Mundo do Trabalho

O movimento sindical brasileiro passa por uma grave crise. Não é possível que o PT use como método a omissão sistemática em relação aos problemas que ficaram explícitos no 4° Concut, tais como a despolitização e a violência. Discutir dentro do partido o papel da Central é vital para, ambos.

É realmente um espanto. Mais de quatro meses se passaram desde o 4º Concut e até agora muito pouco se discutiu a respeito deste acontecimento, que revelou de forma cristalina o tamanho e a gravidade da crise que atravessa o movimento sindical brasileiro. Alguns artigos publicados na grande imprensa, mais preocupados em justificar posições adotadas no Congresso do que voltados para aprofundar a reflexão, algumas avaliações de tendências e só. Significativamente, a primeira reunião da nova Comissão Executiva da CUT, após o Concut, aprovou uma espécie de "pacto de governabilidade" (justo, por sinal) e foi em frente, sem cuidar de olhar para trás e iniciar o necessário processo de balanço, que, entre outras coisas, procurasse responder como foi possível que uma entidade, criada sob a bandeira da democracia e participação, proporcionasse, no seu fórum máximo, um espetáculo tão lamentável, onde o "argumento da força" substituiu completamente a força do argumento.

Porém, nada me parece pior neste momento do que a manutenção, por parte do PT, de uma política de avestruz em relação aos impasses da CUT. Não é possível imaginar que um partido consiga ser a força dirigente das lutas dos trabalhadores brasileiros se usa como método a omissão sistemática em relação aos problemas do movimento sindical. Nosso partido lamentou o ocorrido no 4° Concut e seguiu tocando a discussão do seu 1° Congresso, como se a brutal crise e divisão da CUT nada tivesse a ver com a estratégia pela conquista do socialismo, aliás um dos pontos de destaque da pauta do Congresso.

Por este motivo é que, independente de divergências, considero positivo o artigo do companheiro Paulo Okamotto, publicado em Teoria & Debate n° 16. Sem dúvida, contribui para a derrubada do "muro de silêncio" em torno dos problemas vividos pela nossa central. Dialogando e polemizando com essa contribuição procuraremos juntar lenha à fogueira.

Se queremos realmente transformar a nossa prática no movimento sindical, o primeiro passo é olhar firmemente no espelho. Os desvios do Concut nada mais foram do que a cristalização de fenômenos cada vez mais comuns, tais como: despolitização, sectarismo, aparelhismo de cargos como via de estabelecimento do predomínio político, métodos antidemocráticos, negociações de chapa à base da "mala", uso de violência no enfrentamento das divergências e o recurso cada vez mais frequente à fraude. De forma clara, o 4º Concut demonstrou que estes desvios, longe de se constituírem em acontecimentos isolados, são, como diz Okamotto, o sinal de que se esgotou de vez o primeiro ciclo de crescimento e elaboração da Central. Porém, se o artigo do companheiro é preciso no diagnóstico, peca ao limitar as causas do problema ao fato objetivo de que por ter se desenvolvido nos anos de enfrentamento do Estado autoritário, o movimento sindical combativo acabou preso à prática e concepção imediatistas. Faltou assinalar problemas subjetivos do próprio movimento, alimentados e desenvolvidos, inclusive, durante os "anos gloriosos".

Destacam-se, entre estes problemas, os seguintes:

1) No enfrentamento do peleguismo reacionário e da estrutura sindical oficial imposta pelo Estado acabou se fortalecendo uma visão de pluralismo sindical que, num quadro de despolitização, acaba por justificar a divisão do movimento, mesmo por divergências menores. Estão aí as divisões territoriais de sindicatos, patrocinadas por cutistas (que só favorecem o encaminhamento em separado das lutas comuns), que não nos deixam mentir.

2) No afã de reforçar a nova qualidade do movimento sindical combativo e de seu rompimento com as concepções reformistas predominantes no sindicalismo do período de 56 a 64, gestou-se uma auto-suficiência intolerável de nossos dirigentes, com consequente subestimação do trabalho de formação, o elogio da ignorância e a exaltação do empirismo.

3) O grande feito da conquista de máquinas sindicais poderosíssimas trouxe consigo não apenas o fortalecimento da luta, mas também a criação de amarras que transformam bons militantes em meros (e maus) administradores da burocracia e assistencialismo sindicais. Os cargos nas diretorias, de forma diferente dos tempos do peleguismo, continuaram a ser fontes de status, ascensão social, poder e privilégios para seus detentores, distanciando-os da base e aumentando o risco da consolidação de uma nova camada burocrática nos sindicatos combativos em detrimento da organização pela base.

4) Na luta por um sindicalismo independente, que não fosse uma mera correia de transmissão dos partidos políticos, se constituiu uma concepção que "autonomiza" a luta sindical da política, contribuindo para reforçar o economicismo e o corporativismo, que já possuíam uma larga tradição na vida sindical brasileira.

De todas as deformações, essa última é, sem dúvida, a matriz, uma espécie de "mãe de todos os erros". Efetivamente, não é preciso muita perspicácia para verificar que a despolitização - ou a perda da visão do papel do movimento sindical como um amplo transformador social - é o caldo de cultura propício para fecundar uma concepção onde um estéril doutrinarismo se soma a uma prática que se resume em correr atrás de salários. Progressivamente isso leva a encarar o movimento sindical como um fim em si mesmo e, em conseqüência, alimenta disputas - muitas vezes fratricidas - pelo controle dos aparelhos sindicais.

Tudo isso apareceu no 4° Concut, sob a forma de entronização da caquética tese da crise da direção, onde todos os dilemas do movimento foram resumidos ao fato de que é fulano e não beltrano a força dirigente, sem a menor consideração pelos problemas reais que dizem respeito a todos. Neste mister, ninguém superou a força majoritária - Articulação Sindical - que, com seus gritos de "racha!" nos momentos de maior disputa, demonstrou a que extremos a despolitização e o aparelhismo podem conduzir. Estes brados desnudaram uma visão na qual a unidade dos trabalhadores não possui qualquer valor estratégico e onde uma divisão praticamente ao meio do movimento sindical combativo passa a ser uma alternativa possível a partir do momento em que sua maioria se vê ameaçada.

Diante deste quadro, um partido com as responsabilidades do PT, teoricamente hegemônico dentro da CUT, não pode se omitir. Porém, muito mais difícil do que identificar esta questão é superar as surdas resistências que se opõem resolutamente a que o partido rompa com a sua apatia em relação ao movimento sindical.

Uma tarefa para o PT

É curioso observar que as resistências provêm das mais variadas correntes petistas dentro da CUT. Dos esquerdistas, que repudiam esta "intromissão" e estranhamente vivem reclamando que o PT está cada vez mais parlamentarista, à Articulação, que apesar de sua postura ideológica de "guardiã" do PT, permite que seu braço sindical atue como bem entende dentro da CUT, muitas vezes ao arrepio de posições políticas do partido.

Desta forma, posturas de "partido dentro do partido" e o interesse em manter cargos e posições que, num universo mais oxigenado politicamente como é o PT, teriam de ser melhor justificadas, se unem para, através de uma resistência passiva, manter a política de avestruz do partido.

Se tais posições não se expõem publicamente é porque suas razões são inconfessáveis e não resistem a uma simples constatação: Que sentido tem construir um partido com linhas de ação na área parlamentar, administrativa e nos movimentos sociais e inteiramente silencioso na questão sindical?

Num país como o Brasil, onde o movimento sindical é uma das espinhas da nossa débil sociedade civil e uma das alavancas da esquerda, tal omissão tem o claro sentido de um suicídio político. Para o PT, o reconhecimento do papel estratégico da luta sindical deve ter como conseqüência não permitir que a discussão dos seus impasses e alternativas seja realizada apenas no restrito mundo das corporações.

Parodiando o primeiro-ministro francês Clemenceau, autor da frase "A guerra é um assunto muito importante para ser tratado apenas por generais", podemos afirmar que, pelo menos em nosso país, a questão sindical não pode ser tratada apenas pelos nossos atuais sindicalistas.

O artigo de Paulo Okamotto é uma prova contundente disto, pois ao propor que "é preciso construir nossa proposta (sindical) levando sempre em conta a perspectiva de sermos governo ou admitindo a possibilidade de influenciá-lo em questões centrais" (grifo meu), o companheiro vincula explicitamente sua proposta de ação sindical a uma alternativa estratégica global. Embora seja correto do ponto de vista do método (o mesmo não poderia dizer em relação ao conteúdo, já que o artigo parece confundir a chegada do PT ao governo com uma simples troca da guarda no Planalto, ignorando as imensas transformações que este fato provocaria no país), é estranho que em nenhum momento se refira ao papel do PT na formulação desta ou de outras propostas à CUT.

De qualquer modo, o artigo, de Okamotto abre um caminho. Parece ser consenso que no 1° Congresso do PT não logramos muitos avanços em nossas definições estratégicas. Sendo assim, uma boa forma de retornar a discussão seria a inclusão da questão sindical como ponto obrigatório, convocando todo o partido e não apenas os sindicalistas a discuti-la.

Abrir a discussão

Alguns ainda poderão alegar que por trás desta iniciativa estaria a intenção de exumar a tese de correia de transmissão partido-sindicato, mas tal argumento não resiste à menor análise. Efetivamente, a existência de um partido autoritário e impermeável à opinião das bases é uma condição sine qua non para tal prática. E esse não parece ser o caso do PT. Muito pelo contrário, o mais comum tem sido o partido se calar para não entrar em confronto público com a CUT, como vimos acontecer no caso de algumas marcações de greve gerais e no episódio da ida ao entendimento nacional.

É preciso reconhecer que a abertura dentro do PT da discussão sindical, vinculada ao debate estratégico, é decisiva não só para a Central como para o próprio partido. Não é mais possível conviver pacificamente com realidades como a do Rio de Janeiro, onde os petistas dirigem os principais sindicatos, ignorando olimpicamente o apoio ao populismo brizolista, largamente majoritário em nossas bases. Mas tal esforço só terá êxito se, desde o início do debate, a solidariedade, a ética e a disposição de ouvir a experiência alheia se impuserem como critérios fundamentais e desde que o partido exija de seus militantes sindicais (particularmente os que ocupam cargos de mando dentro da CUT) um novo método de direção, baseado na transparência e na discussão política das divergências.

Washington Costa é presidente regional da CUT/RJ.