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Considerado a terceira revolução educacional no país, uma vez que a primeira foi a criação da escola pública e a segunda a universalização do ensino fundamental

A decisão do presidente Lula de autorizar a criação do Fundo da Educação Básica (Fundeb) no Brasil é, sem dúvida, uma iniciativa revolucionária e, portanto, capaz de fazer com que o país tenha, nos próximos dez anos, um sistema de educação básica de boa qualidade. De acordo com o projeto, o Ministério da Educação (MEC) vai destinar, nos próximos dez anos, R$ 38,2 bilhões – em valores de 2005 – de novos recursos da União para a educação infantil, o ensino fundamental e o médio e a educação de jovens e adultos. Com isso, 18,2 milhões de alunos de escolas públicas municipais e estaduais dos 1.922 municípios mais pobres do país, que registram o menor índice de escolaridade, serão diretamente beneficiados com a ação.

A criação do Fundeb pode ser considerada uma vitória da sociedade e de todos os segmentos que participaram da elaboração e das discussões relativas a esse projeto. Mas é necessário dizer que a instituição do fundo também é uma vitória do governo, que afirma a educação como prioridade entre as políticas de inclusão social. O Fundeb foi um compromisso de campanha assumido pelo presidente Lula e corrigirá uma grave distorção no sistema educacional brasileiro, que veda o ingresso no ensino médio de 70% das crianças que cursam o ensino fundamental. Por isso, arriscamos dizer que o Fundeb será a terceira revolução educacional no país, considerando-se que a primeira veio com Anísio Teixeira, ao criar a escola pública, e a segunda com a universalização do ensino fundamental.

O Fundeb será constituído progressivamente por 20% de uma cesta de impostos de estados e municípios e de uma complementação da União. Vai atender 48 milhões de alunos da educação básica (infantil, fundamental e médio), segundo o Censo Escolar de 2004, movimentando por ano R$ 50 bilhões. O principal reforço será dado aos dez estados com os piores indicadores socioeducacionais do país: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pará, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte. Nesses estados, 1.922 municípios atendem 18,2 milhões de alunos, 38% dos 48 milhões que cursam a educação básica. Dos 18,2 milhões de estudantes, 6 milhões estão em escolas estaduais e 12,2 milhões na rede pública municipal.

Nos quatro anos da transição previstos para o período 2006-2009, os recursos federais somarão R$ 12,4 bilhões, assim distribuídos: R$ 1,9 bilhão em 2006; R$ 2,7 bilhões em 2007; R$ 3,5 bilhões em 2008; e R$ 4,3 bilhões em 2009. Entre 2010 e 2015, a complementação da União somará R$ 25,8 bilhões, o que corresponde a uma injeção de recursos federais fixos da ordem de R$ 4,3 bilhões por ano. Só em complementações salariais para os educadores o Fundeb aportará, em recursos da União, em dez anos, aproximadamente R$ 18 bilhões, já que 60% dos recursos oriundos da União serão destinados a essas despesas.

Um estudo do MEC, que sustenta a criação do Fundeb, demonstra que a média nacional de investimento por aluno/ano, a partir do novo fundo, será de R$ 984,21. Os dez estados mais pobres só conseguirão investir R$ 594,82 por aluno, enquanto as outras dezessete unidades da Federação que não recebem complementação vão investir R$ 1.212,93. É para corrigir essas desigualdades que a União vai se comprometer com repasses crescentes até atingir, ao final de quatro anos, os R$ 4,3 bilhões anuais. Para definir quem são e onde estão os estudantes que mais precisam de reforço financeiro para melhorar o desempenho na escola, o MEC utilizou os dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), realizado em 2003, que avaliou o desempenho de alunos da 4ª e da 8ª série do ensino fundamental e da 3ª série do ensino médio. O Saeb indica que o aproveitamento escolar em Português e Matemática dos alunos dos dez estados mais pobres ficou abaixo da média nacional, ao passo que os alunos dos outros tiveram desempenho acima da média.

Quando o MEC comparou a escolaridade dos alunos, verificou uma redução do número de anos de estudo entre os municípios mais pobres. A média brasileira é de 6,3 anos, mas nesses estados a população tem 4,9 anos de estudo.

A promulgação da atual Constituição brasileira foi ponto de partida para a elaboração de uma série de normas legais que vem progressivamente exercendo impacto positivo no setor educacional, sob a forma de avanços sobretudo quantitativos. Embora nos últimos dez anos o Brasil tenha registrado sensíveis melhoras em relação à expansão da matrícula e a participação da educação no PIB tenha sofrido ligeira elevação, passando dos 3,8% em 1994 para os cerca de 5% atuais, ainda assim é necessário criar condições que assegurem a universalização do direito de acesso da população escolarizável a todos os níveis da educação básica, com eqüidade e qualidade. Esta permanece uma meta a ser alcançada. Entre a 1ª e a 8ª série do ensino fundamental, público e obrigatório, há ainda cerca de 1 milhão de crianças fora da escola.

Para completar a gravidade do quadro, dados de pesquisas realizadas pelo Saeb mostram ainda que os avanços relativos às matrículas nas diversas etapas da educação não foram acompanhados por um desenvolvimento qualitativo da educação ofertada. Pode-se dizer que não foram nem mesmo acompanhados da necessária eqüidade na oferta de educação entre os brasileiros em sua diversidade regional, racial e étnica, localização urbana ou rural, e em sua vinculação ao ensino público ou privado, conforme sugerem informações recentes do IBGE sobre indicadores sociais.

Sem adotar uma visão autoritária de “choque” e sem cair na tentação neoliberal do “foco” – que privilegia apenas um nível do conjunto, em detrimento da educação como “processo” e “sistema” –, o MEC entende que o Fundeb é um retrato fundamental do avanço democrático-republicano que o governo Lula está imprimindo à educação brasileira.

Tarso Genro é ex-ministro da Educação