Nacional

Como traços marcantes trazem a amplitude e riqueza de informações, importantes para o debate eleitoral

Aproxima-se a eleição presidencial, talvez a mais disputada na história do país. A reeleição de Lula parece significar um golpe mortal nos que sempre detiveram o poder governando para seus interesses e dos grupos econômicos que lhes deram sustentação. Dois livros recentemente editados, Brasil – Primeiro Tempo, de Aloizio Mercadante, e Um Retrato do Brasil – Balanço do Governo Lula, de José Prata Araújo, analisam de forma objetiva e competente realizações do governo Lula e de FHC, sob o enfoque econômico, político e social.

Como traços marcantes trazem a amplitude e riqueza de informações, importantes para o debate eleitoral, além de relevante registro histórico de exercício do poder vinculado às necessidades das camadas excluídas da população.

 

Não se furtam a avaliar criticamente o atual governo. No campo da ética, reconhece Mercadante que o mais “grave erro foi errar naquilo em que não tínhamos o direito de errar”. No campo econômico, diz Prata que “o governo Lula perdeu a chance de acelerar o crescimento econômico em 2005”, por restrições impostas pela política monetária que continuou a privilegiar o rentismo, reduzindo a força de programas de redistribuição de renda e de geração de empregos.

As análises comparativas entre os governos permitem constatar suas diferenças e refutar argumentos de que os bons feitos do governo Lula decorrem das realizações do governo anterior: continuidade da política econômica e dos programas sociais. Em destaque, alguns pontos que distinguem os projetos em disputa.

Um dos pontos fortes do governo Lula é a política externa. O país saiu de uma posição passiva e dependente do eixo Estados Unidos– Europa para uma ampliação de sua ação diplomática e comercial com países em desenvolvimento, cujo fato marcante foi a liderança assumida pelo Brasil para a constituição do G-20, grupo de países que atuam na defesa do interesse comum de expansão da comercialização de produtos agrícolas, contra o protecionismo americano e europeu.

Marcante também foi o fortalecimento da integração da América do Sul, pela fundação da Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa), em dezembro de 2004, que, segundo Mercadante, “permitirá consolidar uma aliança econômica que abrange uma população de mais de 350 milhões de habitantes e um PIB de cerca de US$ 2,6 trilhões”.

Tais políticas contribuíram para um aumento das exportações em escala sem precedentes no país. Entre 2002 e 2005 passaram de US$ 60,4 bilhões para US$ 118,3 bilhões, com crescimento de 96%, com os preços contribuindo com 37,2% e a quantidade, com 62,8%.

A abertura de novos mercados também favoreceu essa expansão. Em 2002 o eixo Estados Unidos–Europa absorveu 51,2% de nossas exportações e em 2005, 41,6%. A média anual de crescimento das exportações no período do governo anterior foi de 4,2% e no mundo, de 5,2%; no governo Lula, foi de 25,1% e, no mundo, de 17,2%.

Cresceram o endividamento e a vulnerabilidade externa pela política anterior, que apostou todas as fichas no capital estrangeiro e importou, sem divisas suficientes para pagar. Essa aventura faliu o país, abrindo um rombo de US$ 186,2 bilhões nas contas externas, entre 1995 e 2002. Desde 2003 essas contas passaram a ser superavitárias, acumulando, até 2005, US$ 30,1 bilhões. Com isso, a dívida externa passou de US$ 210,7 bilhões em 2002 para US$ 168,9 bilhões em 2005 e as reservas internacionais líquidas, de US$ 16,3 bilhões no final de 2002 para US$ 66,8 bilhões em julho de 2006.

O risco país, que mede a confiança dos investidores externos, caiu de 2.436 pontos em setembro de 2002 para 220 pontos em julho último. A dívida remanescente, de US$ 15,4 bilhões, com o FMI foi quitada por antecipação.

Quanto às contas internas, no governo anterior ocorreu um déficit médio anual de 7,1% do PIB e no triênio 2003-2005 essa média foi reduzida para 3% do PIB. A dívida líquida, que no início de 1995 registrou seu nível mais baixo desde 1981 – 30,4% do PIB –, subiu para um de seus níveis mais altos, 55,5% no final de 2002, e em junho último já havia refluído para 50,3%.

Os autores apontam as altas taxas de juros praticadas há décadas como a causa central dos problemas fiscais. Durante o governo FHC foram em média 15,9% ao ano e de 2003 a 2005, 11,2%. Em julho de 2006, apesar de a Selic registrar seu nível mais baixo em 32 anos, a taxa real ainda estava acima de 10%. Segundo a revista The Economist (março 2006), os países emergentes apresentam taxas nominais médias de 6,5% e reais de 1,5%. A justificativa do Banco Central para essa política é manter o controle inflacionário, que seria garantido pela taxa de câmbio, que reduz os preços dos produtos importados, impondo limite às remarcações de preços internos.

No que diz respeito à carga tributária, a mídia não poupou ataques ao governo Lula durante os dois últimos anos em que esta se elevou de forma mais branda do que no governo anterior, quando sofreu o maior crescimento da história. De 1970 a 1993 se manteve em torno de 25% do PIB, crescendo ano a ano até alcançar 35,6% em 2002, ou 1,18 ponto percentual por ano. Em 2005 alcançou 37%, que correspondeu a 1,4 ponto percentual nos três anos do governo Lula – 0,47 por ano.

Quanto a inflação e emprego, os autores trazem igualmente informações relevantes. A estabilização dos preços é um dos maiores benefícios para a população. Preserva seu poder de compra e não deteriora a distribuição de renda. Na gestão tucana a inflação média anual medida pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPC) foi de 10%. No triênio 2003-2005 foi de 7% e nos últimos doze meses encerrados em junho havia caído para 1,35%, abaixo da inflação dos países desenvolvidos, que supera os 2%.

Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados do Ministério do Trabalho (Caged), durante os oito anos de FHC foram criados 797.047 empregos com carteira assinada e nos três primeiros anos de Lula, 3.422.690.  Considerando médias anuais, temos 99.631 e 1.140.897, respectivamente, ou seja, o governo atual criou 11,5 vezes mais postos de trabalho que seu predecessor, embora devam ser consideradas mudanças metodológicas introduzidas no Caged em 2002, que parecem ter impacto limitado sobre os resultados registrados.

Perspectivas e eleições

Os autores convergem na avaliação de notável melhora nos fundamentos macroeconômicos e nos programas sociais durante os três primeiros anos do governo Lula. Reconhecem que estamos longe de alcançar os anseios e necessidades da população, mas são consensuais as análises das condições positivas para um desenvolvimento sustentado nos próximos anos. E que um segundo mandato de Lula poderá consolidar tais perspectivas.

De fato, ainda são pouco explorados o extraordinário potencial humano e os fatores de produção disponíveis no país. As exportações podem crescer pela continuidade da conquista de mercados emergentes e pela agregação de valor às mercadorias nacionais.

Por sua vez, a expansão do crédito, com a redução das taxas de juros, a recuperação gradual do poder de compra do salário mínimo e a ampliação dos programas sociais darão seqüência ao aumento do emprego e da renda, com crescimento da massa salarial. A expansão do consumo das famílias induz as empresas a investir, gerando mais empregos e mantendo o equilíbrio entre oferta e procura.

Tudo aponta para a manutenção de baixas taxas de inflação, fenômeno que vem ocorrendo pela crescente concorrência internacional, resultando em redução da inflação nos países emergentes, de uma média de 19% ao ano em 1995 para 5% atualmente. O Brasil acompanhou esse processo.

Nossa auto-suficiência energética nos garante posição privilegiada num contexto internacional em que esse fator será importante para garantir custos competitivos a nossos produtos e expansão na sua oferta interna e externa, ao contrário dos principais países da Europa e de Estados Unidos, Japão e China, maiores consumidores de energia do planeta.

Resta avaliar que projeto de país estará em maior consonância com o aproveitamento dessa posição e do potencial estratégico do Brasil – e por essa razão as eleições deste ano assumem importância fundamental.

O projeto de cunho neoliberal defendido pelo PSDB-PFL prevê, no campo externo, o retorno ao alinhamento ao eixo Estados Unidos– Europa, com conseqüente afastamento da integração da América do Sul, majoritariamente conduzida por governos de matriz popular. No campo interno, defende a redução dos programas sociais, nova reforma da Previdência Social, desvinculando os benefícios do salário mínimo e aumentando a idade e o tempo de contribuição para a aposentadoria, como forma de ampliação dos investimentos. No plano do trabalho, propõe a desregulamentação das leis trabalhistas, para a redução dos custos da mão-de-obra. E, como forma de redução da taxa básica de juros, a extinção de créditos direcionados para habitação, agricultura e para fomento do BNDES.

O projeto do PT e partidos de esquerda prevê, no campo externo, a expansão das relações comerciais com os países emergentes, sem abandonar os mercados tradicionais do eixo Estados Unidos–Europa, o fortalecimento do  Mercosul e a consolidação da integração da América do Sul. No campo interno, a redução da taxa de juros, como principal fator de saneamento das contas públicas e estímulo ao crescimento econômico. No campo social, a defesa intransigente de direitos sociais conquistados, de políticas sociais redutoras da desigualdade social e o fortalecimento do Estado como indutor do progresso.

Uma questão não abordada pelos autores e presente na discussão dos projetos em disputa é a desvalorização cambial, como impulsionadora de exportações, emprego e desenvolvimento. Eis uma questão que merece aprofundamento e crítica.

O câmbio é conseqüência do vigor exportador brasileiro e do investimento direto estrangeiro, que irrigam no país US$ 30 bilhões por ano, muito mais do que as altas taxas Selic, que devem ser reduzidas aos níveis operados pelos  países emergentes (6,5%). Somente o crescimento do mercado interno, na forma como o governo vem atuando, será capaz de aumentar as importações e permitir a manutenção do câmbio nos níveis atuais, de modo a evitar as remarcações de preços praticadas quando o real se desvaloriza. A inflação corrói o poder de compra dos trabalhadores, reduzindo o consumo, a produção, o emprego e, conseqüentemente, o desenvolvimento do país.

Reiteramos, por fim, que a importância desses trabalhos está na análise comparativa que se propuseram a realizar, que extrapola os pontos aqui exemplificados.

Será positivo se induzirem outras discussões. Como estratégia eleitoral, a comparação em si é insuficiente. Os tucanos desvincularão seu candidato do governo FHC. Baterão na tecla de não olhar para o passado, mas para o futuro, e defenderão seu projeto como o melhor para o  desenvolvimento do país.

As realizações do governo Lula são argumentos para a reafirmação e consolidação de políticas que dão certo. Mas devem impulsionar o debate e gerar novas propostas de desenvolvimento social e econômico com justiça social.

Amir Kahir é mestre em Finanças Públicas pela FGV e consultor