimento sindical internacional, do qual a maioria das centrais sindicais do mundo faz parte. Logicamente, a sua direção guarda correspondência com as centrais nacionais, a maioria ligada à social-democracia. Nem por isso essas centrais e a Ciosl deixam de ser organizações dos trabalhadores, elemento central de sua constituição em "classe para si" e instrumentos de luta contra a burguesia e seu Estado. Que a política dos dirigentes é, muitas vezes, um freio a esta luta, não há dúvida. Que a independência em relação ao Estado, aos partidos e igrejas seja, em alguns casos, formal, é verdade. Mas é precisamente a contradição a ser resolvida pelos trabalhadores, que procuram fazer com que suas organizações sirvam a seus interesses e não aos da burguesia.

Por outro lado, afirmar, de modo geral, que essas centrais estão sendo dirigidas por burocracias reformistas, não esclarece muito sobre a realidade concreta da política dos dirigentes sindicais. Não foi, então, a direção social-democrata da UGT da Espanha que, junto com as CCOO (Comisiones Obreras), desencadearam a primeira greve geral contra o governo social-democrata de Felipe Gonzalez?

Entretanto, Julio Turra não exclui a filiação à Ciosl. Ele a condiciona à prévia aceitação de uma plataforma pelos dirigentes desta central, a saber: a anulação da dívida externa de países como o Brasil; a defesa dos serviços públicos, das empresas públicas e estatais na América Latina e da propriedade social no Leste; a autodeterminação dos povos; a eleição da direção da central mundial em congresso democrático e proporcional de delegados eleitos, resguardada a independência de cada central de partidos, Estado e igrejas. Mas não dizia Julio Turra que "não se pode negar a entrada num sindicato, só porque não concordamos com sua direção"? Desde quando nossa entrada num sindicato deve estar condicionada a que os dirigentes aceitem nossa plataforma? O que explica a nossa participação no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, com oposição? Medeiros aceitou nossa plataforma? Ele dirige o sindicato democraticamente? Defende os serviços públicos, as estatais e a propriedade social na Europa Oriental?

Curiosamente, na tese que O Trabalho apresentou para o 4º Congresso da CUT a filiação condicional à Ciosl não aparece mais. Em seu lugar, rejeita-se a filiação a qualquer central, propõe-se que a CUT "privilegie relações com o sindicalismo independente que se desenvolve na Europa do Leste e na África", além de um congresso sindical na América Latina para "avançar na luta comum". A corrente é uma das várias vertentes da IV Internacional e, como tal, atua em comum com a organização francesa do Partido Comunista Internacionalista (PCI). Supõe-se, então, que esta tenha sobre a Ciosl e o movimento sindical internacional posição semelhante. Mas não parece ser o caso, pois uma boa parte dos membros do PCI, inclusive seu dirigente mais conhecido, Lambert, são membros da Central Force Ouvrière (FO), filiada à Ciosl. Para o PCI, essa central é independente do Estado e dos partidos burgueses. Os companheiros trotskistas franceses nunca propuseram a desfiliação da FO da Ciosl, nunca insinuaram sequer que sua direção devesse romper com os dirigentes da AFL-CIO americana e devesse se juntar à CUT na luta por uma nova central internacional "classista". Mais ainda, desde 1969, a corrente de Lambert, pretextando algumas posições progressistas dos dirigentes da FO, vota a favor destes em cada congresso dessa central.

Os companheiros da Democracia Socialista, por sua vez, vinculados ao setor Mandel da IV Internacional, apesar de privilegiarem as centrais que no passado eram da FSM, sempre defenderam a unidade. Em países como Alemanha e Bélgica, seus militantes fazem parte de centrais membros da Ciosl. Mandei é filiado à FGTB na Bélgica, e outro dirigente, Monetta, foi editor de imprensa do Sindicato IG Metal, membro da DGB, na Alemanha. Em se tratando de corrente que reivindica, como as anteriores, as posições leninistas sobre a frente única e sobre o sindicalismo em geral, estranha-se esta postura alinhada com os grupos mais sectários.

A "CUT pela Base" afirma em sua tese: "a filiação à Ciosl, defendida por dirigentes da Executiva da CUT e o compromisso com as concepções e práticas nela existentes são danosos à constituição de um pólo classista, combativo, solidário e democrático, no plano internacional" (Tese 16, p.113). Afirma, mas não explica. Vale perguntar: por que a filiação é sinônimo de compromisso com práticas alheias às que normatizam a atuação da CUT? Que pólo classista pode ser construído à margem dos trabalhadores sindicalizados na Ciosl que, como vimos, agrupa, hoje, a maioria das centrais sindicais?

Também o PC do B sustenta a posição de não-filiação. Após anos de defesa do sindicalismo atrelado ao stalinismo, na China e depois na Albânia, mostra uma evolução positiva, a favor de que os sindicatos sejam independentes do Estado e dos partidos. A sua defesa da "independência" e sua preocupação com o poder da corrupção dos projetos de cooperação com outras centrais devem ser levados a sério? Bem, os stalinistas têm indiscutivelmente uma grande bagagem em matéria de dependência e cooptação pelo Estado.

Não faz parte da tradição cutista a manutenção de relações privilegiadas com as centrais sindicais dos países antes pertencentes ao chamado bloco socialista. Embora também tenhamos mantido com essas centrais intercâmbio e relações bilaterais com alguma intensidade, nossa central já nasceu em ruptura com as práticas sindicalistas nestes países e nunca nos furtamos a deixar bem claro que nossa concepção sindical, combativa e independente do Estado, das igrejas e dos partidos políticos, era, fundamentalmente, divergente e oposta àquela em vigor, em países como a URSS, Hungria, Tchecoslováquia etc.

O fato de transformações estarem em curso, nestas centrais, não é suficiente para alterar nosso posicionamento, pois tais transformações não indicam uma tendência clara, já que o destino de cada uma delas está condicionado ao desenvolvimento das alterações políticas e econômicas dos seus países.

Estas centrais estão vinculadas, internacionalmente, à FSM que, evidentemente, vive os reflexos diretos da crise. Seu 12º Congresso, realizado em novembro de 1990, não conseguiu avançar na definição de um novo perfil para a central, e as modificações de estatutos ali aprovadas não foram suficientes para configurar uma nova estrutura para a entidade - capaz de colocá-la de acordo com a concepção sindical que defendemos.

Com a desintegração do domínio burocrático, na Europa Oriental, a FSM como instrumento sindical, defensor dos interesses diplomáticos dos governos burocráticos, tende a desaparecer. Em alguns países, as centrais que contam com representatividade estão em crise, enquanto outras em processo de aproximação com a Ciosl.

Por outro lado, a Ciosl agrupa as centrais sindicais com as quais a CUT tem mantido intercâmbios, dos mais intensas, desde a sua fundação.

Embora a tendência predominante, entre seus dirigentes, seja a social-democracia, em seu interior desenvolve-se uma histórica e sempre presente disputa pela hegemonia, levada a cabo por dois blocos: de um lado, a Federação Americana do Trabalho e o Congresso das Organizações Industriais (AFL-CIO), norte-americana, e de outro, a maioria das centrais sindicais européias dos países ocidentais.

Essa disputa abrange também a questão da filiação da CUT. Os dirigentes ligados à central norte-americana não querem nossa participação, preferindo a Força Sindical e a CGT de Magri. Eles percebem que nossa entrada reforçará as posições mais à esquerda na Internacional e, no Brasil, dará força à CUT contra o "sindicalismo de resultados".

Nossa filiação à Ciosl exigirá uma batalha política contra a direita reformista e acentuará indiscutivelmente as diferenciações entre as posições existentes no movimento sindical.

A Ciosl é uma entidade pluralista, abrigando diferentes visões políticas, concepções sindicais e orientações ideológicas, em seu interior. Entre seus princípios, está a defesa da liberdade e autonomia sindicais, frente aos governos, partidos e credos religiosos. Não é uma central que agrupe exclusivamente entidades dos países avançados. Sua organização regional no continente americano, a Orit, reúne, além da AFL-CIO, outras entidades da América Central e do Sul, e tem praticado, nos últimos anos, uma política distanciada dos interesses do sindicalismo conservador americano. A propósito, a AFL-CIO tem feito gestões pela aceitação da CGT, na Ciosl, com o objetivo de alcançar o controle da Orit.

Para a CUT, filiar-se à Ciosl significa assumir, plenamente, um papel dirigente na luta dos trabalhadores de todo o mundo - estabelecendo as condições para pôr em pratica, extensivamente, suas concepções e resoluções sobre o movimento operário.

Luís Favre é membro da Comissão de Relações Internacionais do PT.