Cultura

Através de depoimentos de amigos e do próprio artista, buscamos traçar o perfil do homem Lasar Segall

Lasar Segall

Há artistas para os quais a arte é tão importante como o ar, a luz e a própria vida. Para eles, a arte é uma necessidade à qual não podem fugir, e não uma profissão como qualquer outra, escolhida pela importância prática ou social. Estes artistas trabalham em seus ateliers. Obedecem uma própria voz. Experimentam. Procuram. Produzem. Trabalham unicamente para cumprir a missão de que a natureza os incumbiu. E o resultado do seu trabalho é a arte. Arte que, apreciada do ponto de vista estético e ético, devemos considerar como elemento importante da vida humana. A arte reflete a alma e a intelectualidade do homem. Sua vida íntima, e a concepção que ele tem do universo. Em tempo de agitação política intensa e de lutas econômicas, a arte aparece como fator secundário, perante o qual a maioria dos homens se mostra indolente, por vezes recusando-a como supérfluo. Não obstante, é a arte que enobrece a humanidade em seu subconsciente. E quando os anos se vão, quando todas as manifestações políticas que num momento pareciam de tanta importância e que em tudo predominavam desaparecem - às vezes sem sequer deixar vestígio - então persiste a arte, como persiste a filosofia e as conquistas científicas, representando um valor eterno, e como nobre testemunho da época que se foi.

Augusto Rodrigues (pintor)

Meu conhecimento com Segall data do período da Guerra, e neste tempo ele estava muito interessado no problema social e, sem dúvida, interessadíssimo em sua arte, em sua posição de artista. Nele havia a preocupação de fazer sua pintura com um zelo profissional muito grande, como também com o destino de sua obra. Ele tinha consciência de que sua obra permaneceria no tempo. Tanto é verdade, que se preocupava muito com os seus quadros e, quando os dava, queria ter a certeza de que não sairiam para outras mãos, e ele acabasse sem notícia daquele trabalho.

Rubem Braga (escritor)

Uma vez, disse que queria me dar um dos seus trabalhos. Então, fui à sua casa na Vila Mariana, e ele me mostrou uns desenhos. Passamos horas vendo seus trabalhos. Finalmente eu escolhi um, pequeno e relativamente recente. Ele ficou muito triste porque escolhi aquele desenho. Ele não queria dar aquele. Ofereceu maiores, coloridos e tal. Mas eu insisti. Então ele me disse que iria primeiro fotografá-lo, e que depois me enviaria. E levou seis meses para me mandar o desenho.

Geraldo Ferraz (crítico)

Ele sempre foi um homem em busca de elementos essenciais da vida, e dos caminhos que liberassem os homens da injustiça e os conduzissem a um destino mais criador, no sentido de uma maior dignidade.

Myra Perlov (modelo de Segall nos anos 50)

Ele me fazia sentir à vontade. Pelo interesse que demonstrava, conseguia criar uma relação recíproca, o que é bastante difícil, sobretudo entre uma pessoa de 60 anos e uma jovem de 18. Na hora de pintar, sua concentração era impressionante. Ele a exprimia inclusive fisicamente: respirava mais forte, dava a impressão de que esquecia quem era o objeto. Parecia ser um homem muito ligado ao passado - à Europa, e que voluntariamente queria engolir todo esse mundo novo, a paisagem, a liberdade, tudo o que dizia respeito ao Brasil. Sua reação frente à natureza era fabulosa. Era uma ligação quase sensual. Era a mesma reação que demonstrava perante o modelo.

Iêda Miranda (viúva de Murilo Miranda, e que posou para Segall)

Enquanto pintava, ele conversava muito. Muito atencioso, cuidava para que a gente não se cansasse. Havia dias que eu estava em casa, à tarde, ele me telefonava e dizia: "Iêda, vá até a janela. Veja o céu. Que cores, menina! Que cores!"
Eu falava: "Aproveita, Segall! Aproveita! Pega as tintas e começa ..."
"Não, não dá. É tudo tão rápido! Passa tão depressa! Mas, que cores! Que cores! ... " - ele ficava alucinado com as cores no Rio de Janeiro.