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É papel do Estado assumir o ônus de ser aquele que contraria interesses imediatos

Na década de 1960, uma grande mudança tecnológica e metodológica marcou a história da agricultura no mundo. Os resultados prometidos eram tão significativos que ficou conhecida como “revolução” – a Revolução Verde. Até hoje há discussões e polêmicas em torno de seu custo-benefício social, econômico e ecológico. Mais de quarenta anos depois, ela nos faz lembrar que, diante de inovações tecnológicas que num primeiro momento se mostram extremamente atrativas do ponto de vista da produção, há sempre um conjunto de outros fatores que nos remetem a avalia­ções e cuidados que devem ir além do curto prazo. Esses fatores envolvem questões sociais e ambientais cuja complexidade demanda atitudes indispensáveis de mediação por parte do Estado, frente à lógica própria do mercado.

Nestes tempos de polêmica sobre os transgênicos, nunca é demais pensar nas responsabilidades do Estado frente a estratégias mercadológicas alavancadas por tecnologias novas e importantes, porém em estágios de desenvolvimento que, se apontam horizontes muito promissores de um lado, de outro mantêm uma razoável zona de incertezas sobre os efeitos de sua aplicação.

A história da luta socioambientalista no mundo mostra inúmeros exemplos de danos praticamente irreparáveis causados pelo açodamento na obtenção de resultados de curto prazo, à custa de forte intervenção nos processos naturais, sem as devidas medidas acauteladoras. Sabemos também que, muitas vezes, números e promessas de lucros num primeiro momento enchem os olhos de segmentos interessados, mas depois redundam em enormes custos sociais e ecológicos, pagos por toda a sociedade.

Faz parte do papel do Estado, assim, assumir o ônus de ser aquele que contraria interesses imediatos e preserva sua capacidade de avaliar determinadas situações de previsível impacto ambiental significativo, mesmo que não totalmente dimensionado, e agir autonomamente. A análise das vantagens e desvantagens efetivas de determinadas tecnologias e metodologias produtivas não pode se restringir ao horizonte de um governo ou daqueles segmentos que pressionam com base em demandas que podem ser legítimas, mas não são únicas. Para o Estado, até mesmo as futuras gerações devem ser sujeitos de direito hoje, devem estar também “presentes” à mesa de negociações.

Na década de 1960, uma grande mudança tecnológica e metodológica marcou a história da agricultura no mundo. Os resultados prometidos eram tão significativos que ficou conhecida como “revolução” – a Revolução Verde. Até hoje há discussões e polêmicas em torno de seu custo-benefício social, econômico e ecológico. Mais de quarenta anos depois, ela nos faz lembrar que, diante de inovações tecnológicas que num primeiro momento se mostram extremamente atrativas do ponto de vista da produção, há sempre um conjunto de outros fatores que nos remetem a avalia­ções e cuidados que devem ir além do curto prazo. Esses fatores envolvem questões sociais e ambientais cuja complexidade demanda atitudes indispensáveis de mediação por parte do Estado, frente à lógica própria do mercado.

Nestes tempos de polêmica sobre os transgênicos, nunca é demais pensar nas responsabilidades do Estado frente a estratégias mercadológicas alavancadas por tecnologias novas e importantes, porém em estágios de desenvolvimento que, se apontam horizontes muito promissores de um lado, de outro mantêm uma razoável zona de incertezas sobre os efeitos de sua aplicação.

A história da luta socioambientalista no mundo mostra inúmeros exemplos de danos praticamente irreparáveis causados pelo açodamento na obtenção de resultados de curto prazo, à custa de forte intervenção nos processos naturais, sem as devidas medidas acauteladoras. Sabemos também que, muitas vezes, números e promessas de lucros num primeiro momento enchem os olhos de segmentos interessados, mas depois redundam em enormes custos sociais e ecológicos, pagos por toda a sociedade.

Faz parte do papel do Estado, assim, assumir o ônus de ser aquele que contraria interesses imediatos e preserva sua capacidade de avaliar determinadas situações de previsível impacto ambiental significativo, mesmo que não totalmente dimensionado, e agir autonomamente. A análise das vantagens e desvantagens efetivas de determinadas tecnologias e metodologias produtivas não pode se restringir ao horizonte de um governo ou daqueles segmentos que pressionam com base em demandas que podem ser legítimas, mas não são únicas. Para o Estado, até mesmo as futuras gerações devem ser sujeitos de direito hoje, devem estar também “presentes” à mesa de negociações.

Essa é a responsabilidade inalienável que está em jogo quando o governo do presidente Lula constrói sua política para os transgênicos a partir de cautelas necessárias. Não se trata de uma suposta atitude ideológica ou obscurantista diante de conquista científica e inovação tecnológica. Inexistem razões para sermos ideologicamente contra os transgênicos. Mas existem razões de sobra para avaliarmos com cuidado todos os componentes que devem informar a decisão de adotá-los ou não no país.

Diante da magnitude do interesse social, econômico e ambiental envolvido, não há por que nos curvarmos à ansiedade do mercado. E nem podemos manter a estratégia de dubiedade que marcou o trato do problema no governo anterior, gerando impasses que estão sendo enfrentados neste primeiro semestre da gestão do presidente Lula.

Coerente com uma de suas diretrizes – a transversalidade –, o governo criou, em 21 de fevereiro, a Comissão Interministerial encarregada de, à luz do Princípio da Precaução, avaliar e apresentar propostas para tornar efetiva a ação governamental, harmonizar a legislação que trata das competências dos órgãos e entidades federais e examinar outros temas relacionados à bios­segurança da manipulação e uso de organismos geneticamente modificados (OGMs), também chamados de transgênicos.

O Princípio da Precaução tem quatro componentes básicos, que podem ser assim resumidos: 1) a incerteza passa a ser também considerada na avaliação de risco; 2) o ônus da prova da avaliação de risco cabe ao proponente da atividade; 3) na avaliação de risco, um número razoável de alternativas ao produto ou processo deve ser considerado; 4) para ser precaucionária, a decisão deve ser democrática, transparente e ter a participação dos interessados no produto ou processo.

Dada sua importância e alcance, este princípio foi incorporado no decreto de criação da Comissão Interministerial que avalia a questão dos transgênicos. Tal princípio deverá, a partir de agora, nortear as ações políticas e administrativas do governo neste tema.

A Comissão Interministerial apresentou ao presidente da República propostas encaminhando várias questões relativas aos OGMs, há muito pendentes: comercialização da safra da soja 2003 (resolvida pela Medida Provisória 113); garantia da informação da natureza transgênica nos rótulos ou etiquetas de alimentos (resolvida pela edição do Decreto 4.680); adesão do Brasil ao Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (mensagem encaminhada ao Congresso Nacional); elaboração da Política Nacional sobre Biossegurança e harmonização da legislação que trata das competências dos órgãos e entidades federais (ambas em andamento).

Essa é uma nova estratégia para abordar e resolver os inúmeros desdobramentos do caso transgênicos. Ela supõe coragem para enfrentar ataques e pressões e seriedade para negociar abertamente, levando em conta todos os interesses legítimos envolvidos. E se baseia, além de no já citado Princípio da Precaução, na formação de consenso entre os vários ministérios que se ocupam do tema.

A Comissão Interministerial ainda tem muito a fazer, a exemplo da elaboração da Política Nacional de Biossegurança, os ajustes necessários à harmonização da legislação, sobretudo aquela relacionada às competências dos órgãos federais e a capacitação de técnicos, em especial os vinculados aos órgãos de registro e fiscalização, nas esferas federal e estadual.

Essa tarefa do Estado se justifica e se impõe tanto pelo potencial advindo da capacidade da engenharia genética em modificar drasticamente características genéticas das espécies e reprogramar a vida dos organismos quanto pelos riscos inerentes aos produtos originados dessas tecnologias, em sua grande maioria, de conseqüências ainda desconhecidas.

Em relação às plantas transgênicas, é possível afirmar que o conhecimento científico, em seu estágio atual, não possibilita prever os efeitos de sua utilização na saúde, no meio ambiente e nas diferentes facetas da cadeia produtiva. Isso significa que estamos longe de entender adequadamente todas as implicações do uso dos transgênicos, fato que, por precaução, nos induz a uma posição de redobrada responsabilidade.

As preocupações relativas à segurança da liberação no meio ambiente de transgênicos são pertinentes e não podem ser ignoradas ou subavaliadas. Se, por um lado, o uso dessas técnicas acena para a resolução de problemas e para o desenvolvimento de inúmeros produtos, por outro traz embutidas questões que precisam ser corretamente dimensionadas, tendo em vista o interesse da sociedade brasileira presente e futura.

Por esse motivo está consolidada, no âmbito do governo, a necessidade de licenciamento ambiental dos transgênicos, requisito indispensável para atividades ou empreendimentos potencialmente causadores de significativo impacto ambiental. O Licenciamento Ambiental, conforme previsto na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (6.938/81), foi especificamente normatizado para organismos transgênicos pela Resolução 305/02. Aprovada pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente, após ampla consulta aos diversos setores da sociedade, a resolução está ba­seada nos dispositivos legais e nos Princípios da Precaução, da Participação Pública, da Publicidade e da Garantia de Acesso à Informação.

Os Termos de Referência e as demais diretrizes de licenciamento ambiental foram elaborados e já estão disponíveis, bem como as normas de registro para que empresas e instituições públicas possam obter licenças para a realização de pesquisas.

O MMA defende que, na análise e discussão das solicitações encaminhadas aos órgãos públicos, devam ser considerados os princípios acima mencionados e ainda a qualidade dos dados científicos, a biossegurança das atividades e/ou empreendimentos com OGMs e a relevância dos avanços no conhecimento científico nesse campo.

Nesse contexto, os Estudos de Impacto Ambiental, um dos instrumentos do Licenciamento, apresentam duas importantes características. De um lado, permitem que a análise de risco tenha caráter técnico-científico, com base no qual o órgão ambiental toma decisões; de outro, promovem o avanço no conhecimento.

Conseqüentemente, o cumprimento da legislação propicia a realização de novas pesquisas.

A análise de risco ambiental, conduzida pelo órgão ambiental competente, é realizada caso a caso e passo a passo. As características de cada organismo transgênico e a fase de pesquisa do produto são determinantes na definição dos estudos a ser conduzidos e nos níveis de contenção aplicados.

A precaução do MMA em relação aos transgênicos decorre, também, das lições do passado. Uma vez mais, os maiores prejudicados pelo uso e manipulação desses produtos são aqueles que não participam da tomada de decisões, notadamente os pequenos agricultores e os consumidores. Os custos dos impactos adversos da utilização desses produtos são pagos pela sociedade, e não pelos detentores da tecnologia.

Avançar na liberação indiscriminada no meio ambiente de produtos resultantes da engenharia genética sem as devidas precauções, já previstas na legislação, é uma temeridade, uma vez que o cultivo de plantas transgênicas poderá provocar a disseminação de transgenes, cujos efeitos, particularmente sobre os componentes da biodiversidade, são difíceis de estimar e podem tornar-se irreversíveis.

O foco da discussão deve, portanto, sair da questão da tecnologia e se concentrar na biossegurança, já que o problema real aparece após o transgênico ser produzido. A discussão levada a efeito, atualmente, contém inúmeros equívocos. O plantio de transgênicos no Brasil vem sendo associado mais uma vez, como já ocorrera na Revolução Verde e em outras ocasiões, à eliminação da fome. Ora, sabemos que temos aí duas ordens de problemas. A eliminação da fome e da situação de miséria que afetam milhares de brasileiros será feita por meio de políticas públicas determinadas a atingir esse fim, que, por sua vez, só será alcançado com o apoio de toda a sociedade. E, mais uma vez, as empresas interessadas na referida liberação – dispensando a necessária precaução que o atual estágio de conhecimento sobre os efeitos da tecnologia impõe – não se pautam por essas causas, seja aqui, seja em outros países.

O Estado existe para fazer a mediação. Se de um lado os interesses de mercado são legítimos, dentro de um conjunto de regras, de outro, em seu propósito de maximização do lucro, podem vir a ser destrutivos a ponto de se tornarem fator de dano e desequilíbrio social. Isso tende a ocorrer sempre que o Estado se omite e não cumpre seu papel.

Entendemos que os cultivos transgênicos poderão ser adotados futuramente em nosso país; não há contra eles, de parte do governo, uma posição ideológica, que poderia ser vista como obscurantista. Ao contrário, somos favoráveis à pesquisa sobre OGMs no Brasil, dentro da realidade ecológica de nossos biomas. O que não pode acontecer é um açodamento que nos leve a introduzir aqui um cavalo de Tróia que traga em seu ventre problemas ambientais e perda de autonomia e potencialidade de mercado independente para nossa agricultura.

Quando há motivos para suspeitar de ameaças de sensível redução ou perda de biodiversidade ou, ainda, de riscos à saúde, a falta de evidências científicas não deve ser usada como razão para evitar a tomada de medidas preventivas ou para se curvar ao fato consumado. Estudos conduzidos em outros países, cuja biodiversidade é profundamente diferente da nossa, em geral mais pobre, devem ser utilizados com a devida cautela.

Assim, por se tratar de nova tecnologia e considerando as incertezas em face do reduzido conhecimento científico a respeito dos riscos dos OGMs, torna-se indispensável que a liberação de plantas transgênicas para plantio e consumo, em larga escala, seja precedida de uma análise criteriosa de risco e licenciamento ambiental, respaldada em estudos científicos, conforme prevê a legislação vigente. Além disso, a decisão deverá levar em conta a pertinência do ponto de vista econômico, da dimensão social, da diversidade cultural, e o contexto geopolítico global. Essa é a posição do governo brasileiro e, caso não fosse esse seu comportamento, poderia e deveria ser questionado pela sociedade por negligência e omissão.

Marina Silva é ministra do Meio Ambiente