Política

Antes de tudo, ele foi para nós o professor-companheiro dos anos de incertezas.

Conheci Perseu em 1965, quando cursava Ciências Sociais, na Universidade Federal da Bahia. Ele foi professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras daquela Universidade, lecionando em várias disciplinas. Minha turma teve a sorte de encontrar Perseu como professor de Teoria Sociológica, Sociologia do Trabalho e Sociologia da Comunicação.

Perseu chegava à Bahia depois de ter sido obrigado a deixar a Universidade de Brasília, após o golpe militar de 64. Chegou discretamente, como era de seu jeito, e com muita competência, disciplina exemplar e respeito a cada um, influiu, decisivamente no nosso curso. Costumo dizer que fomos uma turma privilegiada porque, oriundos da Universidade nos moldes pré-1964, quando tudo parecia perdido fomos surpreendidos pela presença de um grupo de professores que buscava refúgio na Bahia. Dentre eles destacava-se Perseu.

Antes de tudo, ele foi para nós o professor-companheiro dos anos de incertezas. Trazia consigo a experiência - e a tranqüilidade que os bons adquirem - de ter passado pela repressão na Universidade de Brasília, enquanto nós ainda estávamos atordoados pelo golpe militar. Chegava já disposto ao trabalho, construindo uma nova proposta. Perseu tinha disso, uma paciência histórica invejável, ao mesmo tempo em que batalhava ininterruptamente pelo que acreditava.

Aos poucos fomos sendo atraídos por aquele professor de voz mansa e compassada, que ouvia com paciência, perguntava por quê pensávamos dessa ou daquela forma; aquele que construía junto conosco caminhos para o pensamento e colocava-nos frente a nossas próprias questões. E aí dava uma relaxada, puxava um cigarro dentre duas ou três carteiras de Gaivota que sempre tinha em cima da mesa para oferecer aos alunos. Fazia uma ironia sobre si mesmo, sobre todos nós, sobre a vida, porque tinha esta capacidade, e prosseguia com a aula.

Com Perseu estudamos Marx sem dogmatismo. Marxista convicto e conseqüente, mostrava, sempre como e o que pensava, mas apresentava também outras correntes, dando, a cada aluno ou aluna, a oportunidade e a liberdade de pensamento. Aliava um profundo conhecimento teórico à responsabilidade do profissional, intervindo na realidade. Por intermédio das suas aulas de Sociologia do Trabalho e Sociologia da Comunicação, íamos observando como ele transitava da pura teoria à construção, de modelos de comunicação, à problematização e equacionamento de questões do trabalho, naquele momento, no Brasil, na Bahia.

Terminada a graduação, alguns de nós nos integramos, sob a orientação de Perseu, aos trabalhos de montagem e implementação da então recente Secretaria do Trabalho e Bem-Estar Social do governo da Bahia; agora invertia-se a prioridade das questões sem, contudo, Perseu permitir que nos distanciássemos da relação teoria-prática.

Com o decorrer dos anos, o professor de sempre foi abrindo caminho a uma grande amizade. Nos momentos até hoje mais difíceis da minha vida, perseguida pela mesma ditadura, Perseu me deu a maior lição de vida, a grandeza da solidariedade.

Solange Sant'ana é socióloga, doutora pela Universidade de Lund, Suécia.

Perseu, sem alarde e sem retórica, foi a encarnação cotidiana dos valores socialistas pelos quais combatemos.
A um só tempo austero e carinhoso, franco e delicado, convicto de suas posições mas respeitoso da opinião alheia, Perseu prefigurava em cada gesto, em cada palavra, em todos os seus atos, a sociedade tolerante e solidária que lutamos para construir.
Não sei se o homem novo, radicalmente outro, inaugural, é uma utopia possível. Talvez não. Mas que Perseu era um deles, ah, isso era!

Luiz Dulci, secretário de Governo de Belo Horizonte (MG) e vice-presidente nacional do PT.