Nacional

Iniciada oficialmente a campanha eleitoral à Presidência, Lula fala de suas expectativas em caso de vitória, de seu vice, José Alenca, e defende a política de alianças aprovada pelo Diretório Nacional do PT

Faltam cerca de dois meses para o primeiro turno. Como enfrentar a ação dos mercados e as “turbulências” na economia nesse período e, ainda mais, entre o primeiro e o segundo turno, e em caso de vitória, até a posse em primeiro de janeiro? Não há um risco de o sistema financeiro levar o país a uma situação semelhante à da Argentina nesse período?

O governo FHC brincou com fogo, e quase incendeia o país. Tentou usar a vulnerabilidade da nossa economia – que ele mesmo gerou – para fazer terrorismo eleitoral contra a oposição, e se deu mal. Infelizmente, aposta na teoria do “quanto pior, melhor”, achando que o único jeito de enfrentar as candidaturas de oposição é meter medo na sociedade. O que ele não pode esquecer é que até o dia 31 de dezembro de 2002 o presidente da República continua sendo Fernando Henrique Cardoso. E que ele e sua equipe econômica é que têm de ter responsabilidade e evitar que a especulação financeira derrube o nosso país.

Nós não precisamos provar para nenhum investidor estrangeiro as nossas responsabilidades, porque já demonstramos isso em nossas administrações. É preciso que eles saibam que o PT não governa pouca coisa neste país. Governamos praticamente 50 milhões de brasileiros, em cinco estados da Federação, sete capitais e grande parte das cidades com mais de 200 mil habitantes – e não vamos aceitar que ninguém que viva da especulação venha dizer como é que devemos governar para resolver os problemas do Brasil.

Quanto à crise da Argentina, os fatores estruturais estão na adoção de uma política econômica neoliberal que vinha sendo elogiada pelas elites conservadoras em todo o mundo: abertura indiscriminada do mercado interno, venda de patrimônio nacional, desmantelamento de políticas industriais e sociais, endividamento externo e subordinação às exigências dos organismos multinacionais de crédito. A situação atual é decorrente desses fatores, em especial da lei de conversibilidade. Em conseqüência, a Argentina deixou de crescer há muito tempo, aumentando o desemprego, a pobreza e a exclusão social. Isso em um país que já teve o mais alto padrão de desenvolvimento social da América do Sul.

Se o Brasil corre perigo de "contágio" é porque o governo FHC tem seguido políticas semelhantes e também gerou enorme endividamento, aumentando a vulnerabilidade externa do nosso país. Nesse sentido, estamos todos no mesmo barco e o governo brasileiro deveria tomar medidas concretas de solidariedade e não ficar no plano da retórica, tentando aproveitar a crise do país vizinho e a nossa, de responsabilidade dele mesmo, para tentar fazer terrorismo eleitoral contra a oposição, aumentando a instabilidade da economia e favorecendo especuladores.

O PT encaminhou uma proposta de criar temporariamente uma câmara de compensação comercial que permitiria preservar o comércio bilateral, aceitando o pagamento em moedas real/peso que teriam conversão imediata. Há outras medidas que poderiam ser tomadas. É uma questão de visão estratégica e de vontade política.

Qual o papel que desempenhará na história do Brasil um possível governo Lula?

Tenho consciência de que se tratará de uma mudança histórica, com grande influência na América Latina e mesmo na geopolítica mundial. Luís Fernando Veríssimo, em uma de suas crônicas sempre bem-humoradas, comentou isso no início deste ano no jornal Zero Hora. Disse que a minha vitória vai significar uma mudança de era: da era dos Braganças para a dos Silvas. Representantes de elites conservadoras já nos governam há muito tempo. O Brasil precisa dar uma chance a um representante da grande maioria do povo.

Eleger um governo petista significa acabar com a miséria e com a fome que ainda castigam quase 50 milhões de pessoas em nosso país. Significa possibilitar que a grande maioria do povo brasileiro obtenha cidadania, que os jovens não tenham que enfrentar as incríveis dificuldades que eu e tantas pessoas passamos na vida. Melhorar o Brasil significa mudar de rumo, afastando o nosso país da situação de vulnerabilidade a que foi levado pela atual política econômica. Significa retomar o desenvolvimento com distribuição de renda e justiça social.

Isso não é pouco em termos históricos. É a retomada de um projeto de Nação. É por isso que o Brasil precisa de um presidente da República que tenha liderança política e capacidade de negociação para realizar esse novo contrato social. Todo mundo sabe que comecei a formar as minhas convicções políticas e a desenvolver a minha capacidade de negociação defendendo a democracia nas duras condições do regime militar. Ajudei a fundar o Partido dos Trabalhadores, com o objetivo de criar uma alternativa concreta de cidadania para todo o povo brasileiro. Fiz isso juntamente com outros sindicalistas, intelectuais, políticos, representantes de movimentos sociais, pequenos e médios empresários, lideranças rurais e religiosas. Dois anos depois, fundamos a CUT, que mudou a história do sindicalismo brasileiro.

Fico imaginando o que seria o exercício da democracia hoje no Brasil se não existisse um partido como o PT, que é o maior e mais importante partido democrático de esquerda de toda a América Latina.

Deixei claro na Carta ao Povo Brasileiro, entregue à nação recentemente, que será necessária uma lúcida e criteriosa transição entre o que temos hoje e aquilo que a sociedade reivindica. O que se desfez ou se deixou de fazer em oito anos não será compensado em oito dias. O novo modelo não poderá ser produto de decisões unilaterais do governo, tal como ocorre hoje, nem será implantado por decreto, de modo voluntarista. Será fruto de uma ampla negociação nacional, que deve conduzir a uma autêntica aliança pelo país, a um novo contrato social, capaz de assegurar o crescimento com estabilidade. Para isso, vamos baixar os juros, incrementar as exportações e incentivar de modo planejado a substituição de importações, resolvendo a questão da extrema vulnerabilidade externa da economia brasileira. É nesse contexto que criaremos melhores condições para o cumprimento dos contratos firmados pelo atual governo, sem comprometer as metas sociais do nosso governo.

Quais serão as metas prioritárias de seu governo?

Na questão social está a verdadeira dimensão do desenvolvimento econômico que queremos para o nosso país. Essa é a nossa prioridade básica. Dela decorrem as outras às quais já me referi, como a de acabar com a fome, por exemplo.

Para isso, há a necessidade de retomar o crescimento da economia e do emprego, com distribuição de renda, mantendo a estabilidade macroeconômica, sobretudo o controle da inflação. É preciso, portanto, baixar os juros e realizar uma reforma tributária que desonere a produção, o que já prometi encaminhar ao Congresso no primeiro ano de mandato.

Um governo democrático e popular adotará incentivos à produção local, com redução de impostos e fornecimento de crédito mais barato para setores com potencial de crescimento e de exportação. Promoverá também uma substituição de importações planejada para, juntamente com as demais medidas, superar a atual vulnerabilidade externa de nossa economia. É preciso voltar a investir em infra-estrutura, em especial no setor energético para que possamos superar de vez o risco de apagões, além de melhorar e ampliar as nossas rodovias, portos e aeroportos. E isso pode e deve ser feito com o compromisso de manter a inflação sob controle. A defesa da estabilidade da moeda já é uma conquista do nosso povo.

É nesse contexto que criaremos melhores condições para o cumprimento dos contratos firmados pelo atual governo, sem comprometer as metas sociais do nosso governo.

O PL não tem sido, historicamente, um aliado do PT. Como se justifica agora esta coligação?

A questão das alianças políticas é fundamental para mudar o Brasil. O PT tem diretrizes de programa e tem história suficiente para derrotar as políticas neoliberais do governo FHC e mudar o rumo do Brasil. Essa é uma oportunidade histórica que está aberta às oposições. E terá conseqüências positivas não somente para o nosso país, mas também para toda a América Latina, como já disse. Surpreende-me que lideranças políticas progressistas tenham dúvidas sobre isso. Os conservadores, que estão no poder e querem conservá-lo, seguramente não as têm.

Isso é que é fundamental: qual é o programa de governo que dá base à aliança? Quem tem hegemonia? Queremos a união de todas as forças políticas que são contra as políticas neoliberais do governo FHC. Queremos a união de todas as forças políticas que desejam mudar de fato o Brasil. E isso inclui os partidos de centro, que são oposição ao governo. O centro, quando não se une à esquerda, não fica no centro – vai para a direita.

Além disso, de um ponto de vista pragmático, o PT ou qualquer outro partido, da oposição ou da situação, praticamente não tem chances de vencer sozinho as eleições presidenciais. Somente com uma ampla aliança que permita concorrer com grande chance de ganhar e, depois, de governar bem, podemos cumprir de fato as promessas de mudança, que não são poucas. São mudanças profundas, que sofrerão resistências sérias. O PT faz alianças contra a pobreza, o desemprego, a insegurança pública, o analfabetismo. Esse é o caráter político das alianças que queremos: para vencer as eleições, governar e mudar o Brasil.

Quem duvida de que o Brasil precisa mudar? Quem duvida de que há uma chance enorme de conseguirmos isso? Mas, para vencer e mudar, é preciso maturidade política e clareza de propósitos. Nossa aliança com o PL, com o PCdoB, com o PMN, com o PCB tem como base esse objetivo de mudança, de recolocar o Brasil no rumo do crescimento econômico, com distribuição de renda e com justiça social. E muita democracia e participação popular.

Quais os critérios que levaram à escolha do senador José Alencar para ser seu vice? Que papel se espera que ele desempenhe na campanha e num possível governo?

O senador José Alencar, que é o candidato a vice-presidente na minha chapa, é um homem íntegro, empresário bem-sucedido, que veio de baixo, como eu, defensor da indústria nacional e das mudanças que nós vamos fazer no Brasil. É a primeira vez na nossa história em que um partido e candidato dos trabalhadores está na cabeça da chapa presidencial e tem como vice um empresário de peso, apoiando um programa comum.

Como afirmei na resposta anterior, o PT ou qualquer outro partido, da oposição ou da situação, praticamente não tem chances de vencer as eleições presidenciais sozinho. Por isso, vejo a nossa aliança com o PL como uma necessidade política, na medida em que não foi possível ampliar mais as alianças à esquerda. De todo modo, há um programa de governo que dá base à aliança que fizemos. E o PL vota há quatro anos contra o governo Fernando Henrique no Congresso Nacional, ao lado das oposições. Alguns setores não-governistas do PMDB também estão conosco nessa empreitada. Ganha-se ou perde-se eleição por um voto. Não convém, portanto, subestimar nenhum apoio. Estou convencido de que o Brasil caminha para um importante momento histórico.

O senador José Alencar tem participado de modo muito positivo na campanha, e vem fazendo isso desde antes da formalização da nossa aliança. Ele tem falado para setores que ainda têm preconceitos contra o PT, inclusive setores empresariais, de forma muito clara e firme, defendendo nossas posições de programa de governo, e apresentando a minha candidatura a presidente da República como a única opção para um projeto de nação viável para o Brasil.

Apesar de diversos esforços, a esquerda e a centro-esquerda não estarão unidas no primeiro turno da eleição, diferentemente do que aconteceu em 98. Como criar as condições para que essa unidade se dê no segundo turno e no futuro governo?

É preciso fazer uma campanha de alto nível, combatendo as baixarias, os dossiês sem base, o denuncismo e o uso da poderosa máquina do governo contra as oposições. Uma campanha com base em propostas e voltada também para aumentar a consciência política do povo brasileiro. Entre os candidatos e partidos de oposição deve haver no mínimo um pacto de não-agressão e a construção de condições para que estejamos juntos no segundo turno, se houver, ou, certamente, no futuro governo.

Temos um projeto para o Brasil, amplo, que vai contar com o apoio da grande maioria do povo brasileiro. Queremos portanto a união de todas as forças que desejam mudar de fato o Brasil. E isso inclui tanto os partidos de esquerda como os de centro, que são oposição ao governo.

Ricardo de Azevedo é editor de Teoria e Debate.

Rose Spina é editora- assistente de Teoria e Debate.