Internacional

A imediata e completa aplicação dos dispositivos do Tratado de Maastricht - de integração numa Europa "unificada" - é o que divide todas as opiniões no velho continente. Os diferentes líderes, mesmo os que apóiam este "projeto" de Europa em marcha, sabem que as divergências giram ao redor da sua aplicabilidade. Isto porque as resistências, especialmente entre os trabalhadores, são enormes.

Tratados são em geral temas de interesse restrito, mas o Tratado de Maastricht caiu na boca do povo com a programação de uma "moeda única", prevista para 1999, cujas medidas preparatórias se parecem àquelas que introduziram as novas moedas "estabilizadas" na América Latina (austral na Argentina, sol no Peru, real no Brasil etc.). A resistência passou a ter um alvo: Maastricht.

O senhor disse rosa?

As recentes vitórias eleitorais de Jospin, do PS francês, e de Tony Blair, do Partido Trabalhista inglês, deram origem a um falatório sobre uma nova onda. Como se elas não fossem a culminância do processo que fez os partidos da Internacional Socialista governarem, sós ou em coalizão, doze dos quinze países da União Européia. E governarem justamente para fazer os povos engolirem a tal "união européia" que, de outro modo, teria naufragado.

Quem previu ou esperava uma "onda rosa" (entre outros, Luis Favre na T&D nº 35), na Europa de Blair e Jospin, se deu mal.

Blair, que em favor dos pobres ainda não fez nada, já anunciou que vai introduzir o ensino pago nas universidades públicas inglesas, em benefício dos ricos. Em setembro, presente ao congresso anual da central sindical, a TUC, Blair confirmou que vai "manter a flexibilidade atual do mercado de trabalho".

Há uma revolta popular com os efeitos das privatizações: a regional da TUC da Escócia votou pela "reestatização" das ferrovias, proposta que o sindicato dos ferroviários adotou e trouxe ao congresso nacional. Mas Blair, ao contrário, anunciou um "imposto sobre o lucro das empresas privatizadas", quer dizer, demissões à vontade, manipulação de tarifas e serviços públicos segundo a rentabilidade e não o interesse público. Tudo bem, desde que pague um "impostinho" que legitime!

Não foi à-toa que a revista conservadora The Economist concluiu no primeiro balanço de governo do New Labour (novo trabalhismo) que "Blair é a Margaret Thatcher de calças".

Seu parceiro Jospin, que alguns desavisados localizavam à sua esquerda, também tem se revelado. Na campanha, dissera "35 horas de trabalho pagas como 39" (atual jornada de trabalho francesa). Eleito, disse que a redução da jornada demoraria um pouco e agora já a considera "antieconômica". Nada se poderia esperar de um governo cujos ministros não cansam de reafirmar a meta "redução do custo do trabalho".

Suspender as privatizações, dissera? Pois não, está iniciada a venda do lucrativo gigante France Telecom. Tinha proposto a criação de 350 mil "empregos para jovens"? Tampouco. Os primeiros 40 mil anunciados são para "ajudantes-de-educação", que quebrarão uma das mais caras conquistas dos trabalhadores franceses, que é o estatuto do funcionário público. Serão "empregos" sem qualificação, desregulamentados, em tempo parcial e sem as garantias sociais.

O famoso Plano Juppé, que levou às greves de novembro de 95, segue em frente: o caixa da previdência lança mão de um aumento da CSG, um imposto socialmente regressivo (igual para todos).

Dentre seus eleitores, os mais "realistas" já não esperavam melhorias sociais de um governo amarrado em Maastricht. Mas precisarão agora amargar o descumprimento até de não-econômicas e solenes promessas, como a da revogação das leis racistas Pasqua/Debré, que organizam a discriminação e a expulsão de imigrantes, as quais estão sendo aperfeiçoadas!

Vendo tudo isso, como aceitar o argumento de Favre de que na "relação de forças" era preciso "evitar uma crise na construção européia" para "introduzir um pé na porta do monetarismo"? Só mesmo sendo um propagandista rosa para não ver que se trata do contrário: um governo integrado à "construção européia" (Maastricht), como seus coleguinhas da Internacional Socialista, que "introduz um pé" no traseiro dos trabalhadores.

A Europa com cláusula social

Conflitos recentes, como o fechamento da fábrica Renault de Vilvoorde, Bélgica, provocaram fortes manifestações de protesto. Subitamente, políticos de todos os partidos descobriram o remédio: uma certa "Europa Social" com mecanismos de proteção aos direitos dos trabalhadores, onde pontifica a Confederação Européias de Sindicatos.

Mas já existe o "protocolo social", anexo ao Tratado de Maastricht. É ele que prevê a formação de "comitês de empresa europeus", como o que encabeçou essa manifestação sobre a Renault (empresa presente na Espanha, França, Portugal e Eslovênia, além da Bélgica).

Seriam esses "comitês" uma forma de moderar socialmente a Europa? Completamente definida, sua função demonstra o contrário:

"O aumento da produtividade das empresas européias, que se tornou um fator vital para que uma resposta positiva possa ser encontrada para as dificuldades atuais, exige um crescente compromisso dos trabalhadores na movimentação e funcionamento das empresas onde trabalham. A criação e o desenvolvimento de mecanismos adequados de informação e de consulta dos trabalhadores a nível de empresas e grupos empresariais de dimensão comunitária (européia) constituem uma condição prévia deste compromisso crescente".

Com essa base, o protocolo prevê um Grupo Especial de Negociação, designado por comitês de empresa nacionais, dos quais participam patrão e sindicatos. O truque está em que desaparece a independência do sindicato, na passagem do comitê nacional para o europeu. Numa situação de pluralidade sindical na maioria dos países, deve-se indicar em conjunto com os patrões(!) um representante "comum" para uma negociação, em que o sindicato nacional simplesmente perde a prerrogativa de livremente ratificar ou não um acordo.

A Confederação Européia de Sindicatos

O nome é imponente. Mas a realidade da CES, com sede no 6º andar do edifício-sede da UE, em Bruxelas, sugere outra coisa. No último congresso, em 1995, se definiu que "o objetivo da CES é claro: a adequação social e sindical de Maastricht".

Em novembro último, a CES e as duas entidades patronais européias – Unice e Ceep – assinaram que apóiam "a introdução das reformas necessárias em matéria de flexibilidade e funcionamento do mercado de trabalho"; que em matéria fiscal "em muitos países a preferência deveria ser dada ao freio no aumento das despesas"; e que estão "de acordo com a necessidade de promover a competitividade na UE, com base numa economia mais flexível".

Qualquer um pode se perguntar o que diferencia a CES de uma simples engrenagem da UE?

O Tratado de Amsterdã

Em junho, os 15 governos representados em Amsterdã – os novatos eram Blair e Jospin – assinaram uma revisão que agrava Maastricht. Muito badalados, o que dizem o "capítulo social" e o "sobre o emprego"?

  •  "Uma maior diferenciação nos contratos coletivos salariais em função das qualificações e das regiões, assim como a introdução de salários temporários de inserção (trabalho precário NDA) para os jovens desempregados, sem experiência, ou desempregados há longo período". Ou seja, mais "flexibilização".
  •  "Uma redução, assegurado o financiamento adequado, dos custos de mão-de-obra não-salariais". Ou seja, mais subsídios para os patrões.
  • "Novos esquemas de organização do trabalho, incluindo maior flexibilização do tempo de trabalho, que deve ser adaptado às necessidades específicas das empresas e dos trabalhadores, com recurso ao tempo de trabalho parcial voluntário". Sem comentários!
  • "Harmonização dos sistemas sociais, mantida a necessidade de competitividade da economia da Comunidade". Quer dizer, nivelamento por baixo.
  • "Um estado-membro pode confiar aos parceiros sociais a colocação em prática das diretivas adotadas para aplicação dos parágrafos 2 e 3" (acima mencionados). C.q.d.

A vez da Europa

Quando Michel Camdessus, diretor-geral do FMI, declarou no ano passado que "chegou a vez da Europa", sabia do que estava falando. O "atraso" da Europa na realização das condições necessárias para a introdução do euro, a nova moeda, ameaça desestabilizar essa "modernidade" fundada na hegemonia absoluta da especulação financeira, como também, o que é pior, fazer novamente da resistência européia um exemplo para as rebeliões operárias e populares que em vagas sucessivas agitaram o mundo nos dois últimos séculos.

Tudo gira ao redor disso. The New York Times, após aquelas eleições, perguntando-se "até que ponto os critérios de convergência podem ser flexibilizados sem tornar a moeda única impraticável", acabou concluindo pragmaticamente que "Chirac e Jospin encontram-se submetidos às mesmas pressões que derrubaram os governos precedentes" (no sistema semipresidencial francês, a nova maioria parlamentar fez de Jospin o primeiro-ministro do presidente Chirac, de direita, numa "co-habitação"). Não é fácil para eles. Afinal, a completa realização de Maastricht significaria o questionamento dos estados-nação, ali onde nasceram, no solo das grandes revoluções européias. Hans Tietmeyer, o presidente do Bundesbank, o poderoso banco central alemão, justifica que "a globalização restringe a soberania nacional". O jornal espanhol El País calcula que já hoje "80% das legislações nacionais vêm de Bruxelas" (sede da União Européia). Na Itália, a coalizão governamental LL’Ulivo, com o PDS (Partido Democrático da Esquerda, ex-PCI) na cabeça, assumiu a paternidade de um projeto dito de "federalização" do país, que criaria "vinte pequenas itálias" desregulamentadas, no lugar do atual estado. O poder central ficaria apenas com as funções da moeda, da defesa e das relações exteriores, o que não é muita coisa, porque a primeira seria o euro, a segunda, as tropas da OTAN, e a terceira viria de Bruxelas...

E foram estes Estados-nação que tiveram inscritos em suas constituições os direitos e garantias sociais que os movimentos operários, inclusive revoluções derrotadas, lograram transformar em lei. Direitos que agora são considerados arcaicos pelos arautos do "livre-comércio". Só que para derrogá-los é preciso antes quebrar os sindicatos.

Berço destes, a Europa continua, apesar de tudo, sendo marcada pelo seu peso na vida social e política (aliás, desde que se intensificou a batalha de Maastricht, os teóricos do fim dos sindicatos – e do suposto fim do trabalho "causado" pelas maravilhas da revolução tecnocientífica – puseram as suas aparadas barbas de molho!)

Uma crise internacional se prepara

Em Washington e Bruxelas, as autoridades exigem o cumprimento do calendário de integração, com seu cortejo de desregulamentação e desemprego. Clinton deixou bem claro na última Cúpula do G-7, em Denver, seu engajamento na unificação européia, desmentindo assim certas teorias de que a U.E. seria um processo – aliás, tal como se diz falsamente do Mercosul – oposto à hegemonia americana. Pois a realidade é que é sempre o capital americano o maior beneficiário do chamado livre-comércio que diferentes governos de diversas partes do mundo acabam seguindo, porque seus compromissos não lhes deixam alternativa.

Jospin, por exemplo, reivindicava que lhe dessem um pouco mais de margem, que o critério de déficit orçamentário não fossem os estritos 3%, comprometendo-se em troca a ir até o fim. Como prova de sua determinação, assinou pessoalmente o Tratado de Amsterdã, que é um Maastricht 2. Ali, ele aceitou o "pacto de estabilidade" feito há alguns meses em Dublin, na Irlanda, e cuja condenação fora – é o Le Monde (17/6/97) quem o explica – o eixo da sua campanha eleitoral duas semanas antes! Era a condenação do "capitalismo duro", do "ultraliberalismo" ou "neoliberalismo", enfim, do "super-Maastricht", como ele gostava de acusar. Mas, uma vez eleito, Jospin não tardou a descobrir que "duro" ou "mole", neo ou não, o que existe é um único capitalismo, o qual ele não tem a menor intenção de colocar em questão.

Como se vê, os socialistas cada vez mais parecem liberais e vice-versa. Não é sem razão que a abstenção vem crescendo nas eleições legislativas francesas. Em 1988, o total de brancos e nulos no 1º turno foi 38,9%; em 1993 foi de 40,3% e em 1997 chegou a 41,5%.

Por outro lado, quanto mais os diferentes governos se comprometem com as políticas de Washington e Bruxelas, abrem mão das prerrogativas nacionais, se desmoralizam e entram em crise, tanto mais torna-se necessário, para a continuidade dessas políticas, que também as organizações sindicais se integrem à sua aplicação, ajudando os fragilizados governos.

É por isso que a até há pouco desconhecida Central Européia de Sindicatos é agora chamada a jogar um papel de primeiro plano. O novo tratado de Amsterdã "encoraja os estados-membros a confiar aos parceiros sociais a colocação em prática das diretivas". Ao mesmo tempo, um acordo CES-patronato se compromete a "promover a competitividade da União Européia com base numa economia mais flexível".

A batalha final?

A esperança dos governos europeus está em maastrichtizar os sindicatos ou neutralizá-los. Mas isto requer tempo, no mínimo. Tempo que Washington e Bruxelas consideram não existir mais, sob risco de ameaçar o calendário da moeda única e, portanto, a estabilidade do continente. Por isso se fala de uma crise internacional em preparação.

O nervosismo nos círculos oficiais é tanto maior quanto, para os americanos, o êxito na Europa é apenas a peça de um plano muito mais ambicioso que está terminando de ser montado no âmbito da OCDE - a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, formada pelos 29 países mais ricos do mundo. Trata-se do MAI - Multilateral Agreement on Investment (acordo multilateral sobre investimentos), que vinha sendo discretamente negociado há dois anos. Seu objetivo de reorganizar a ordem internacional a fim de "proteger os investimentos" chega ao ponto de estabelecer um pé de igualdade entre um Estado e qualquer investidor privado. O que equivale a dissolver a própria noção de Estado nacional. Mesmo o sisudo The Guardian inglês constata, escandalizado, que com ele "as multinacionais (estariam) definitivamente isentas de qualquer legislação a respeito de um salário mínimo"!

Certamente é mais fácil inscrever num tratado do que fazer. Mas ninguém deve se enganar: é essa a "civilização" que os poderosos deste fim de século nos reservam. Depois de Maastricht, a batalha final? Também depende do resultado.

Markus Sokol é membro da Comissão Executiva Nacional do PT.