Nacional

Começam a surgir projetos alternativos à ideologia e à política neoliberais

De forma paulatina, aumenta a resistência ao neoliberalismo. Começam a surgir críticas e projetos alternativos à ideologia e às políticas neoliberais. É o caso de O próximo passo, de Ciro Gomes e Roberto Mangabeira Unger, editado em 1996, e de A opção brasileira, editado em 1998, sob a responsabilidade de César Benjamin.

Os dois textos têm em comum se apresentarem como alternativa ao neoliberalismo e, embora com discrepâncias, contêm análises convergentes em relação a diversos aspectos da história e da atualidade brasileiras.

Eixos principais

O próximo passo retoma a idéia do Brasil dualista, um capitalizado, outro marginalizado. Reitera que o Estado brasileiro, dominado por uma plutocracia, está quebrado. O modelo de industrialização estaria esgotado, da mesma forma que esgotadas estariam as aspirações revolucionárias do esquerdismo, o nacional-populismo, o comunismo e a postura defensiva da social-democracia brasileira.

As elites teriam abandonado a tentativa de construir uma civilização própria no Brasil, vivendo uma crise de confiança, enquanto a esquerda, a reboque de militâncias corporativas, seria cúmplice impotente do dualismo.

O discurso hegemônico não saberia como conduzir o desenvolvimento, nem como diminuir as desigualdades, sobrando-lhe a adesão ao modelo do Primeiro Mundo e a transformação do Estado brasileiro em zelador das regras do mercado e agente de assistência social.

À classe média caberia o papel de colocar-se na liderança de um movimento nacional e popular de ruptura com a plutocracia, como aliás fez no passado, permitindo os grandes avanços do país. Estaria em suas mãos o destino da política nacional, enfrentando três setores cruciais: estabilidade monetária, moderação das desigualdades sociais e formulação de novo projeto de desenvolvimento nacional.

Para completar a obra antiinflacionária, limpando os expedientes do Plano Real, seria essencial realizar avanços arrojados nas privatizações, como a melhor maneira de resolver os problemas patrimoniais do Estado, e na tributação indireta do consumo, mesmo regressiva, para elevar a receita pública.

Entretanto, mesmo que radicalizadas as privatizações, os capitais privados nacional e estrangeiro não teriam condições de suprir as necessidades de investimento no instrumental básico do sistema produtivo. E o Estado quebrado também não poderia investir em larga escala.

Seria preciso, então, um caminho específico, que tenha como idéia-força a existência de uma alternativa produtivista ao neoliberalismo. Uma alternativa cuja economia política seja a construção de uma economia democratizada de mercado, como meio para uma forma brasileira de experimentalismo democrático, que integre a maioria dos brasileiros nos centros dinâmicos da economia.

A opção brasileira, por seu turno, parte da idéia de que a crise em que está imersa a sociedade brasileira seria muito mais profunda do que supõe o pensamento hegemônico e de que, ao contrário desse pensamento, o Brasil teria potencial ainda maior para sair da crise. Haveria, pois, alternativa ao neoliberalismo.

A crise estaria relacionada com os processos de longo curso, estruturantes da nação brasileira, cujo sentido principal teria sido de uma trajetória da não-nação em direção à nação. A não-nação seria caracterizada pelo Estado colonial, pela preponderância do mercado externo sobre os centros dinâmicos da economia, pela ausência da idéia de cidadania, pela fragmentação do território, pela formação de uma base produtiva atrasada e primário-exportadora.

O trânsito da não-nação para a nação dar-se-ia na direção de um Estado nacional independente, de uma economia que gravitaria em torno dos centros internos, de um território integrado, de um peso maior do mercado interno sobre o externo e da generalização da cidadania. Isso definiria o sentido da construção nacional.

Esses processos foram bloqueados porque o Brasil teria se estruturado como sociedade capitalista dependente. Por um certo período histórico, esse capitalismo dependente até foi compatível com o sentido da construção nacional. Mas, na medida em que, hoje, ele se pendura numa grande bolha especulativa financeira internacional, teria se tornado incompatível com aquele sentido, aquela vocação histórica. Tornou-se um empecilho ao trânsito da não-nação para a nação, bloqueando sua construção.

Para completar a construção da nação, o Brasil precisaria libertar-se da condição de país capitalista dependente e recuperar a auto-estima. Contaríamos com recursos naturais e uma base tecnológica para definir, de forma autônoma, nosso desenvolvimento.

Seria necessário, então, pensar caminhos novos. Primeiro, porque nos últimos quinze anos assistiu-se à desarticulação sucessiva daqueles países que haviam tentado a construção autônoma (URSS etc.). Segundo, porque surgiram duas situações novas: 1ª) a crise deixara de ser da semiperiferia e começara a atingir o centro, a partir do Japão; 2ª) só um país da semiperiferia, a China, não se desarticulara, possuindo um projeto próprio de desenvolvimento.

A crise seria, portanto, muito mais complexa, exigindo readaptações do sistema capitalista e uma possível reorganização do modo de funcionamento do capitalismo nos próximos anos. Em vista de tudo isso, o Brasil precisaria de um novo projeto nacional, que não deveria confundir-se com uma plataforma eleitoral ou com propostas táticas. Deveria estar assentado num sólido núcleo conceitual que tivesse aderência à realidade e viabilidade histórica.

Algumas questões

Ao apresentarem uma multiplicidade de conceitos e sugestões, cuja análise e crítica são impossíveis de realizar no espaço desta resenha, os textos nos obrigaram a realizar a síntese acima, de modo a situar nossas observações naquilo que consideramos essencial. Esperamos ter sido fiéis ao núcleo central das idéias neles contidas.

Ressalta o fato de que ambos ignoram as classes sociais da sociedade brasileira. Com exceção de referências à classe média e à classe trabalhadora, os textos navegam num mar em que só estão presentes o Estado, as elites, a plutocracia, o Brasil capitalizado, o Brasil marginalizado, o experimentalismo democrático, a sociedade civil, a nação, a não-nação, a vocação nacional, o projeto nacional.

Pode-se, nos dias de hoje, pensar em projetos alternativos ao neoliberalismo, isto é, a uma ideologia e a uma política das frações monopolistas das burguesias estrangeira e nacional, sem realizar uma análise de classes da sociedade brasileira, sem ter noção dos interesses que animam cada uma e opõem umas às outras?

Pode-se acreditar que as classes, e as lutas entre elas, já não contam mais para a história? Pode-se falar em Estado, ou Estado nacional, sem falar das classes ou frações de classes hegemônicas e dominadoras, mesmo quando tais Estados são formalmente democráticos e parcialmente abertos à interferência das classes de baixo, que constituem a maioria da população?

Quando nos referimos à nação, do que estamos falando? De um povo homogêneo, que possui unidade territorial, lingüística, econômica e cultural? Ou de um povo dividido em classes, que vive num mesmo território e tem uma língua comum, sob um modo de produção predominante, com uma cultura em geral fragmentada e cheia de antagonismos? Como se pode ter um projeto nacional sem levar em conta as disparidades que a nação encerra, sem tomar partido por alguns dos contrários contra outros?

Ao omitirmos as classes, todas as contradições sociais se diluem nas generalidades. Os contrários só aparecem na contraposição entre o Brasil capitalizado e o Brasil marginalizado, o Estado poupador/investidor e o Estado quebrado, a nação e a não-nação, a construção nacional e a construção bloqueada, o experimentalismo democrático e o discurso neoliberal.

Os problemas ganham uma forma etérea. Podemos bradar tanto por um movimento que harmonize as forças nacionais, para garantir a estabilidade monetária, realizar privatizações arrojadas e tributações de risco, quanto por uma revolução nacional, que retire o Brasil da condição de país capitalista dependente e faça-o recuperar a auto-estima. Podemos sonhar tanto com a ruptura da dominação plutocrática, sob a vanguarda da classe média, sem tocar na propriedade monopolista, quanto com a participação dos militares ao lado do povo para alcançar o socialismo.

Sem considerar os interesses das classes reais, podemos supor que elas, como as bruxas, não existem. Sem a interferência das classes e de seus interesses específicos e contraditórios, tudo se torna um problema de vontade ou de auto-estima. A história ganha linearidade e ficamos sem entender direito por que antes a nação estava sendo construída e agora está sendo bloqueada.

Este é o problema de fundo dos dois textos.

A natureza da crise

Há, além disso, algumas questões da atualidade, discutidas por eles, que merecem uma reflexão mais atenta. Trata-se da natureza da crise e de seus desdobramentos sobre o Brasil.

A opção tem a vantagem de caracterizar a crise atual e seus desdobramentos como uma crise do capitalismo, enquanto O próximo passo perde-se na orfandade da esquerda e na rendição das elites ao ideário dominante. A opção mostra que a crise atual do capitalismo reside nas dificuldades do capital, nesta fase de sua concentração e centralização, para manter uma taxa média de lucro ascendente e valorizar-se na escala necessária à sua reprodução ampliada.

A lógica contraditória desse modo de produzir leva à formação de corporações monopolistas mais gigantescas do que no passado e à transferência ainda mais veloz, dos países capitalistas avançados para os países da periferia, dos diversos elementos do modo de produção capitalista.

Tanto no centro quanto na periferia, o capital vê-se obrigado a combinar métodos modernos de exploração do trabalho, de jornadas menores e salários relativamente elevados, com métodos atrasados, de longas jornadas e baixos salários. Ou a jogar na circulação financeira seus excedentes de capital, incapazes de se valorizarem no processo produtivo, na escala exigida pela concorrência intercapitalista.

A opção se deu conta, corretamente, de que essa lógica de acumulação está no olho da crise e de qualquer variante que o capitalismo adote para sair dela. Entretanto, parece não haver notado que todas as readequações do capital, em função de suas crises, têm aumentado sua concentração e centralização, ou seja, sua monopolização, tanto no centro quanto na periferia.

Talvez por isso não tenha aprofundado como esse processo ocorreu no Brasil, através da articulação entre os capitais privados estrangeiros, os capitais privados nacionais e o Estado. Este, a partir dos anos 30, passou a ser dominado por uma associação entre novos setores latifundiários e a grande burguesia industrial, que abandonaram a postura de mantê-lo como simples instrumento moderador dos interesses dos capitais estrangeiros e nacionais. Transformaram-no em agente do próprio processo industrializante, da implantação dos elementos do modo de produção capitalista no Brasil.

As disputas posteriores pelo domínio do Estado sempre tiveram como pivô, a partir de então, a divisão dos recursos públicos gerenciados pelo Estado e a divisão do mercado brasileiro entre os diferentes capitais, que permitiam ou não a criação de novos setores burgueses, por meio de privilégios estatais a frações burguesas ou pequeno-burguesas.

Olhando para trás, não é difícil verificar que, apesar das tensões e crises nessa articulação entre os capitais estatais, ou o Estado, e os capitais privados nacionais e estrangeiros, existe uma linha de crescente monopolização e oligopolização da economia brasileira.

A opção confunde essa construção do capitalismo no Brasil, sob a tutela do pacto de dominação burguesa, com o trânsito da não-nação para a nação. No entanto, se a construção capitalista desenvolveu a tecnologia, a capacidade produtiva e as novas relações assalariadas, sempre o fez por meio da modernização conservadora, que impediu o surgimento de qualquer experiência de capitalismo democrático. Construiu uma nação burguesa oligopolizada, não uma nação burguesa democrática.

O problema atual

O problema atual é que o neoliberalismo lançou o capital estrangeiro na monopolização completa do modo capitalista existente no Brasil, contando com o beneplácito da própria burguesia brasileira. Esta apoiou a estabilização, as reformas liberalizantes, a desregulamentação irrestrita, a reestruturação desempregante e tudo o mais apresentado como moderno.

A burguesia nativa jamais enxergou que a estabilização, a abertura econômica e a desregulamentação, nos moldes propostos, atendiam aos interesses dos capitais corporativos internacionais, principalmente financeiros. Supôs participar, em igualdade de condições, da rearticulação do pacto de dominação, cujo núcleo parecia a privatização e eliminação das estatais.

Só depois que a pequena e a média burguesias quebraram, a maior parte das privatizações foi abocanhada por capitais estrangeiros e as grandes corporações transnacionais entraram em áreas cativas do capital nacional, é que a grande burguesia resolveu resistir.

Começa a falar em desenvolvimento, em criar empregos e muda seu discurso quanto à necessidade do Estado. Devagar, mas paulatinamente, sem romper com a burguesia estrangeira, nem com a intelectualidade que cooptou e colocou no poder para gerenciar a nova articulação do pacto de dominação, ela dissemina a idéia de que também tem um projeto diferente do neoliberal.

Mais: alguns de seus setores acenam com a participação num projeto nacional dos trabalhadores, desde que seja um projeto moderno, que tome como base a estabilidade, continue a política de privatizações e utilize o Estado como instrumento de poupança e investimento no processo produtivo das empresas privadas nacionais.

Não é a primeira vez que a burguesia brasileira faz uma manobra desse tipo ante o avanço dos capitais estrangeiros. Nos exemplos do passado, essas manobras serviram para que ela aumentasse sua força social, com o apoio da classe média e dos trabalhadores. Isso posto, tal força foi utilizada como moeda de barganha nas negociações com os associados estrangeiros. Em vez de rupturas, ocorreram as conciliações por cima e novos pactos de dominação.

O próximo passo vislumbrou uma parte do que está em curso em relação ao Estado brasileiro. Mas desconheceu que o máximo que a burguesia brasileira pretende é resistir à sua total assimilação e chegar a uma nova conciliação, em que mantenha alguma autonomia e participação no butim geral da riqueza nacional. Seu horizonte não vai além disso.

Também ignora que o que tolhe a burguesia tolhe a classe média, historicamente sempre dividida entre o apoio aos setores mais conservadores ou mais progressistas das classes dominantes, latifundiárias ou burguesas. Em seus arroubos de algum peso histórico, como o tenentismo, a Aliança Liberal, os golpes militares de 64-68 e agora o projeto neoliberal, ela serviu à burguesia, ou a frações da burguesia, para conseguir vantagens nas conciliações com o latifúndio e o capital estrangeiro.

Segmentos da classe média foram beneficiados com o acesso ao poder e ascenderam à classe burguesa. Entretanto, em todos esses momentos, as classes exploradas e oprimidas continuaram exploradas e oprimidas, inclusive a massa da classe média, e a pobreza e a miséria aumentaram.

Ao acreditar num papel de vanguarda da classe média, O próximo passo subordina a perspectiva do desenvolvimento capitalista democrático ao capital monopolista, mantendo-se na própria perspectiva neoliberal. Supor que desenvolvimento democrático possa ocorrer, completando-se a obra antiinflacionária e realizando-se privatizações arrojadas, é não levar em conta a prática desse processo. Este conduziu ao sucateamento do parque produtivo, à preponderância das corporações transnacionais e a conseqüências sociais dolorosas.

A criação de um mercado de massa, o pleno emprego, a elevação do salário da grande massa de trabalhadores, o aumento da capacidade de poupar e investir, a maior participação popular nos órgãos de governo, a construção nacional são aspirações tipicamente democrático-burguesas, aspirações que um capitalismo democrático poderia atender.

Entretanto, nem mesmo a reforma agrária, a mais evidente demonstração de democratização capitalista, foi realizada pela burguesia brasileira. Ao contrário, seria um estorvo à sua natureza monopolista, concentradora. Um empecilho à liberação dos grandes contingentes de força de trabalho de que necessitava para a industrialização tardia. Assim, em vez de transformar milhões de camponeses em pequenos capitalistas, desmembrando o latifúndio, preferiu modernizá-lo, com dinheiro público, e torná-lo também monopólio capitalista.

A grande burguesia ainda pode ter saídas para o seu desenvolvimento capitalista, mas já ultrapassou o ponto de não-retorno para o desenvolvimento de um capitalismo democrático. Temos, aí, uma contradição específica de nossa formação histórica. Tal ponto foi ultrapassado e, ao mesmo tempo, vivemos sob o peso de uma série de aspirações democrático-capitalistas, sem cuja solução não é possível desenvolver plenamente as forças produtivas da sociedade brasileira e incorporar a maioria, não só aos setores dinâmicos, mas à vida econômica, social e política do país.

É essa contradição que O próximo passo se nega a considerar. E é essa contradição que A opção brasileira perde a oportunidade de fundamentar. Primeiro, ao basear sua argumentação na construção da nação, historicamente capitalista e burguesa. Segundo, ao afirmar, já no final do texto, que seu projeto é de natureza socialista; não o defunto socialismo burocrático, mas o socialismo da solidariedade como princípio organizador da vida em comum.

A opção adiciona, assim, um penduricalho, que pouco tem a ver com o que veio antes, e menos ainda com o socialismo como uma sociedade alternativa de transição. Se o socialismo é uma necessidade histórica atual da sociedade brasileira, não é porque seja a favor do solidarismo, mas porque o capitalismo fechou todas as portas ao desenvolvimento capitalista democrático.

Nessas condições, somente podem ser atendidas as aspirações democrático-capitalistas da sociedade brasileira se o Estado estiver em mãos de classes que, mesmo não representando os interesses gerais da nação, representem os interesses da maioria contra os da minoria plutocrática e se disponham a ir além do próprio capitalismo.

Esse Estado deve ter uma natureza de classe comprometida, não com a burguesia, mas com os explorados e oprimidos, com a eliminação da exploração e da opressão. Não se trata de moderar as desigualdades sociais, mas de reduzi-las de forma radical, por intermédio da redistribuição e democratização da riqueza, portanto, da propriedade e do poder. A começar, por uma reforma agrária massiva, que elimine o monopólio da terra e a democratize radicalmente, e pela liberação radical dos micro e pequenos empreendimentos e a elevação da renda das grandes massas assalariadas.

Trata-se, portanto, de romper com o tipo de nação que veio sendo construída, desde as primeiras décadas do século XIX, e criar um novo tipo. Uma nação de transição socialista, que se integre ao mundo, mas tenha como parâmetros os interesses das classes trabalhadoras, seus direitos básicos de vida, e a construção de uma sociedade em que todo o povo tenha um padrão de vida material e culturalmente elevado.

Conclusões

Apesar disso, O próximo passo e A opção brasileira são instigantes. Obrigam-nos a raciocinar, a buscar argumentos, a estudar as realidades brasileiras e suas conexões com a história e a atualidade mundiais do capitalismo. São uma contribuição inestimável ao debate sobre os caminhos e opções do Brasil.

Não vale a pena nos determos nos preconceitos e na leitura enviesada de O próximo passo a respeito da esquerda. Tanto nele quanto em A opção brasileira encontram-se inúmeras idéias, sugestões e propostas que podem ser úteis à transição da sociedade capitalista brasileira para uma sociedade em que a exploração e a opressão econômica, social e política não sejam necessidades inerentes ao modo de produção e de vida. Aproveitemos.

Wladimir Pomar é jornalista e membro do Conselho de Redação de TD.

De forma paulatina, aumenta a resistência ao neoliberalismo. Começam a surgir críticas e projetos alternativos à ideologia e às políticas neoliberais. É o caso de O próximo passo, de Ciro Gomes e Roberto Mangabeira Unger, editado em 1996, e de A opção brasileira, editado em 1998, sob a responsabilidade de César Benjamin.

Os dois textos têm em comum se apresentarem como alternativa ao neoliberalismo e, embora com discrepâncias, contêm análises convergentes em relação a diversos aspectos da história e da atualidade brasileiras.

Eixos principais

O próximo passo retoma a idéia do Brasil dualista, um capitalizado, outro marginalizado. Reitera que o Estado brasileiro, dominado por uma plutocracia, está quebrado. O modelo de industrialização estaria esgotado, da mesma forma que esgotadas estariam as aspirações revolucionárias do esquerdismo, o nacional-populismo, o comunismo e a postura defensiva da social-democracia brasileira.

As elites teriam abandonado a tentativa de construir uma civilização própria no Brasil, vivendo uma crise de confiança, enquanto a esquerda, a reboque de militâncias corporativas, seria cúmplice impotente do dualismo.

O discurso hegemônico não saberia como conduzir o desenvolvimento, nem como diminuir as desigualdades, sobrando-lhe a adesão ao modelo do Primeiro Mundo e a transformação do Estado brasileiro em zelador das regras do mercado e agente de assistência social.

À classe média caberia o papel de colocar-se na liderança de um movimento nacional e popular de ruptura com a plutocracia, como aliás fez no passado, permitindo os grandes avanços do país. Estaria em suas mãos o destino da política nacional, enfrentando três setores cruciais: estabilidade monetária, moderação das desigualdades sociais e formulação de novo projeto de desenvolvimento nacional.

Para completar a obra antiinflacionária, limpando os expedientes do Plano Real, seria essencial realizar avanços arrojados nas privatizações, como a melhor maneira de resolver os problemas patrimoniais do Estado, e na tributação indireta do consumo, mesmo regressiva, para elevar a receita pública.

Entretanto, mesmo que radicalizadas as privatizações, os capitais privados nacional e estrangeiro não teriam condições de suprir as necessidades de investimento no instrumental básico do sistema produtivo. E o Estado quebrado também não poderia investir em larga escala.

Seria preciso, então, um caminho específico, que tenha como idéia-força a existência de uma alternativa produtivista ao neoliberalismo. Uma alternativa cuja economia política seja a construção de uma economia democratizada de mercado, como meio para uma forma brasileira de experimentalismo democrático, que integre a maioria dos brasileiros nos centros dinâmicos da economia.

A opção brasileira, por seu turno, parte da idéia de que a crise em que está imersa a sociedade brasileira seria muito mais profunda do que supõe o pensamento hegemônico e de que, ao contrário desse pensamento, o Brasil teria potencial ainda maior para sair da crise. Haveria, pois, alternativa ao neoliberalismo.

A crise estaria relacionada com os processos de longo curso, estruturantes da nação brasileira, cujo sentido principal teria sido de uma trajetória da não-nação em direção à nação. A não-nação seria caracterizada pelo Estado colonial, pela preponderância do mercado externo sobre os centros dinâmicos da economia, pela ausência da idéia de cidadania, pela fragmentação do território, pela formação de uma base produtiva atrasada e primário-exportadora.

O trânsito da não-nação para a nação dar-se-ia na direção de um Estado nacional independente, de uma economia que gravitaria em torno dos centros internos, de um território integrado, de um peso maior do mercado interno sobre o externo e da generalização da cidadania. Isso definiria o sentido da construção nacional.

Esses processos foram bloqueados porque o Brasil teria se estruturado como sociedade capitalista dependente. Por um certo período histórico, esse capitalismo dependente até foi compatível com o sentido da construção nacional. Mas, na medida em que, hoje, ele se pendura numa grande bolha especulativa financeira internacional, teria se tornado incompatível com aquele sentido, aquela vocação histórica. Tornou-se um empecilho ao trânsito da não-nação para a nação, bloqueando sua construção.

Para completar a construção da nação, o Brasil precisaria libertar-se da condição de país capitalista dependente e recuperar a auto-estima. Contaríamos com recursos naturais e uma base tecnológica para definir, de forma autônoma, nosso desenvolvimento.

Seria necessário, então, pensar caminhos novos. Primeiro, porque nos últimos quinze anos assistiu-se à desarticulação sucessiva daqueles países que haviam tentado a construção autônoma (URSS etc.). Segundo, porque surgiram duas situações novas: 1ª) a crise deixara de ser da semiperiferia e começara a atingir o centro, a partir do Japão; 2ª) só um país da semiperiferia, a China, não se desarticulara, possuindo um projeto próprio de desenvolvimento.

A crise seria, portanto, muito mais complexa, exigindo readaptações do sistema capitalista e uma possível reorganização do modo de funcionamento do capitalismo nos próximos anos. Em vista de tudo isso, o Brasil precisaria de um novo projeto nacional, que não deveria confundir-se com uma plataforma eleitoral ou com propostas táticas. Deveria estar assentado num sólido núcleo conceitual que tivesse aderência à realidade e viabilidade histórica.

De forma paulatina, aumenta a resistência ao neoliberalismo. Começam a surgir críticas e projetos alternativos à ideologia e às políticas neoliberais. É o caso de O próximo passo, de Ciro Gomes e Roberto Mangabeira Unger, editado em 1996, e de A opção brasileira, editado em 1998, sob a responsabilidade de César Benjamin.

Os dois textos têm em comum se apresentarem como alternativa ao neoliberalismo e, embora com discrepâncias, contêm análises convergentes em relação a diversos aspectos da história e da atualidade brasileiras.

Eixos principais

O próximo passo retoma a idéia do Brasil dualista, um capitalizado, outro marginalizado. Reitera que o Estado brasileiro, dominado por uma plutocracia, está quebrado. O modelo de industrialização estaria esgotado, da mesma forma que esgotadas estariam as aspirações revolucionárias do esquerdismo, o nacional-populismo, o comunismo e a postura defensiva da social-democracia brasileira.

As elites teriam abandonado a tentativa de construir uma civilização própria no Brasil, vivendo uma crise de confiança, enquanto a esquerda, a reboque de militâncias corporativas, seria cúmplice impotente do dualismo.

O discurso hegemônico não saberia como conduzir o desenvolvimento, nem como diminuir as desigualdades, sobrando-lhe a adesão ao modelo do Primeiro Mundo e a transformação do Estado brasileiro em zelador das regras do mercado e agente de assistência social.

À classe média caberia o papel de colocar-se na liderança de um movimento nacional e popular de ruptura com a plutocracia, como aliás fez no passado, permitindo os grandes avanços do país. Estaria em suas mãos o destino da política nacional, enfrentando três setores cruciais: estabilidade monetária, moderação das desigualdades sociais e formulação de novo projeto de desenvolvimento nacional.

Para completar a obra antiinflacionária, limpando os expedientes do Plano Real, seria essencial realizar avanços arrojados nas privatizações, como a melhor maneira de resolver os problemas patrimoniais do Estado, e na tributação indireta do consumo, mesmo regressiva, para elevar a receita pública.

Entretanto, mesmo que radicalizadas as privatizações, os capitais privados nacional e estrangeiro não teriam condições de suprir as necessidades de investimento no instrumental básico do sistema produtivo. E o Estado quebrado também não poderia investir em larga escala.

Seria preciso, então, um caminho específico, que tenha como idéia-força a existência de uma alternativa produtivista ao neoliberalismo. Uma alternativa cuja economia política seja a construção de uma economia democratizada de mercado, como meio para uma forma brasileira de experimentalismo democrático, que integre a maioria dos brasileiros nos centros dinâmicos da economia.

A opção brasileira, por seu turno, parte da idéia de que a crise em que está imersa a sociedade brasileira seria muito mais profunda do que supõe o pensamento hegemônico e de que, ao contrário desse pensamento, o Brasil teria potencial ainda maior para sair da crise. Haveria, pois, alternativa ao neoliberalismo.

A crise estaria relacionada com os processos de longo curso, estruturantes da nação brasileira, cujo sentido principal teria sido de uma trajetória da não-nação em direção à nação. A não-nação seria caracterizada pelo Estado colonial, pela preponderância do mercado externo sobre os centros dinâmicos da economia, pela ausência da idéia de cidadania, pela fragmentação do território, pela formação de uma base produtiva atrasada e primário-exportadora.

O trânsito da não-nação para a nação dar-se-ia na direção de um Estado nacional independente, de uma economia que gravitaria em torno dos centros internos, de um território integrado, de um peso maior do mercado interno sobre o externo e da generalização da cidadania. Isso definiria o sentido da construção nacional.

Esses processos foram bloqueados porque o Brasil teria se estruturado como sociedade capitalista dependente. Por um certo período histórico, esse capitalismo dependente até foi compatível com o sentido da construção nacional. Mas, na medida em que, hoje, ele se pendura numa grande bolha especulativa financeira internacional, teria se tornado incompatível com aquele sentido, aquela vocação histórica. Tornou-se um empecilho ao trânsito da não-nação para a nação, bloqueando sua construção.

Para completar a construção da nação, o Brasil precisaria libertar-se da condição de país capitalista dependente e recuperar a auto-estima. Contaríamos com recursos naturais e uma base tecnológica para definir, de forma autônoma, nosso desenvolvimento.

Seria necessário, então, pensar caminhos novos. Primeiro, porque nos últimos quinze anos assistiu-se à desarticulação sucessiva daqueles países que haviam tentado a construção autônoma (URSS etc.). Segundo, porque surgiram duas situações novas: 1ª) a crise deixara de ser da semiperiferia e começara a atingir o centro, a partir do Japão; 2ª) só um país da semiperiferia, a China, não se desarticulara, possuindo um projeto próprio de desenvolvimento.

A crise seria, portanto, muito mais complexa, exigindo readaptações do sistema capitalista e uma possível reorganização do modo de funcionamento do capitalismo nos próximos anos. Em vista de tudo isso, o Brasil precisaria de um novo projeto nacional, que não deveria confundir-se com uma plataforma eleitoral ou com propostas táticas. Deveria estar assentado num sólido núcleo conceitual que tivesse aderência à realidade e viabilidade histórica.

Algumas questões

Ao apresentarem uma multiplicidade de conceitos e sugestões, cuja análise e crítica são impossíveis de realizar no espaço desta resenha, os textos nos obrigaram a realizar a síntese acima, de modo a situar nossas observações naquilo que consideramos essencial. Esperamos ter sido fiéis ao núcleo central das idéias neles contidas.

Ressalta o fato de que ambos ignoram as classes sociais da sociedade brasileira. Com exceção de referências à classe média e à classe trabalhadora, os textos navegam num mar em que só estão presentes o Estado, as elites, a plutocracia, o Brasil capitalizado, o Brasil marginalizado, o experimentalismo democrático, a sociedade civil, a nação, a não-nação, a vocação nacional, o projeto nacional.

Pode-se, nos dias de hoje, pensar em projetos alternativos ao neoliberalismo, isto é, a uma ideologia e a uma política das frações monopolistas das burguesias estrangeira e nacional, sem realizar uma análise de classes da sociedade brasileira, sem ter noção dos interesses que animam cada uma e opõem umas às outras?

Pode-se acreditar que as classes, e as lutas entre elas, já não contam mais para a história? Pode-se falar em Estado, ou Estado nacional, sem falar das classes ou frações de classes hegemônicas e dominadoras, mesmo quando tais Estados são formalmente democráticos e parcialmente abertos à interferência das classes de baixo, que constituem a maioria da população?

Quando nos referimos à nação, do que estamos falando? De um povo homogêneo, que possui unidade territorial, lingüística, econômica e cultural? Ou de um povo dividido em classes, que vive num mesmo território e tem uma língua comum, sob um modo de produção predominante, com uma cultura em geral fragmentada e cheia de antagonismos? Como se pode ter um projeto nacional sem levar em conta as disparidades que a nação encerra, sem tomar partido por alguns dos contrários contra outros?

Ao omitirmos as classes, todas as contradições sociais se diluem nas generalidades. Os contrários só aparecem na contraposição entre o Brasil capitalizado e o Brasil marginalizado, o Estado poupador/investidor e o Estado quebrado, a nação e a não-nação, a construção nacional e a construção bloqueada, o experimentalismo democrático e o discurso neoliberal.

Os problemas ganham uma forma etérea. Podemos bradar tanto por um movimento que harmonize as forças nacionais, para garantir a estabilidade monetária, realizar privatizações arrojadas e tributações de risco, quanto por uma revolução nacional, que retire o Brasil da condição de país capitalista dependente e faça-o recuperar a auto-estima. Podemos sonhar tanto com a ruptura da dominação plutocrática, sob a vanguarda da classe média, sem tocar na propriedade monopolista, quanto com a participação dos militares ao lado do povo para alcançar o socialismo.

Sem considerar os interesses das classes reais, podemos supor que elas, como as bruxas, não existem. Sem a interferência das classes e de seus interesses específicos e contraditórios, tudo se torna um problema de vontade ou de auto-estima. A história ganha linearidade e ficamos sem entender direito por que antes a nação estava sendo construída e agora está sendo bloqueada.

Este é o problema de fundo dos dois textos.

A natureza da crise

Há, além disso, algumas questões da atualidade, discutidas por eles, que merecem uma reflexão mais atenta. Trata-se da natureza da crise e de seus desdobramentos sobre o Brasil.

A opção tem a vantagem de caracterizar a crise atual e seus desdobramentos como uma crise do capitalismo, enquanto O próximo passo perde-se na orfandade da esquerda e na rendição das elites ao ideário dominante. A opção mostra que a crise atual do capitalismo reside nas dificuldades do capital, nesta fase de sua concentração e centralização, para manter uma taxa média de lucro ascendente e valorizar-se na escala necessária à sua reprodução ampliada.

A lógica contraditória desse modo de produzir leva à formação de corporações monopolistas mais gigantescas do que no passado e à transferência ainda mais veloz, dos países capitalistas avançados para os países da periferia, dos diversos elementos do modo de produção capitalista.

Tanto no centro quanto na periferia, o capital vê-se obrigado a combinar métodos modernos de exploração do trabalho, de jornadas menores e salários relativamente elevados, com métodos atrasados, de longas jornadas e baixos salários. Ou a jogar na circulação financeira seus excedentes de capital, incapazes de se valorizarem no processo produtivo, na escala exigida pela concorrência intercapitalista.

A opção se deu conta, corretamente, de que essa lógica de acumulação está no olho da crise e de qualquer variante que o capitalismo adote para sair dela. Entretanto, parece não haver notado que todas as readequações do capital, em função de suas crises, têm aumentado sua concentração e centralização, ou seja, sua monopolização, tanto no centro quanto na periferia.

Talvez por isso não tenha aprofundado como esse processo ocorreu no Brasil, através da articulação entre os capitais privados estrangeiros, os capitais privados nacionais e o Estado. Este, a partir dos anos 30, passou a ser dominado por uma associação entre novos setores latifundiários e a grande burguesia industrial, que abandonaram a postura de mantê-lo como simples instrumento moderador dos interesses dos capitais estrangeiros e nacionais. Transformaram-no em agente do próprio processo industrializante, da implantação dos elementos do modo de produção capitalista no Brasil.

As disputas posteriores pelo domínio do Estado sempre tiveram como pivô, a partir de então, a divisão dos recursos públicos gerenciados pelo Estado e a divisão do mercado brasileiro entre os diferentes capitais, que permitiam ou não a criação de novos setores burgueses, por meio de privilégios estatais a frações burguesas ou pequeno-burguesas.

Olhando para trás, não é difícil verificar que, apesar das tensões e crises nessa articulação entre os capitais estatais, ou o Estado, e os capitais privados nacionais e estrangeiros, existe uma linha de crescente monopolização e oligopolização da economia brasileira.

A opção confunde essa construção do capitalismo no Brasil, sob a tutela do pacto de dominação burguesa, com o trânsito da não-nação para a nação. No entanto, se a construção capitalista desenvolveu a tecnologia, a capacidade produtiva e as novas relações assalariadas, sempre o fez por meio da modernização conservadora, que impediu o surgimento de qualquer experiência de capitalismo democrático. Construiu uma nação burguesa oligopolizada, não uma nação burguesa democrática.

O problema atual

O problema atual é que o neoliberalismo lançou o capital estrangeiro na monopolização completa do modo capitalista existente no Brasil, contando com o beneplácito da própria burguesia brasileira. Esta apoiou a estabilização, as reformas liberalizantes, a desregulamentação irrestrita, a reestruturação desempregante e tudo o mais apresentado como moderno.

A burguesia nativa jamais enxergou que a estabilização, a abertura econômica e a desregulamentação, nos moldes propostos, atendiam aos interesses dos capitais corporativos internacionais, principalmente financeiros. Supôs participar, em igualdade de condições, da rearticulação do pacto de dominação, cujo núcleo parecia a privatização e eliminação das estatais.

Só depois que a pequena e a média burguesias quebraram, a maior parte das privatizações foi abocanhada por capitais estrangeiros e as grandes corporações transnacionais entraram em áreas cativas do capital nacional, é que a grande burguesia resolveu resistir.

Começa a falar em desenvolvimento, em criar empregos e muda seu discurso quanto à necessidade do Estado. Devagar, mas paulatinamente, sem romper com a burguesia estrangeira, nem com a intelectualidade que cooptou e colocou no poder para gerenciar a nova articulação do pacto de dominação, ela dissemina a idéia de que também tem um projeto diferente do neoliberal.

Mais: alguns de seus setores acenam com a participação num projeto nacional dos trabalhadores, desde que seja um projeto moderno, que tome como base a estabilidade, continue a política de privatizações e utilize o Estado como instrumento de poupança e investimento no processo produtivo das empresas privadas nacionais.

Não é a primeira vez que a burguesia brasileira faz uma manobra desse tipo ante o avanço dos capitais estrangeiros. Nos exemplos do passado, essas manobras serviram para que ela aumentasse sua força social, com o apoio da classe média e dos trabalhadores. Isso posto, tal força foi utilizada como moeda de barganha nas negociações com os associados estrangeiros. Em vez de rupturas, ocorreram as conciliações por cima e novos pactos de dominação.

O próximo passo vislumbrou uma parte do que está em curso em relação ao Estado brasileiro. Mas desconheceu que o máximo que a burguesia brasileira pretende é resistir à sua total assimilação e chegar a uma nova conciliação, em que mantenha alguma autonomia e participação no butim geral da riqueza nacional. Seu horizonte não vai além disso.

Também ignora que o que tolhe a burguesia tolhe a classe média, historicamente sempre dividida entre o apoio aos setores mais conservadores ou mais progressistas das classes dominantes, latifundiárias ou burguesas. Em seus arroubos de algum peso histórico, como o tenentismo, a Aliança Liberal, os golpes militares de 64-68 e agora o projeto neoliberal, ela serviu à burguesia, ou a frações da burguesia, para conseguir vantagens nas conciliações com o latifúndio e o capital estrangeiro.

Segmentos da classe média foram beneficiados com o acesso ao poder e ascenderam à classe burguesa. Entretanto, em todos esses momentos, as classes exploradas e oprimidas continuaram exploradas e oprimidas, inclusive a massa da classe média, e a pobreza e a miséria aumentaram.

Ao acreditar num papel de vanguarda da classe média, O próximo passo subordina a perspectiva do desenvolvimento capitalista democrático ao capital monopolista, mantendo-se na própria perspectiva neoliberal. Supor que desenvolvimento democrático possa ocorrer, completando-se a obra antiinflacionária e realizando-se privatizações arrojadas, é não levar em conta a prática desse processo. Este conduziu ao sucateamento do parque produtivo, à preponderância das corporações transnacionais e a conseqüências sociais dolorosas.

A criação de um mercado de massa, o pleno emprego, a elevação do salário da grande massa de trabalhadores, o aumento da capacidade de poupar e investir, a maior participação popular nos órgãos de governo, a construção nacional são aspirações tipicamente democrático-burguesas, aspirações que um capitalismo democrático poderia atender.

Entretanto, nem mesmo a reforma agrária, a mais evidente demonstração de democratização capitalista, foi realizada pela burguesia brasileira. Ao contrário, seria um estorvo à sua natureza monopolista, concentradora. Um empecilho à liberação dos grandes contingentes de força de trabalho de que necessitava para a industrialização tardia. Assim, em vez de transformar milhões de camponeses em pequenos capitalistas, desmembrando o latifúndio, preferiu modernizá-lo, com dinheiro público, e torná-lo também monopólio capitalista.

A grande burguesia ainda pode ter saídas para o seu desenvolvimento capitalista, mas já ultrapassou o ponto de não-retorno para o desenvolvimento de um capitalismo democrático. Temos, aí, uma contradição específica de nossa formação histórica. Tal ponto foi ultrapassado e, ao mesmo tempo, vivemos sob o peso de uma série de aspirações democrático-capitalistas, sem cuja solução não é possível desenvolver plenamente as forças produtivas da sociedade brasileira e incorporar a maioria, não só aos setores dinâmicos, mas à vida econômica, social e política do país.

É essa contradição que O próximo passo se nega a considerar. E é essa contradição que A opção brasileira perde a oportunidade de fundamentar. Primeiro, ao basear sua argumentação na construção da nação, historicamente capitalista e burguesa. Segundo, ao afirmar, já no final do texto, que seu projeto é de natureza socialista; não o defunto socialismo burocrático, mas o socialismo da solidariedade como princípio organizador da vida em comum.

A opção adiciona, assim, um penduricalho, que pouco tem a ver com o que veio antes, e menos ainda com o socialismo como uma sociedade alternativa de transição. Se o socialismo é uma necessidade histórica atual da sociedade brasileira, não é porque seja a favor do solidarismo, mas porque o capitalismo fechou todas as portas ao desenvolvimento capitalista democrático.

Nessas condições, somente podem ser atendidas as aspirações democrático-capitalistas da sociedade brasileira se o Estado estiver em mãos de classes que, mesmo não representando os interesses gerais da nação, representem os interesses da maioria contra os da minoria plutocrática e se disponham a ir além do próprio capitalismo.

Esse Estado deve ter uma natureza de classe comprometida, não com a burguesia, mas com os explorados e oprimidos, com a eliminação da exploração e da opressão. Não se trata de moderar as desigualdades sociais, mas de reduzi-las de forma radical, por intermédio da redistribuição e democratização da riqueza, portanto, da propriedade e do poder. A começar, por uma reforma agrária massiva, que elimine o monopólio da terra e a democratize radicalmente, e pela liberação radical dos micro e pequenos empreendimentos e a elevação da renda das grandes massas assalariadas.

Trata-se, portanto, de romper com o tipo de nação que veio sendo construída, desde as primeiras décadas do século XIX, e criar um novo tipo. Uma nação de transição socialista, que se integre ao mundo, mas tenha como parâmetros os interesses das classes trabalhadoras, seus direitos básicos de vida, e a construção de uma sociedade em que todo o povo tenha um padrão de vida material e culturalmente elevado.

Conclusões

Apesar disso, O próximo passo e A opção brasileira são instigantes. Obrigam-nos a raciocinar, a buscar argumentos, a estudar as realidades brasileiras e suas conexões com a história e a atualidade mundiais do capitalismo. São uma contribuição inestimável ao debate sobre os caminhos e opções do Brasil.

Não vale a pena nos determos nos preconceitos e na leitura enviesada de O próximo passo a respeito da esquerda. Tanto nele quanto em A opção brasileira encontram-se inúmeras idéias, sugestões e propostas que podem ser úteis à transição da sociedade capitalista brasileira para uma sociedade em que a exploração e a opressão econômica, social e política não sejam necessidades inerentes ao modo de produção e de vida. Aproveitemos.

Wladimir Pomar é jornalista e membro do Conselho de Redação de TD.