Cultura

Nossa educação autoritária e machista desvaloriza a mulher, deixando marcas profundas de submissão.

Em recente pesquisa, realizada em doze capitais brasileiras, a análise dos dados aponta que 52% das mulheres que trabalham consideram que já foram assediadas sexualmente, especialmente por homens que na hierarquia das relações de trabalho encontram-se em posição superior à sua.

Sem dúvida, o assédio sexual é um comportamento que, sabemos, existe há muito tempo, embora ainda seja difícil estabelecer mecanismos claros que o reconheçam e o sancionem enquanto uma prática passível de punição.

Isso ocorre, principalmente, porque ao falarmos de assédio sexual, estamos também falando dos valores, da cultura, da sedução, do poder nas relações e, especialmente, dos comportamentos tidos como "normais" nas relações homem/mulher.

Em recente pesquisa, realizada em doze capitais brasileiras, a análise dos dados aponta que 52% das mulheres que trabalham consideram que já foram assediadas sexualmente, especialmente por homens que na hierarquia das relações de trabalho encontram-se em posição superior à sua.

Sem dúvida, o assédio sexual é um comportamento que, sabemos, existe há muito tempo, embora ainda seja difícil estabelecer mecanismos claros que o reconheçam e o sancionem enquanto uma prática passível de punição.

Isso ocorre, principalmente, porque ao falarmos de assédio sexual, estamos também falando dos valores, da cultura, da sedução, do poder nas relações e, especialmente, dos comportamentos tidos como "normais" nas relações homem/mulher.

Não estamos falando dos comentários e gracejos que podem até ser bem-vindos. Estamos aqui nos referindo a atitudes de exploração e desrespeito para com o sexo feminino que tem no assédio sexual sua expressão mais comum e freqüente. Cabe salientar que o assédio sofrido pelos homens é infinitamente menor, até porque são poucas as mulheres que estão em posição superior.

O assédio se caracteriza como tal, quando é exercido nas relações de trabalho e existe uma hierarquia, na qual um tem o poder de mando sobre o outro.

A Comissão dos Direitos e Liberdades Individuais define o assédio sexual assim: "O assédio sexual consiste num ato de insinuação sexual que atinge o bem-estar de uma mulher ou de um homem, ou que constitui um risco para sua permanência no emprego. Ele pode assumir a forma de proposta ou de insinuações persistentes tanto verbais quanto gestuais."

Outra definição que auxilia no entendimento do significado do assédio sexual, e da necessidade de rompermos com estas formas de relação, diz: "O assédio sexual é um comentário sexual, um gesto, um olhar, palavras sugestivas repetidas e não desejadas ou um contato físico, considerado repreensível, desagradável ou ofensivo e que nos incomoda em nosso trabalho."

Pode ainda ser definido como uma sujeição à prática de exigências sexuais, quando as pessoas em questão estão numa correlação de forças diferentes.

Nossa educação autoritária e machista desvaloriza a mulher, deixando marcas profundas de submissão. Certamente, esta é uma das questões que na maioria das vezes está por trás de uma denúncia não realizada. Para a mulher denunciar o assédio sexual é necessário, antes de mais nada, explicitar e dar voz a todos os mecanismos de humilhação de gênero sofridos no cotidiano.

Esta é uma tarefa mais árdua do que se pode supor, pois ela está diretamente relacionada com a transformação dos valores, e especialmente com a transformação de nossa subjetividade. Transformação esta que exige o rompimento do silêncio, das formas já cristalizadas pela sociedade da visão do que é ser homem e mulher, o rompimento da passividade e da submissão, construindo novas formas de solidariedade entre as mulheres, construindo uma nova forma de se colocar na sociedade com total igualdade de direitos.

Nas CPIs - Comissões Parlamentares de Inquérito - realizadas nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo acerca da violência contra a mulher - aí incluído o assédio sexual -, vários depoimentos ratificam esta forma de encarar o assédio sexual. Em muitos depoimentos percebe-se a impotência das mulheres frente a estas questões e também a forma pouco eficaz como vem sendo tratada pelos órgãos componentes.

As mulheres que já sofreram assédio sexual e que denunciaram esta prática, na sua grande maioria foram demitidas por difamação ou afastadas de suas funções.

As que insistiram e entraram com um processo jurídico, depois de muito tempo, reconquistaram o direito a retomar suas antigas funções. Este é um processo demorado e desgastante, fazendo com que muitas mulheres que não dispõem de apoio, solidariedade e um acompanhamento jurídico adequado, desistam na metade do processo. Isso sem contar o medo de perder seu emprego e com ele pôr em risco a sua sobrevivência e também a de sua família. Outro aspecto, que muitas vezes impede a mulher de tomar uma atitude frente ao assédio sexual e realizar a denúncia, está vinculado à humilhação a que está exposta, tendo ainda que ouvir comentários do tipo: "Certamente foi ela a culpada, deve ter provocado. Provavelmente estava usando roupas inadequadas para a ocasião, muito justas, transparentes ou provocantes".

As relações de trabalho explicitam as relações sociais e as discriminações de gênero vividas pela mulher em seu cotidiano.

No caso da mulher, o assédio sexual expõe uma ferida que tem um significado muito mais amplo. Expõe a divisão sexual do trabalho e a divisão dos papéis sociais e seus mecanismos constantes de dominação. Precisamos ir além dos espaços já conquistados como, por exemplo, as delegacias de mulheres e os conselhos da condição feminina. É urgente que as políticas incorporem a visão de gênero para que possa diminuir a distância entre os direitos de homens e mulheres e que possamos acabar com a discriminação e a violência contra a mulher.

O assédio sexual raramente implica o uso da força física. Geralmente destitui a pessoa de seus direitos enquanto cidadão e a priva de sua autonomia. É destituir o indivíduo do que lhe é mais íntimo e singular, é roubar-lhe o que lhe é mais caro: sua liberdade e dignidade. À vezes até o respeito próprio.

Os sindicatos, partidos e grupos organizados da sociedade têm um importante papel para a transformação das relações para além das propostas e discursos.

Construir uma sociedade justa e ética, com direitos iguais, passa necessariamente pelo enfrentamento destas questões com coragem para responsabilizar atitudes tão inadequadas e violentas quanto o assédio sexual. Através de um projeto de lei apresentado conjuntamente com a deputada federal Maria Laura (PT-DF), proponho a penalização do assediador, caracterizando e tratando o assédio sexual como crime. Acredito ser este mais um passo importante para que muitas mulheres venham a denunciar o assédio sexual rompendo com o silêncio e transformando as relações entre homens e mulheres.

Marta Suplicy é psicanalista e deputada federal pelo PT-SP.