Cultura

Destaco a leitura da vida e da obra de Rosa Luxemburgo e de Simone Weil, militantes e intelectuais brilhantes

Aprendi e aprendo muito com Lula. Lembro-me sempre de seu entusiasmo com um livro que o marcou profundamente - A História de Gandhi e da extraordinária campanha pela conscientização e mobilização de seu povo para a liberdade. Fiquei ainda mais convencida do poder das idéias por intermédio da palavra escrita. Livros que provocam envolvimentos tão fortes quanto o ardor revolucionário, a ira sagrada da indignação, a paixão pelo conhecimento e pelo exercício da crítica, a emoção que atinge as profundezas da alma, são, sem dúvida, livros que podem "fazer a cabeça" das pessoas.

Sempre li de tudo - e com imenso prazer e nenhum sentimento de "estar perdendo tempo", como já ouvi de alguns colegas, que só "estudam" e não se dão ao luxo de "ler" ... Por isso é muito difícil dizer qual o livro que me fez a cabeça, o que variou, é óbvio, nas diferentes fases da vida. Talvez seja mais correto falar de autores, e não de livros. Os que mais me marcaram foram aqueles cuja vida e obra se entrelaçam, unindo reflexão e prática. Assim, destaco a leitura da vida e da obra de Rosa Luxemburgo e de Simone Weil, militantes e intelectuais brilhantes, marcadas por um firme compromisso ético - mulheres que muito amaram e muito lutaram.

A partir dos treze anos fui estimulada por minha mãe a ler os escritos de - e sobre - Simone Weil (1909-1943) discípula de Alain, professora de filosofia e militante, numa certa época "engajada na produção". Pura revelação! Pela primeira vez constatava o perfeito entrosamento entre a devoção religiosa e a atividade política. Para uma fiel aluna de colégio de freiras, o impacto foi, no sentido positivo, devastador. A leitura de A Condição Operária (seu diário do trabalho na fábrica), Opressão e Liberdade (sobre a revolução proletária) e O Enraizamento (sobre direitos humanos) foram decisivos para minha participação no movimento estudantil, na Ação Católica e, posteriormente, no início da Ação Popular. Quem conhece a distância entre o catolicismo tradicional e a Teologia da Libertação pode perceber o que foi essa transformação. Escreve Simone: "Não reconheço na igreja nenhum direito de limitar as operações da inteligência ou as iluminações do amor no domínio do pensamento". Ou ainda: "Penso que a cultura intelectual, longe de dar direito a privilégios, é em si mesma um privilégio quase terrível, que exige, em contrapartida, responsabilidades terríveis " (em português, valho-me dos textos organizados por Ecléa Bosi).

Mais tarde, já na faculdade, fiquei seduzida pelas duas faces da personalidade de Rosa Luxemburgo: a intelectual dirigente política e a "camarada e amante". Por um lado, a lucidez e o espírito criativo da teórica socialista, que enfrentava o "revisionismo" da social-democracia alemã e denunciava os excessos da burocracia partidária, do centralismo e do militarismo. Por outro lado, o fascínio das memórias (através de sua correspondência pessoal) e biografias, que revelam a extrema generosidade, a doação constante e paciente pela causa revolucionária, a sensibilidade artística, a coragem altiva diante da dor física e moral, a força da paixão de uma mulher miúda e frágil que tanto lutou e "amou durante todos os dias de sua vida" - até morrer assassinada. Símbolo do marxismo libertário e humanista, aí também Rosa corresponde aos anseios de quem está na luta pelos direitos humanos. "A liberdade é sempre a liberdade de quem pensa diferente, e perde toda a sua eficácia quando se transforma em privilégio". Jamais aceitou que, em conseqüência de sua origem judia, fosse instada a defender "privilegiadamente" os judeus perseguidos. A injustiça que atinge os seres humanos, seja de que grupo forem, ia direto ao seu coração e à sua pena indignada: camponeses espoliados, operários explorados, vítimas das matanças coloniais, pois "o mundo todo é o meu lar".

Quando penso, hoje, em Simone e Rosa - e no bem que me fizeram - reconheço o privilégio de conviver com companheiros que mantêm, como elas, a integridade de princípios e a firmeza nas posições políticas, sem vestígios de intolerância, com elegância e a maior dignidade, do que são exemplos Clara Charf e Antonio Candido.

Maria Victoria Benevides é socióloga, professora na Faculdade de Educação da USP e diretora da Escola de Governo.