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Aliança com o PMDB, o efeito Lula e o desejo de renovação levaram o PT ao governo do Estado

A vitória de Ana Júlia Carepa, do Partido dos Trabalhadores, ao governo do Pará encerra doze anos de controle do PSDB sobre a política local. Desde 1994 o PSDB vinha conduzindo uma ampla aliança envolvendo o PFL e uma gama de micro e pequenos partidos, consubstanciada na denominada “União pelo Pará”. Essa ampla aliança, de múltiplas tendências ideológicas (mas com predominância mais ao centro), conseguiu aglutinar inicialmente, nestas eleições de 2006, um conjunto de 122 prefeitos municipais, ou 85% dos mandatários locais.

Somente uma estratégia eleitoral bem elaborada poderia construir uma alternativa política real capaz de ameaçar a hegemonia tucana na política paraense. Assim, o PT e o PMDB, seguindo uma orientação comum estabelecida por suas direções nacionais, formularam uma estratégia eleitoral e política consubstanciada em dois momentos específicos: lançar candidaturas fortes eleitoralmente, com o objetivo de garantir o segundo turno; unir esforços capazes de disputar em igualdade de condições o pleito final. Paralelamente, a candidatura de Edmilson Rodrigues (ex-prefeito petista da capital), agora do PSOL, veio potencializar a votação das oposições na região metropolitana de Belém, ampliando as possibilidades de acirramento na disputa.

A tática eleitoral do PSDB foi centrada na prestação de contas de seus doze anos de governo. Já a das candidaturas de oposição concentrou-se na crítica à ausência de políticas sociais dos sucessivos governos tucanos, sobretudo nas áreas de educação, saúde e segurança, ancorada na palavra de ordem que exigia mudança na direção do governo local.

Atingida com sucesso, a estratégia oposicionista levou as eleições para o segundo turno, e a aliança PT-PMDB, encabeçada pela senadora Ana Júlia, acabou vitoriosa, tanto na região metropolitana como nos municípios do interior do estado, quebrando a hegemonia de doze anos do PSDB à frente do governo paraense. A tese aqui defendida é de que três variáveis, combinadas, tiveram um papel decisivo no resultado final da eleição: a aliança entre o PT e o PMDB , o “efeito Lula” e o sentimento genérico por mudança – dada a longa permanência no PSDB no poder local. O êxito da aliança PT-PMDB pode ser evidenciado a partir dos dados que se seguem.

No primeiro turno, o candidato Almir Gabriel venceu em 94 municípios, Ana Júlia em 45 (ou 49) e José Priante, do PMDB, em apenas 4. Não obstante, José Priante obteve mais de 9% dos votos em 62 municípios – preferência esta que migrou em seguida para Ana Júlia. No segundo turno, Almir só ganhou em 39 municípios, enquanto Ana Júlia saiu vitoriosa em 104. Ou seja, nos 62 municípios onde José Priante fora bem votado no primeiro turno, Almir Gabriel despencou das 40 vitórias iniciais para apenas 11, subindo Ana Júlia de 18 para 51.

O efeito da candidatura Lula, impulsionando a de Ana Júlia, é percebido quando analisamos a capilaridade das candidaturas no primeiro turno. Lula e Almir Gabriel foram os candidatos mais bem votados no primeiro turno, no Pará. Lula venceu em 96 municípios e Almir Gabriel em 94 – com Ana Júlia vitoriosa tão-somente em 49 municípios. A simetria da votação entre Lula e Almir, no primeiro turno, se deu em pelo menos 40 municípios.

No segundo turno, quando o debate nacional ocorreu em igualdade de condições e os projetos foram mais bem explicitados, os eleitores de Lula que haviam votado em Almir Gabriel no primeiro turno passaram a votar em Ana Júlia. Nos 40 municípios onde a votação de Almir Gabriel se aproximara da de Lula, o candidato tucano havia vencido em 27 e Ana Júlia em apenas 13. Já no segundo turno, com o acirramento dos debates políticos, a votação em Almir Gabriel se inverte: dos 27 municípios onde fora vitorioso, mantém-se o resultado em apenas 5, enquanto Ana Júlia sobe de 13 para 35 vitórias nesses mesmos municípios. No cômputo geral, Lula passa de 96 municípios, onde havia vencido no primeiro turno, para 120 no segundo. Já Ana Júlia salta de 49 para 104 – caindo Almir Gabriel de 94 para 39.

O efeito da onda pela mudança na política local que varreu o eleitorado paraense é demonstrado inequivocamente pelo fato de o voto em Almir Gabriel, no segundo turno, ter sido reduzido em 104 municípios em relação ao primeiro turno. Possivelmente, nesses municípios, parcelas significativas do eleitorado tenham exercitado, inicialmente, o voto estratégico no candidato tucano ainda sob o impacto da ampla coalizão comandada pelo ex-governador, com o apoio da máquina do Estado, assim como em função dos números das pesquisas eleitorais, que apontavam a vitória de Almir já no primeiro turno. A subida de Lula nas pesquisas do segundo turno e a forte campanha assumida pela militância petista, reforçada pela atuação peemedebista – sobretudo no oeste e sudeste paraense –, reverteram, então, as condições primeiras.

Ficando patente, dadas as alterações detectadas pelas novas pesquisas de intenção de voto, que uma mudança poderia ser possível, cristalizando-se, a partir daí, uma tendência à reversão da preferência do eleitorado e consolidando- se o sentimento de alternância no poder – afinal, as vantagens de um governo local afinado com o poder federal não deixa de ser uma motivação considerável, sobretudo quando, no consciente coletivo, restou evidente que a experiência de dissensão dos últimos quatro anos prejudicou visivelmente o estado do Pará.

A esses fatores principais podem ser somados outros, nem por isso irrelevantes, que certamente contribuíram, na sua medida, para a derrota tucana no Pará: uma certa divisão de interesses entre grupos dentro do próprio PSDB (impedindo uma maior unidade de campanha); a dificuldade de canalização de maiores recursos de apoio à campanha por parte do governo do estado, em face da nova legislação eleitoral e do maior controle da Justiça eleitoral; a perda de credibilidade do principal veículo de sustentação da campanha da situação, o Grupo Liberal, depois da sucessão de informações e matérias inverídicas por ele veiculadas, desmentidas pelo Instituto Verificador de Circulação (IVC) e por outros canais de comunicação; os escândalos de corrupção em setores do governo estadual, sob acusação pública das hostes oposicionistas.

A combinação de todos esses fatores, principais e secundários, forneceu os contornos de conjuntura que acabaram por favorecer a vitória petista, decretando o fim do projeto da coligação “União pelo Pará”, sob hegemonia do PSDB, e inaugurando uma nova perspectiva de governança, ainda a ser testada no tempo. Certamente revestida das dificuldades inerentes a uma coligação inédita em nível da política paraense (PT e PMDB), carregada de marcas e desavenças ideológicas e pragmáticas entre suas lideranças, no passado, e sujeita, entre outros condicionantes, aos desdobramentos da dinâmica da política nacional de sustentação do governo Lula e às orientações do Planalto, ao sabor do que poderá vir a ser o chamado “Governo de Coalizão Nacional” – ou coisa semelhante –, arena em que o PMDB terá peso decisivo.

Alex Fiúza de Mello e Edir Veiga são professores doutores do Departamento de Ciências Políticas da Universidade Federal do Pará.