Internacional

As sombrias perspectivas para o futuro imediato de Israel e da paz no Oriente Médio depois da vitória da direita nas últimas eleições

Os resultados das eleições em Israel demonstram um país cindido ao meio. Votaram 49,5% em Shimon Peres e 50,5% dos eleitores em Binyamin Netaniahu. Com uma vantagem de somente 30 mil votos, o líder da direita, com o apoio massivo dos partidos religiosos ortodoxos, foi eleito ao cargo de primeiro-ministro. Trata-se de um retrocesso monumental na vida do país, que atinge todo o Oriente Médio e principalmente os palestinos.

O governo trabalhista que liderou o país entre 1992 e 1996 não trouxe nenhum mar-de-rosas. Porém abriu uma fresta de esperança tanto para os israelenses como para os povos vizinhos. Com a assinatura dos acordos de Oslo, o reconhecimento histórico dos direitos dos palestinos e a retirada das tropas israelenses de Gaza e de seis cidades importantes na Cisjordânia, ambos os contendores já começavam a ver a luz no final do túnel deste longo conflito nacional que perdura há mais de cem anos. Os palestinos nunca estiveram tão próximos da realização do velho sonho de ter um Estado e os israelenses nunca estiveram tão próximos da realização do também velho sonho de um acordo de paz com o mundo árabe.

Com a vitória da aliança da direita com os partidos religiosos, o país retorna ao passado. O perigo de uma guerra geral na região volta a preocupar os israelenses. A independência palestina parece se distanciar a cada dia que passa. Em seus princípios básicos, o novo governo nega o fundamento do processo pacificador, que consistia em territórios em troca de paz, e declara que não devolverá o Golan à Síria e expandirá os assentamentos na Cisjordânia.

Os religiosos, que sempre foram o fiel da balança na política israelense, desta vez se posicionaram claramente a favor da direita, criando assim uma das mais significativas mudanças: a aliança entre a direita contrária ao processo de paz e as forças etnocêntricas que querem transformar Israel numa teocracia.

Nestas eleições foram lançadas as sementes de um Estado fundamentalista. "Só Netaniahu é bom para os judeus", diziam milhares de cartazes que apareceram nas ruas de Israel três dias antes das eleições. Após receberem ordens de seus líderes espirituais, os rabinos Shach e Kaduri, dezenas de milhares de ortodoxos se mobilizaram para ajudar na campanha de Netaniahu. O lema por eles divulgado se alastrou rapidamente e se constituiu no último impulso para a sua vitória. Numa sociedade em que 20% dos cidadãos são árabes e que passava por um processo de pacificação com o mundo árabe, o conteúdo racista e segregacionista do lema desperta uma profunda preocupação.

Shulamit Aloni, uma das mais importantes líderes da luta pelos direitos humanos no país, declarou: "o fortalecimento dos elementos religiosos/nacionalistas/ racistas me assusta; configuram-se características khomeinistas na sociedade israelense".

Os partidos religiosos, que tinham dezesseis cadeiras no Parlamento anterior, passaram a ter 23 após as eleições (de um total de 120). Receberam, ademais, sete importantes ministérios: Habitação, Transportes, Religiões, Justiça, Trabalho, Interior e Bem-estar Social. Por intermédio destes ministérios, os religiosos poderão exercer uma intervenção sem precedentes no cotidiano do país, onde 80% da população é laica.

 

O rabino Itzhak Levi, ministro dos Transportes, já declarou que pretende implementar de forma mais severa a lei do descanso no sábado e proibirá o movimento dos ônibus antes do final do Shabat (segundo os preceitos religiosos, o descanso obrigatório iniciado na tarde de sexta-feira termina com o aparecimento das estrelas no sábado à noite; no horário de verão isso significa que não haverá ônibus antes das 20 horas). A proibição do transporte público no sábado afeta principalmente as camadas mais pobres da população que, no único dia de feriado, fica sem meios de locomoção. Este é somente um exemplo entre muitos atos de coerção religiosa que os novos ministros pretendem implementar.

Os religiosos declaram abertamente que gostariam que Israel fosse um Estado regido segundo as leis da Halacha, a legislação judaica ortodoxa, porém, enquanto isso não for possível, tentarão introduzir e implementar o máximo de leis religiosas no cotidiano do país

Nos quatro anos de governo trabalhista, Israel finalmente parecia sair do seu isolamento etnocêntrico. Começou a se abrir para o mundo e principalmente para o Oriente Médio. A ordem de prioridades nacionais passou por mudanças drásticas e em vez de investir em assentamentos nos territórios ocupados, o país começou a priorizar o bem-estar da população, a educação, a cultura, a saúde etc. Israel nunca foi tão cosmopolita como nesses quatro anos e foi justamente esta abertura que apavorou os ortodoxos e os levou à aliança com a direita. As razões desta estão muito mais ligadas ao que os ortodoxos denominam identidade judaica do país do que ao próprio processo de paz.

O governo trabalhista laico, que dirigiu o país de 1992 até 1996, evoluiu no sentido de superar o caráter teocrático da sociedade israelense. Leis existentes deixaram de ser implementadas. Por exemplo, a ex-ministra do Trabalho cancelou a inspeção do cumprimento da lei do descanso no sábado. Os inspetores drusos que antes eram empregados pelo ministério para implementar esta lei foram demitidos. Foi decretada uma lei básica de caráter constitucional (Israel ainda não tem uma constituição propriamente dita): a da dignidade e da liberdade do cidadão. O Supremo Tribunal de Justiça, baseando-se na nova lei, aprovou vários precedentes de caráter democrático e laico, por exemplo, em casos relacionados aos direitos de cônjuges em casais homossexuais. Este tipo de abertura democrática da legislação irritou profundamente os partidos religiosos e os levou a mobilizar todas as forças para derrubar o governo trabalhista.

O intelectual Emanuel Berman, em artigo no jornal Ha'aretz,comparou os efeitos das eleições com uma cena do filme Roma de Fellini: durante escavações no centro de Roma, os operários de repente descobrem pinturas subterrâneas que estiveram escondidas por centenas de anos. Maravilhados, param as escavações e observam as pinturas, porém a luz forte dos holofotes rapidamente as apaga. Muitas pessoas hoje em Israel sentem a mesma sensação: o novo governo de direita e religioso está rapidamente apagando todas as conquistas do anterior e com isso se esvai uma esperança que já tinha criado raízes nos corações de metade da população israelense.

Ao fazer o balanço das eleições, a direita salienta que recebeu 55% dos votos judeus e que tem uma vantagem de 10% no eleitorado judeu. Entre os árabes israelenses, 90% votaram por Peres e foram eles que criaram o quase empate. Porém, para a direita e para os religiosos, os votos dos cidadãos árabes não contam. Vale lembrar que uma das principais críticas da direita contra o governo trabalhista consistia no fato de que este se baseava numa maioria parlamentar que incluía os cidadãos árabes israelenses. O próprio Yigal Amir, o assassino de Rabin, argumentou que "Rabin não tinha o direito de entregar territórios aos árabes pois não contava com uma maioria judia".

Logo após o assassinato de Rabin, Peres contava com uma vantagem de 20% sobre Netaniahu. Se as eleições tivessem sido realizadas naquela época (novembro de 95) ele teria ganho facilmente. Porém, Peres, com receio de parecer oportunista, cometeu o erro de resolver esperar. Em meados de fevereiro de 96, o governo anunciou que as eleições seriam realizadas no dia 29 de maio. Uma semana depois começaram os atentados suicidas por parte dos grupos fundamentalistas islâmicos. Em duas semanas explodiram dois ônibus em Jerusalém e mais um homem-bomba no shopping center da rua Dizengof, em Telavive, deixando setenta mortos e quase duzentos feridos. A população entrou em pânico, a direita aproveitou para incitar contra o processo de paz e Peres começou a despencar nas pesquisas.

Em represália contra os atentados, o governo declarou o bloqueio dos territórios palestinos, o que condenou 2 milhões de palestinos a uma situação insustentável. Com 70% de desemprego e a impossibilidade de exportar ou importar mercadorias, a população se encontrava à beira da fome.

Em abril, o grupo fundamentalista libanês Hezbollah atirou mísseis contra áreas civis no norte de Israel. Peres, cuja imagem já estava abalada após os atentados-suicidas, resolveu reagir duramente. A operação Vinhas da Ira, agravada pela morte de mais de cem civis inocentes no campo de refugiados de Kana, foi um desastre sob todos os aspectos. Além do desastre humanitário, Peres começou a perder o apoio dos árabes israelenses. Entre esses, 22 mil votaram em branco, em protesto contra o bloqueio aos palestinos e os bombardeios no Líbano. Além disso, 25% não foi votar (aproximadamente 100 mil eleitores). Ao todo, a diferença entre Peres e Netaniahu foi de 30 mil votos. Provavelmente, do ponto de vista de Peres, a abstenção dos árabes israelenses foi o fruto mais amargo da operação Vinhas da Ira.

O voto em branco despertou discussão dentro da esquerda israelense. Algumas pessoas argumentavam que "após os bombardeios e o bloqueio, ficou claro que não há diferença entre Netaniahu e Peres". A melhor resposta contra esta argumentação foi dada pelo grande escritor palestino-israelense Emil Habibi (prêmio Israel de literatura e um dos escritores mais importantes no mundo árabe): "Entre os males, sempre há um mal maior e temos que fazer tudo para impedir a vitória de Netaniahu. Nós, árabes e judeus, estamos no mesmo barco; se um lado fizer um furo no casco, todos nós afundaremos". Emil Habibi faleceu poucos dias antes das eleições.

Nas últimas eleições, os maiores partidos perderam grande parte de sua força a favor dos partidos setoriais. A explicação desta votação fragmentada encontra-se no fato de que pela primeira vez houve eleições diretas para o cargo de primeiro-ministro. Os eleitores puderam votar duas vezes: um voto para primeiro-ministro e mais um para o partido que representasse os interesses setoriais. Os resultados são o espelho de uma sociedade fragmentada entre vários setores étnicos e culturais.

O bloco da esquerda caiu de 61 para 52. Mesmo se Shimon Peres tivesse ganho as eleições, ele teria sérias dificuldades de governar com este Parlamento e dependeria dos partidos de centro.

Os imigrantes russos têm mais tendência para a direita e o partido dos colonos do Golan é bastante problemático pois vetaria qualquer concessão no Golan no caso de algum acordo com a Síria, ainda que este partido seja favorável aos acordos com os palestinos.

Netaniahu formou um governo que conta com o apoio de 68 membros do Parlamento: os partidos religiosos, o dos imigrantes russos, a extrema-direita e o partido pró-conservação do Golan. Se não houver nenhuma crise grave, com esta maioria ele poderá governar tranqüilamente até o fim da gestão, no ano 2000, pois só uma maioria de 61 membros pode derrubar o governo.

Nesta situação de frustração pela derrota e preocupação com o futuro do processo de paz, a esquerda faz uma viagem ao passado. Durante os quinze anos de poder da direita, de 1977 a 1992, muitas pessoas da esquerda israelense esperavam que a pressão internacional obrigasse o governo a chegar a um acordo com os palestinos.

Infelizmente, com a quebra da esperança de que haja paz na região a curto prazo, a esquerda ,volta a esperar a famosa pressão internacional.

O jornalista Guidon Levy, do jornal Ha'aretz diz: "Não haverá tal pressão internacional a ponto de levar um governo de direita a desmontar um assentamento sequer na Cisjordânia e sem isso não haverá nenhum acordo. Não haverá tal pressão internacional a ponto de levar o novo governo a concordar com qualquer concessão em Jerusalém e sem isso não haverá nenhum acordo. Não há lugar para ilusões... não devemos esquecer de onde vem Netaniahu e quem são os seus parceiros. As notícias não poderiam ser piores, tanto para Israel como para os palestinos e para o processo de paz".

Após acabar de lamber as feridas da derrota, a esquerda provavelmente se organizará para a luta na oposição. Certamente, não faltarão temas para as manifestações, as greves e os abaixo-assinados que virão

Sem uma oposição forte, que lute pela continuação do processo de paz e defenda o estado de direito, Israel corre o risco de, dentro de dez ou vinte anos, vir a se transformar num país fundamentalista. De acordo com o quadro atual, não faltam elementos na sociedade com interesse e poder para trabalhar

*Guila Flint é jornalista e tradutora brasileira, residente em Telavive.

A coerção religiosa

Alguns episódios secundários, porém significativos, que ocorreram nas primeiras três semanas do governo Netaniahu:

1. O novo ministro da Justiça, Ya'acov Neeman, instituiu um novo hábito: todos os dias os executivos do Ministério da Justiça estudam uma página do Talmud, a legislação judaica ortodoxa. As aulas são facultativas e realizadas fora do horário de trabalho, porém todos os executivos do ministério mais laico do país comparecem. O ministro argumentou que "num estado judeu, é recomendável estudar os princípios básicos da legislação judaica".

2. No dia 4 de julho, a diretora da principal feira de objetos domésticos realizada anualmente em Israel recebeu uma carta de um funcionário do Ministério do Trabalho ameaçando que, caso a feira fosse aberta antes do final do sábado, ela seria sujeita a pena de prisão. O prefeito de Telavive enviou uma carta de protesto exigindo que os ortodoxos não interferissem na vida laica da cidade e a feira foi aberta antes do horário permitido pelos ortodoxos.

3. A maior empresa de Israel no ramo de produção de outdoors censurou um cartaz de publicidade encomendado pelo teatro Habima (teatro nacional). Na foto original via-se uma cena que "poderia ofender os sentimentos dos ortodoxos", segundo declarou o gerente da empresa Postermedia: a mão do  ator Shlomo Baraba estava apoiada no ombro da atriz Guila Almagor A empresa simplesmente apagou a mão. O fotógrafo Gadi Dagon declarou que faria uma queima contra a empresa.

4. Durante três dias, qualquer cidadão que ligasse para a telefonista de informações da empresa telefônica nacional ouvia o canal de rádio pirata nº7 ao aguardar na linha. Este pertence à extrema-direita fundamentalista e expressa as opiniões dos colonos dos assentamentos na Cisjordânia. Depois de um escândalo na imprensa, voltaram a transmitir a rede pública de rádio.

5. O rabino Ovadia Yossef, líder espiritual do partido Shas, instruiu os ministros do Interior e do Trabalho (pertencentes ao partido), para que tomem medidas drásticas contra a presença de operários estrangeiros em Israel. O rabino ficou preocupado com o fato de que mulheres judias têm se casado com operários gentios. Os dois ministros já se reuniram e nomearam uma comissão que vai estudar o assunto e apresentar soluções para o problema dentro de trinta dias.

Em Israel existem 200 mil operários estrangeiros, principalmente da Romênia, Tailândia, Filipinas e vários países africanos. Estes operários vieram substituir os palestinos que, com a escalada do conflito, foram impedidos de trabalhar em Israel. (G.F.)