Mundo do Trabalho

O Partido dos Trabalhadores e a Central Única dos Trabalhadores surgiram no mesmo momento histórico e foram criados praticamente pelo mesmo núcleo, composto por sindicalistas, políticos e intelectuais que tiveram participação na greve dos metalúrgicos do ABC, em 1978 em 1979. E desde lá as duas instituições estiveram juntas na organização dos trabalhadores e em defesa dos seus direitos. Durante todos esses anos, o papel de cada uma das entidades foi exaustivamente discutido tanto pela CUT como pelo PT. Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho, presidente da CUT, falou à Teoria e& Debate sobre o processo de negociação da previdência, as críticas que recebeu e reafirma a autonomia da Central.

Você teve que vencer obstáculos na CUT...

Na CUT também. Mas quanto a estes nós já estamos acostumados. As divergências internas sempre ocorrem, então debatemos e prosseguimos a votação, porque a CUT é uma instância. Podemos até procurar unanimidade, mas cumprimos o que é decidido em votação. As críticas são legítimas, as divergências são naturais e importantes. A diferença neste caso foi que tivemos um debate público com o nosso partido. Não me agrada, por exemplo, receber elogios a partir de críticas ao Partido dos Trabalhadores, considero isso uma agressão porque acho que devemos tratar as questões entre nós.

Tratando-se de CUT e PT, esta foi a primeira vez que as duas instituições não convergiram em torno de uma questão tão importante.

Vamos esclarecer: o partido nos orienta a preservar a autonomia. Quando o PT emitiu nota apresentando sua divergência, isso é normal, não é crise. Mesmo porque existem outras questões sobre as quais discordamos. O projeto de reforma da previdência do deputado Eduardo Jorge, por exemplo, mas nem por isso fizemos propaganda. Já houve um problema como esse, que não foi com o partido, mas com companheiros que têm uma visão equivocada do papel da Central, nas eleições de 94, quando assumi a Presidência da CUT. Alguns companheiros defendiam que a entidade deveria entrar na campanha do Lula e eu fui contra. Temos também visões diferentes a respeito da dívida externa. Mas são só divergências, repito, isso é natural, embora procuremos agir de forma articulada, claro que sem ferir a autonomia e também conversando com os outros partidos. Esse é o papel da Central e isso está cada vez mais claro para o Brasil.

Quais foram os pontos de divergência entre a proposta do partido e a da CUT?

Entre os pontos em que chegamos a um entendimento, que eram em torno de treze, a única questão com a qual o PT apresentava divergência foi com relação a tempo de serviço e tempo de contribuição, portanto, a mudança do termo.

Há quem diga que a CUT, ao sentar na mesa de negociações sobre a previdência só agiu defendendo o trabalhador organizado, esquecendo-se dos milhões de excluídos. O que você acha disso?

Essa tese é falsa. Quem diz que debater a previdência é isolar a grande massa do setor informal não está falando a verdade. A solução para o problema do setor informal é a geração de emprego, legalizando a situação de todos, fazendo campanha para se ter carteira assinada, combatendo o empresariado e o governo. Na questão da previdência nosso comportamento foi no sentido de garantir os atuais direitos, combater privilégios e avançar em conquistas. Nas negociações, que depois deram no que todos viram, chegamos a um entendimento nos pontos principais. A CUT não abandonou 23 milhões de pessoas porque essas não tinham direitos. De acordo com a legislação anterior à emenda aprovada, para se aposentar o trabalhador tem que provar que trabalhou. Se trabalha e não prova não tem direitos. Não somos nós que os colocamos para fora, eles já estão fora, embora não nos conformemos com isso e queiramos resolver esse problema. Existe uma contradição porque se é para igualarmos quem trabalha e quem não trabalha vamos então para a aposentadoria por idade. Quando tivermos uma sociedade socialista e fraterna então o cidadão não terá que provar que trabalhou. Mesmo assim avançamos, pois sob o título de tempo de contribuição se garantiram os mesmos direitos que se tem hoje por tempo de serviço. Quem está desempregado, para poder ter direitos tem que pagar como autônomo, ou comprovar através de testemunhas que trabalhou. Enquanto existir o seguro-desemprego quem estiver desempregado pagará uma contribuição simbólica para não perder o tempo para aposentadoria. Isso é um avanço comparado com a realidade anterior.

É difícil a articulação da oposição nessa questão?

Não, de maneira nenhuma. Embora tenham ocorrido muitas discussões, não deixamos de conversar. Fui às reuniões do Fórum de Oposições. Toda vez que vou a Brasília, o primeiro lugar por onde passo é a liderança da bancada do Partido dos Trabalhadores e converso também com os partidos de oposição.

Você acha possível uma ação mais articulada neste momento?

É possível desde que atuemos de acordo com nossa reflexão e não porque alguém mandou fazer. Para mim, enquanto petista, quanto mais pudermos atuar conjuntamente melhor. Mas eu não posso fazer com que a CUT funcione apenas como pensa o PT, o PCdoB, o PSB e o PDT, porque senão ficaremos do tamanho desses partidos. Precisamos é ampliar o espaço. Ampliar o espaço com a sociedade, com o Congresso, para se ter mais força. A Central não pode se comportar sequer como oposição sistemática. Ela é oposição ao projeto neoliberal, oposição a tudo que vai contra os trabalhadores, mas poderá haver projetos do governo que venhamos a aprovar.

E quanto à posição do governo neste episódio?

O governo não partiu para a negociação porque de repente virou democrático, popular, fantástico. Existe no seu interior um problema de correlação de forças, a briga por cargos, a pressão e a aliança com a direita. O governo abriu negociações porque foi obrigado a reconhecer que a questão da previdência exigia um debate mais profundo à medida em que envolvia a vida de todos. Também o que aconteceu na França teve influência. Mesmo reconhecendo todas essas razões que o levaram a negociar, nós não poderíamos deixar de participar. Estávamos acostumados a propor negociações e sempre receber um não como resposta. Desta vez propusemos e ouvimos um sim. No processo houve concordância sobre alguns pontos.

A CUT pretende usar do mesmo mecanismo para discutir outras reformas que entrarão na pauta do Congresso, bem como a questão do emprego, tão emergencial?

Alguns se surpreendem com algumas posturas nossas. Quando denunciamos que o relator não havia colocado no relatório alguns pontos que tinham sido negociados e divulgamos uma nota, houve quem se surpreendesse. Os menos avisados imaginavam que no dia da votação, por exemplo, ficaríamos calados. Fomos até o fim porque estrategicamente sabíamos que era importante, mas não deu certo, então saímos na hora exata. É preciso aprender a confiar nos trabalhadores deste país. Queremos discutir todos os assuntos com todos. Discutiremos com o governo a questão do emprego. A campanha "Brasil, Diz Emprego" é também para ser discutida com o governo. Já estive na Comissão Especial no Congresso Nacional, com empresários etc. Vamos conversar com os deputados para discutir uma política para a questão. Teremos que discutir propostas sobre jornada de trabalho, política industrial, fim do trabalho escravo, do trabalho infantil, política de estímulo às micro e pequenas empresas. Enfim, quero debater.

A questão do desemprego é mundial, mas no Brasil parece ser ainda mais grave. Como a CUT pretende mobilizar a sociedade num momento de visível refluxo?

O desemprego amedronta. Reconheço que num momento de crise o processo é muito mais difícil, mas essa campanha vem exatamente com o objetivo de mobilizar. Essa campanha envolve uma série de propostas a serem discutidas com o governo, os partidos, enfim, com a sociedade. Junto à proposta de geração de empregos existe outra de mobilização, que pressupõe ações concretas que vão desde manifestações de rua até paralisação de fábricas, em solidariedade, pelo emprego. Queremos também envolver o desempregado nessas ações. A CUT colocou o emprego como prioridade.

Como se dará a articulação com outros partidos, com o Fórum das Oposições para essa mobilização?

Trata-se de uma articulação importantíssima. Quando o companheiro José Dirceu colocou a idéia do Fórum das Oposições recebemos com muito entusiasmo. Se cada um de nós, que atira para lados diferentes, atirar num único sentido, as condições de mobilização serão muito maiores. Estamos participando desse fórum com muita disposição. Temos tomado decisões e deliberações na CUT levando em conta o Fórum. Esse é o grande caminho: o Fórum das Oposições, que talvez não devesse nem ser chamado assim. Poderia ser o fórum da luta, da cidadania, enfim uma denominação que o unificasse mais ainda.

Maria Alice Vieira é assessora da Secretaria Nacional Sindical do PT.

Rose Spina é subeditora de T&D.