Política

O que explica o fato do PT gaúcho ser o mais forte do país? Há fatores internos ao partido que também ajudem a entender sua força?

O que explica o fato do PT gaúcho ser o mais forte do país? Há fatores internos ao partido que também ajudem a entender sua força? Para fazer esta reportagem, passei três dias no Rio Grande do Sul, em Porto Alegre e Caxias do Sul. Fiz oito entrevistas com lideranças políticas de peso do PT gaúcho e conversei com vários outros militantes. Toda vez que vou a Porto Alegre tenho a sensação contraditória de estar e não estar no Brasil. Se, a rigor, não temos uma questão nacional no país, temos diversidades regionais importantes. No Sul, elas são sensíveis de imediato. Para mim, desde o momento em que, chegando a Porto Alegre pela primeira vez, pedi numa lanchonete um misto quente e a moça do caixa - provavelmente poliglota - traduziu para a do balcão que eu queria uma torrada! Esta diversidade regional não poderia deixar de se fazer presente no PT gaúcho. Mas até que ponto ela explica o fato de hoje lá termos o PT mais forte do país? Ou haverá fatores internos ao partido que também ajudem a entender sua força? Estas eram minhas indagações ao propor a matéria. Espero que a reportagem ajude muitos a esclarecê-las.

Ela é amarela. Ninguém sabe explicar por que, mas a estrela do PT no Rio Grande do Sul é amarela. A cor das bandeiras varia bastante: o tradicional vermelho, o verde dos ecologistas, o lilás das feministas, o branco dos pacifistas e, num estado tão polarizado entre Grêmio e o colorado Internacional, o azul dos gremistas. Um companheiro chegou a me perguntar: "Mas, ela não é amarela em todo o país?"

O fato é que a estrela amarela está em ascensão. Os números que indicam seu crescimento são impressionantes. Nas eleições de 1982, o PT elegeu em Porto Alegre seu único vereador nos três estados do Sul: Antônio Hohlfeldt (hoje líder do PSDB na Câmara de Porto Alegre e feroz inimigo da administração municipal petista). Prefeito, nenhum. Em 1986, tendo lançado Clóvis Ilgenfritz para candidato a governador, o PT gaúcho conseguiu eleger dois deputados federais e quatro estaduais. Em 1988, obteve suas quatro primeiras prefeituras no estado: Porto Alegre (com Olívio Dutra), Ronda Alta, Severiano de Almeida e Rio Grande (cujo prefeito saiu do PT seis meses após a eleição) e elegeu 125 vereadores. Na campanha de 1990, com Tarso Genro candidato a governador, novo crescimento: foram eleitos quatro deputados federais e cinco estaduais. Em 1992, novo patamar, com a segunda vitória em Porto Alegre, elegendo Tarso Genro prefeito e aumentando em muito o número de governos e de vereadores em todo o estado, conforme demonstra o quadro (pg. 6). Em 1994, a primeira grande explosão: Olívio Dutra foi ao segundo turno contra Antônio Britto, sendo derrotado por uma escassa margem de 4% dos votos e o Rio Grande do Sul foi o único estado do país em que Lula derrotou Fernando Henrique. A bancada federal aumentou para sete deputados e a estadual para oito.

Finalmente, em 1996, a segunda grande explosão. Num fenômeno raríssimo em capitais, pela terceira vez consecutiva o PT ganhou a prefeitura de Porto Alegre (agora com Raul Pont e no primeiro rumo) e se expandiu de maneira significativa por todo o estado. Com 1.093.059 votos (18,96% do total), o PT alcançou o terceiro lugar no estado, ficando atrás de PMDB e PPB e superando pela primeira vez o PDT.


O PT no Rio Grande do Sul

1992    1996

Municípios com PT organizado    317       391

Prefeitos                                          8           26

Vice-prefeitos                                 8            34

Vereadores                                  171          353


Municípios com prefeitos petistas

Alvorada, Barão de Cotegipe, Barra do Rio Azul, Boa Vista do Sul, Campina das Missões, Caxias do Sul, Charqueadas, Floriano Peixoto, Garibaldi, Gramado Xavier, Gravataí, Hulha Negra, Novo Barreiro, Novo Machado, Palmeira das Missões, Pontão, Porto Alegre, Porto Vera Cruz, Rondinha, Santa Bárbara do Sul, Santo Cristo, São João da Urtiga, Três Arroios, Viamão, Vila Lângaro, Vila Maria.

Municípios com vice-prefeitos petistas em coligação com outros partidos

Arroio do Meio, Boqueirão do Leão, Butiá, Candiota, Ciríaco, Dom Pedrito, Erechim, Esteio, Foutoura Xavier, Garruchos, Guabiju, Horizontina, Jacutinga, Morrinhos do Sul, Salvador das Missões, Sananduva, Tapera, Trindade do Sul, Tuparendi.



Mas, mais que isso, destaca-se a importância política do resultado petista. Além da capital, e a partir dela, a mancha petista se espraia pela Grande Porto Alegre, atingindo municípios importantes como Alvorada, Gravataí e Viamão (estes dois últimos com mais de 100 mil habitantes). O PT foi ao segundo turno nos dois principais centros do interior do estado: Pelotas, onde perdeu por pouca diferença, e Caxias do Sul, elegendo Pepe Vargas.Organizado em 23 regionais, o PT gaúcho é hoje, sem sombra de dúvida, o mais forte do país. Mas, o que explica sua força?

Tradição

Segundo Tarso Genro, "o Rio Grande do Sul tem longa tradição de uma sociedade civil organizada. Trata-se de um estado meridional, extremamente politizado, que tem toda a sua cultura política marcada pela luta de afirmação de algumas de suas fronteiras". Como diz Olívio Dutra, "o gaúcho é brasileiro por opção, e fez estas fronteiras à base da pata de cavalo e muita peleia!" Raul Pont acrescenta, "há uma trajetória de fidelidade partidária, de identificação dos partidos com princípios mais ideológicos, que faz parte da cultura política do estado, e isso vem desde a República Velha." César Alvarez, ex-secretário Nacional de Organização do partido e atual secretário de Administração da Prefeitura de Porto Alegre, assinala: "Temos que tomar cuidado para não cairmos numa visão de alguns setores da classe dominante gaúcha de que aqui tudo dá certo - inclusive o PT - porque é um povo mais branco, europeu, que trabalha mais; mas é fato que os próprios partidos da burguesia, até para se contraporem ao centro do país, tiveram que se valer de fortes elementos doutrinários". Antes de 30, o próprio Partido Republicano gaúcho não era exatamente o partido das oligarquias, como no resto d o país. Muito influenciado pelo positivismo, ele tinha uma forte representação militar e de camadas médias urbanas e rurais, ainda que com um corte autoritário. Depois de 45, consolidou-se no estado uma real polarização, com o surgimento do PTB, como representante destacado de interesses populares, nacionalistas, crescentemente urbanos e progressistas, tendo Getúlio, Jango e Brizola como suas expressões máximas. Depois do golpe, praticamente todo o PTB vai para o MDB, e a existência desse pólo de representação popular marca praticamente toda a política gaúcha até a reorganização partidária.

Um estado sem dúvida mais politizado. Este é um elemento extremamente importante para explicar o sucesso do PT gaúcho. Olívio explica que "há uma cultura política que fez de Porto Alegre sempre uma cidadela das posições mais progressistas e populares. O PT surge nessa sintonia." Ressalta Raul Pont: "Aqui, as pessoas se escandalizam mais que no resto do Brasil com a corrupção. O próprio Judiciário, sem deixar de ser uma justiça de classe, procura manter a sua autonomia. Não é aquele negócio escrachado do resto do Brasil, onde a Justiça é claramente um braço do poder econômico e político". José Eduardo Utzig, secretário de Captação de Recursos e Cooperação Internacional da Prefeitura de Porto Alegre, lembra: "a Câmara Municipal aqui é incomparavelmente melhor que a de São Paulo, por exemplo. Relativamente, ela tem um número pequeno de funcionários e os salários dos vereadores não são muito altos. Há, num certo sentido, um padrão maior de sobriedade na política gaúcha, e isso atinge todos os partidos".

Um dos traços interessantes da cultura do Rio Grande do Sul é que o gaúcho gosta de exibir publicamente suas tradições e preferências. É isto que faz com que em Rondônia, debaixo daquele calor de 40º C, os migrantes vindos do Sul se reúnam nos centros de tradição gaúcha, usando bombachas e tomando chimarrão. É uma tradição que vem desde as lutas entre maragatos - identificados por seu lenço vermelho - e chimangos, pelo branco. Nas ruas de Porto Alegre e Caxias, é impressionante a quantidade de pessoas - inclusive muitas jovens - usando as camisas do Grêmio (na sua grande maioria) ou do Internacional (torcida tradicionalmente maior, mas hoje intimidada pela má fase). Muito mais do que a soma das camisas dos quatro grandes em São Paulo. Comecei a entender melhor os relatos que me faziam da época das campanhas eleitorais, particularmente da última, em que as pessoas iam ao trabalho - de carro ou ônibus - carregando a bandeira do PT. O gaúcho realmente veste a camisa.

Origens e crescimento

Com a reorganização partidária, no início da década de 80, o PDT surgiu como principal representante político dos setores populares, contando com a grande liderança e o peso histórico de Brizola. Havia ainda, naquele momento, um PMDB predominantemente progressista, com forte representação nas camadas médias. O PT ocupava uma faixa pequena do eleitorado, abaixo de 10% das preferências, muito aquém do PT paulista.

Na interpretação das origens do PT gaúcho e das causas de seu crescimento aparecem discrepâncias. Olívio destaca a diversidade de origens dentro do movimento sindical. "O PT gaúcho na sua origem teve uma marca muito grande de trabalhadores da construção civil, bancários, professores e metalúrgicos." Já Tarso Genro afirma: "somos um partido que nasceu nitidamente na intelectualidade média, na universidade e nos formadores de opinião que se dirigiram ao movimento sindical para se consolidar, fazendo aquele movimento clássico da formação dos partidos social-democratas que se transformaram em socialistas. Isto determinou uma cultura política menos corporativa, mais entranhada nos setores intelectuais com condições de elaborar e, como conseqüência, permitiu uma vida interna mais aprimorada, civilizada e qualificada". Para Adeli Sell, vereador em Porto Alegre e membro do Diretório Nacional do partido, "o PT em Porto Alegre era muito mais de classe média, da juventude, dos setores mais esclarecidos da sociedade, com pouquíssima inserção no movimento popular". César Alvarez faz o meio termo: "não houve hegemonismo aqui na constituição do PT. Houve a confluência de vários setores, agrupamentos de esquerda, setores progressistas da Igreja - principalmente no interior -, setores sindicais diversificados. Não existindo uma maioria absoluta, houve uma discussão de alternância interna do poder e um processo democrático na constituição do partido".

Para Raul Pont, um elemento central que explica o êxito do PT gaúcho "é que ele foi profundamente democrático, com a instituição, desde a sua primeira comissão provisória, da proporcionalidade nas direções. Ninguém podia alegar que não estava contemplado, todo mundo tinha representação nas instâncias de acordo com a força que possuía". Evidentemente, este fator contribui bastante para que haja um sentimento de comprometimento do conjunto partidário com as decisões tomadas. Utzig destaca: "Aqui, estão presentes todas as correntes que existem no resto do Brasil e o debate interno é muito acirrado. Mas os limites são menos esgarçados. Há um senso maior de responsabilidade em relação ao peso social do partido. Todo mundo percebe que há um limite a partir do qual é muito perigoso trilhar aquele caminho".

Como decorrência desta politização do estado, o debate interno no PT é muito acirrado e, em termos relativos, se produzem mais documentos que em outros estados. Mas, apesar de quebrar o pau internamente, existe, em todas as pessoas com quem conversei, uma clara noção da importância da unidade partidária e do direito de participação das minorias. A composição é um elemento-chave na cultura política do partido no Rio Grande do Sul. Adeli conta que "em 85, houve um processo acirrado de disputa entre Raul Pont e Clóvis Ilgenfritz para decidir quem seria o candidato a prefeito. O Raul venceu por uma pequena margem e o Clóvis aceitou ser vice. Em 1988, também para prefeito, havia três pré-candidatos, Olívio, Tarso e Flávio Koutzii, que perdeu para Olívio por apenas oito votos e não aceitou ser vice. Então, o Tarso, que havia ficado em terceiro, entrou na chapa como vice e se reafirmou o princípio da composição. Em 92, houve uma composição prévia, em que Tarso saiu candidato a prefeito e Raul a vice, nem houve disputa no encontro. Em 96, a disputa entre Raul e José Fortunatti; Raul venceu e Fortunatti foi indicado para vice".

O princípio da composição não se limita apenas à indicação de vices. Em Porto Alegre, já se criou quase uma tradição de que o vice ocupa o cargo de secretário de Governo e tem portanto uma atuação efetiva - e de grande peso - na administração. O mesmo princípio é também chave para a formação do secretariado. Todas as correntes de expressão no partido e na frente estão representadas e - o que é mais importante - uma vez no governo não agem enquanto representantes de tendências. É certo que há críticas e insatisfações quanto à distribuição dos cargos. Tarso adverte: "Ainda permanece, no momento da disputa, a visão conspirativa das tendências para afirmar relações de poder. Mas isso se dá num grau menor do que em outros estados". Raul Pont comenta: "Conhecendo o partido em outros lugares, a gente sente que no Rio de Janeiro, por exemplo, ele é uma federação de tendências, com uma dificuldade enorme de construir uma direção legitimada. Então, ao invés de serem um instrumento de debate mas também um elemento importantíssimo para garantir a unidade, as tendências passam a desempenhar um papel desagregador. Isso não existe aqui, porque há uma cultura de unidade impregnada no partido".

Se um partido coeso e democrático é condição essencial, entretanto isto em si não explica o crescimento do PT gaúcho. De fato, nas eleições presidenciais de 1989, no primeiro turno Brizola obteve uma vitória esmagadora no Rio Grande do Sul, com 3.262.925 de votos. Os 3.366.802 de votos de Lula no segundo turno se devem à quase total transferência dos votos brizolistas, o que só realça a força e o carisma que o pedetista tinha no estado até aquele momento. Já em 1994, Lula vence as eleições presidenciais e Brizola fica em terceiro lugar. Nesse interregno, o pedetismo gaúcho entrou em crise e o PT começou a assumir crescentemente o papel de pólo de expressão política dos setores populares no estado. Em parte, isso se deveu ao fracasso do governo pedetista de Alceu Collares, que frustrou expectativas e saiu cercado de denúncias de corrupção. Deveu-se também ao acúmulo decorrente de um trabalho organizativo em todo o estado. Mas, no essencial, ao êxito das gestões petistas na Prefeitura de Porto Alegre. Por intermédio da ação de governo, na qual o Orçamento Participativo é um elemento central, o PT avançou sobre a base popular pedetista na capital e conquistou o apoio de importantes camadas médias que tradicionalmente votavam no PMDB. Pepe Vargas, prefeito de Caxias do Sul, nos relata: "Pela primeira vez, nesta última campanha, nós tivemos oportunidade de fazer uma pesquisa eleitoral. Por ela, percebemos que a grande maioria dos eleitores de Caxias não conhecia a experiência da Prefeitura de Porto Alegre, mas entre os 20% que a conheciam, 80% tinha uma avaliação positiva e isso pesou no resultado eleitoral sem dúvida nenhuma". Na Grande Porto Alegre, o PT venceu em municípios onde tinha uma débil estruturação e nem os petistas locais esperavam a vitória.

Um elemento central para esta arrancada do PT porto-alegrense foi o processo de discussão havido no segundo ano do governo de Olívio sobre o caráter do governo. Segundo Tarso, "havia uma concepção que defendia que o governo de esquerda governava para a sua base social, e outra que defendia que o governo deveria ter uma vocação universal, ou seja, governar para toda a cidade mas com hierarquias. Esta segunda posição vingou na prática, eu diria de uma maneira implícita". Utzig analisa: "Governar para toda a cidade não significa beneficiar da mesma forma todos os setores da sociedade, o que seria um absurdo! São necessários investimentos pesados em políticas sociais para resgatar o setor mais excluído da cidade. Mas somos um governo que se apresenta para a cidade com condições de administrá-la como um todo, com políticas determinadas para todos os segmentos. Foi isso que permitiu ao PT conquistar parcelas expressivas da classe média, que hoje, em sua maioria, é petista".

Herança e ruptura

No campo popular e progressista do estado, a tendência é de esvaziamento do PDT e de clara transferência de parcelas expressivas de seu eleitorado para o PT.

Sandra Fagundes, secretária estadual de organização, afirma: "Por mais que nós petistas tenhamos a tradição racionalista da esquerda de criticar muito o populismo, a história gaúcha popular é trabalhista, é populista. Com o esvaziamento das lideranças trabalhistas, no Rio Grande do Sul, o PT foi ocupando este espaço". Pepe Vargas diz que "o partido está abarcando sim os votos de quem tinha referência no trabalhismo". Tarso Genro comenta: "O PT é o herdeiro superador. O populismo aqui assumiu uma função transformadora. Foi a forma através da qual os grandes contingentes populares começaram a exercer seu primeiro degrau de cidadania política. O PT é herdeiro superador porque, ao mesmo tempo em que incorpora as massas, proporciona a elas uma margem de autonomia política e de incidência não-acaudilhada, não-determinada por uma direção vertical, mas sim através de formas autônomas de organização, em que o Orçamento Participativo é um elemento decisivo".

"O PT aqui também é, num certo sentido, herdeiro do udenismo. Ele tem uma marca de probidade, de honestidade, que era muito forte na antiga UDN, e isso fez com que setores da classe média de origem udenista se aproximassem de nós", lembra Adeli Sell.

Rigidez

De fato, rigidez no tratamento da coisa pública tem sido uma constante na vida do PT gaúcho. Tarso Genro afirma: "deve haver uma nítida separação entre partido e Estado." Para muitos, mesmo dentro do PT, a atitude de Olívio Dutra quando prefeito de ir de ônibus para a prefeitura, dispensando o carro oficial, era um exagero demagógico. Certo ou errado, aquilo porém era simbólico de uma postura que o PT gaúcho faz questão de manter. Em 94, o partido realizou um debate sobre a questão da utilização de funcionários comissionados em cargos públicos para atividades partidárias e, a partir daí, se mudaram comportamentos internos. Funcionários do Executivo trabalham no Executivo, funcionários do Legislativo trabalham no Legislativo, funcionários do partido são pagos pelo partido. Como? O partido tem receita, a partir basicamente da contribuição dos petistas que ocupam cargos de confiança, no Legislativo e no Executivo, como explica Raul Pont. "Nós temos um grande orgulho de que, na Prefeitura de Porto Alegre, em todos os mandatos, não houve nem um caso de filiado exercendo cargo em comissão que não tivesse sua contribuição para o partido descontada em folha. Ninguém aqui questiona que o filiado, para votar num encontro, tem que estar em dia com a tesouraria. Isto vai criando uma cultura e as tendências, ao invés de fraudarem, se policiam." César Alvarez lembra que certa feita um filiado entrou com um recurso alegando que não poderia pagar a contribuição para o partido. Perdeu e teve que se demitir do cargo público que ocupava.

Nas campanhas eleitorais também prevalecem padrões rígidos. Nas fotos dos comícios petistas, não se vê bandeiras ou faixas de candidatos a vereador. Só bandeiras petistas, em suas mais variadas cores. Pagamento de cabos eleitorais, filiações massivas de última hora, transporte de filiados para ganhar encontros, nem pensar. Pepe Vargas complementa, "isso é considerado extremamente condenável. Se algum candidato dentro do PT fizer essas coisas, ele se torra de tal forma que aí sim ele não é eleito para nada! O dia em que algum candidato do PT precisar pagar cabo eleitoral para fazer campanha é a falência do partido enquanto projeto político, porque significaria a falta de adesão militante".

No início de 1997, a nova bancada petista na Câmara de Porto Alegre inovou na contratação de funcionários. Adeli Sell conta: "Pelo acordo que fizemos na Câmara, tínhamos direito a indicar 15 nomes para o serviço de assessoria do PT. E aí, resolvemos fazer uma seleção pública. Inscreveram-se 571 pessoas. Fizemos uma comissão de seis vereadores para analisar os currículos apresentados e todos os cargos foram aprovados por consenso da bancada. Ou seja, não houve indicação política. Todos foram aprovados a partir da sua capacitação."

Rigidez também é o que predomina na relação do partido com seus membros no Executivo. Sobre a formação do secretariado, Raul Pont relata que "o diretório indicou uma comissão proporcional às principais forças do partido que, junto com o prefeito e o vice conduziram o processo. O diretório municipal fez uma série de reuniões para que os militantes indicassem nomes. Esta comissão foi construindo um consenso. Aqui, não é o prefeito que indica e o partido pode vetar. É ao contrário, o partido indica e o poder de veto é do prefeito, mas nem na gestão do Tarso nem na minha houve vetos! O mesmo processo se reproduziu em Caxias do Sul. Pepe Vargas pondera: "Pode ser que até que um governo composto de outra forma dê certo, mas que história é essa de que o partido atrapalha? Eu não nego o papel do indivíduo na história, mas vamos supor que o Olívio, o Raul, o Tarso ou eu fôssemos candidatos de outros partidos. Nós teríamos a votação que tivemos? Jamais! Não é reduzir àquela visão de que o militante se submete de forma absoluta ao coletivo, mas não é também o contrário..."

Nem tudo são flores no entanto dentro deste modelo de funcionamento do PT gaúcho. Sandra Fagundes lembra que "só cerca de 10% da arrecadação do partido vem da contribuição de filiados, por mais campanha que se faça. O PT é sustentado pela contribuição obrigatória de seus filiados que exercem cargos executivos e legislativos". Adeli adverte que "as sedes do partido são muito fechadas. Aqueles que aparecem nas campanhas eleitorais com as bandeiras não encontram espaço hoje dentro do PT. O encontro que indicou Olívio Dutra candidato a prefeito, em 88, teve a participação de 2.200 filiados. E este último, que escolheu Raul Pont, teve 1.800. E não houve debate, foi apenas uma prévia. Este enclausuramento está baseado numa concepção político-ideológica de que as pessoas, para aderirem ao partido, têm que passar por um teste. Isso é um grande equívoco. Nós temos que arejar o partido. Caso contrário, vamos cair na soberba."

Flexibilidade

Se há uma rigidez no tratamento da questão ética, do ponto de vista político o PT se flexibiliza à medida em que passam os anos e adquire maior experiência. De uma atitude inicial de rejeição a qualquer contato com setores empresariais - como aliás todo o PT -, hoje, a partir da ação da prefeitura, já há uma abertura para o diálogo e até boas relações com certos setores.

Em Caxias do Sul, na disputa do segundo turno contra Germano Rigotto, candidato do PMDB, Pepe Vargas assinala que: "nós tivemos o apoio do setor majoritário do PDT, de um setor do PTB mais alinhado à senadora Emília Fernandes, e também de um setor do PPB. O presidente do diretório local do PPB assinou um documento dizendo por que votava em nós. Ele é um empresário de porte médio que está se lascando com a política econômica. Ele ia para o palanque e falava contra o neoliberalismo."

Mas o mais emblemático desta flexibilidade na política é a mudança de postura com relação ao PDT. Nos primeiros anos, predominava uma atitude de embate e forte crítica ao populismo. Hoje, há uma unidade - até surpreendente - na busca da aliança com o PDT. Olívio Dutra considera que "nenhum partido do campo democrático e popular tem condições de ganhar sozinho as eleições, seja para a Presidência da República, seja para governo de estado. O partido acertou, no último encontro, ao incluir em nível nacional o PDT entre os partidos do campo democrático-popular. No Rio Grande, podemos e devemos trabalhar a unidade com o PDT para 1998 em torno de um programa mínimo desde o primeiro turno." Raul Pont acrescenta: "Nós temos construído o que eu chamo de bloco democrático-popular no Rio Grande do Sul. Temos que ter uma política que solidifique nossa base tradicional e ao mesmo tempo de construção de hegemonia dentro desse campo. Hoje, nós somos o pólo, não é mais o PDT. Temos que puxá-lo para uma ação comum. Temos unidade na crítica ao neoliberalismo, temos unidade na crítica ao Britto. " Sandra Fagundes constata que, "infelizmente, a esquerda muitas vezes precisa de um grande inimigo para se juntar. Lula e Brizola podiam ter se unido desde 1989, mas não se juntaram nem em 1994. Agora que o neoliberalismo está avançadíssimo, não tem outro jeito a não ser fazer esta união. E aqui, sozinhos nós não ganhamos as eleições para o governo do estado. Tem que fazer a coligação desde o início."

O fato é que o PT tem dois nomes fortíssimos para disputar o governo do estado no próximo ano: Olívio Dutra e Tarso Genro, e mesmo com a aprovação da emenda da reeleição, o partido tem chances reais de vitória. De qualquer maneira, é de se prever um grande crescimento eleitoral do PT gaúcho no próximo ano. Todos com os quais conversei são mais ou menos otimistas. Ao conceder suas entrevistas, seus olhos brilhavam. E o mais importante é a sensação que tive de que todos têm um puta orgulho de serem petistas gaúchos.

Ricardo Azevedo é editor de Teoria&Debate.