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Está na hora de debater o tipo de crescimento econômico que as forças democráticas e populares querem para o Brasil

Existe a impressão de que a vitória de Lula e o crescimento eleitoral do PT foram assimilados pelas forças conservadoras. A prática, porém, parece diferente. Quem acompanha a mídia com o mínimo de olhar crítico vê que a maior parte dela realiza uma persistente operação de desgaste do governo e do PT. Qualquer erro é potencializado, e os acertos são transformados em assuntos duvidosos. Além disso, assiste-se a um frenético retorno das idéias neoliberais, procurando pautar os rumos do governo e das forças sociais e políticas.

Deixando de lado a tese de que crescimento gera inflação, pedra de toque dos oito anos do governo FHC, o retorno neoliberal aceita o crescimento como a palavra de ordem da agenda econômica. Não porque seja uma necessidade da sociedade brasileira, mas conseqüência das ações e discursos eleitorais do presidente Lula. Os neoliberais concordam com a identificação feita por Lula de que é preciso “destravar” o país. Mas acrescentam que tal agenda deve ser longa e penosa, não bastando ações expeditas do governo para resolvê-la.

Segundo eles, no Brasil existiriam falhas estruturais no arcabouço institucional, impeditivas do crescimento, a começar pela educação e pelas regras do jogo para os negócios. Exemplo emblemático das distorções das regras seriam as agências reguladoras e o marco regulatório, que não estimulariam o investimento privado. Sem este, e sem elevar a qualificação dos trabalhadores e a produtividade da economia, seria impossível obter maiores taxas de investimento e um crescimento sustentado.

Além disso, consideram que o Brasil se defronta ainda com a complexa questão da taxa de poupança. Esta estaria sendo desestimulada pelo que chamam de generosos sistemas de Previdência e pela alta carga tributária. Sem poupança interna, que possibilite altas taxas de investimento público para crescer, o Brasil teria de valer-se da absorção de poupanças externas, só possível com a oferta de taxas de retorno mais altas e ausência de problemas de regulação, direitos de propriedade, corrupção e obstrução dos canais de crédito.

Para os neoliberais, tais falhas e problemas deveriam ser o centro da discussão, e não as questões imediatistas da taxa básica de juros e do papel de um pouco mais de inflação para realizar o crescimento. Tais falhas e problemas, condensados no contrato social de 1988, condicionariam a existência de um Estado grande, com o papel de redistribuir renda. Papel que estaria sendo ampliado por pressões sociais irresistíveis, levando a um aumento rápido e distorcido dos gastos públicos e da carga tributária, com transferências de renda regressivas, elevado superávit primário e reduzido investimento público em infra-estrutura.

Para destravar o país e realizar o crescimento, os neoliberais consideram fundamental retomar a agenda de reformas do atual contrato social. A primeira e a segunda da lista seriam as reformas da Previdência e administrativa. A seguir, seria necessário aprofundar as reformas fiscal, trabalhista e tributária, avançar na desregulamentação da economia, dando independência às agências reguladoras, e retomar com força a política de privatizações.

História e omissões

A análise neoliberal olha a História sem relacioná-la a situações sociais e decisões políticas. Por exemplo, afirma que, de 1960 a 1980, a taxa de crescimento da geração elétrica foi, em média, de 10% ao ano, caindo para 3% de 1980 a 2000. Daí conclui que a situação teria piorado porque o governo Lula interrompeu as privatizações e aumentou as incertezas regulatórias, induzindo uma baixa participação privada no setor. Omite o principal: que a queda naquela taxa de crescimento ocorreu no período em que as idéias neoliberais e as privatizações se tornaram predominantes.

Ao avaliar o desempenho medíocre do crescimento brasileiro, os neoliberais afirmam que, nas últimas décadas, ao mesmo tempo em que os investimentos caíram, a arrecadação de impostos subiu de 25% para 38% do PIB, colocando sérios entraves ao crescimento, ao implicar grandes transferências de recursos do setor privado para o público. Omitem que o salto de 25% para 38% na carga tributária ocorreu na década de estagnação dos governos Collor e FHC, quando a receita neoliberal foi aplicada à risca. E que tal salto esteve relacionado à transferência maciça de recursos do setor público para o setor privado e do setor produtivo para o setor financeiro, em função das privatizações e do endividamento.

Os neoliberais vislumbram resultados positivos no processo de privatização. Para eles, haveria evidências empíricas de aumento de produtividade em empresas públicas depois de serem privatizadas. Mas desdenham as evidências empíricas de aumento da produtividade em empresas públicas não privatizadas, o que os obrigaria a admitir que a propriedade estatal não é obstáculo à elevação da produtividade. E omitem outros aspectos importantes das privatizações, o principal dos quais se refere à atração de capitais não para ampliar o parque produtivo nacional e adensar suas cadeias produtivas, mas para desindustrializar o país e aumentar o poderio oligopolista das corporações transnacionais sobre ele. Além disso, nunca é demais lembrar os criminosos financiamentos públicos às empresas compradoras dos ativos públicos, e o superendividamento resultante de um processo que foi implantado a pretexto de reduzir a dívida pública.

Os neoliberais também afirmam sem cessar que o ambiente de negócios é desfavorável ao setor privado, impedindo investimentos. Isso parece evidente se olharmos para a economia de empreendedores informais, para as economias familiares rurais, para as micro e pequenas empresas e para alguns segmentos empresariais médios. Isso também parece evidente se nos voltarmos para alguns setores econômicos exportadores, cujos custos dificilmente se sustentam com o câmbio valorizado, e para alguns serviços que não estavam preparados para atender a um crescimento rápido da demanda, como parece ser o caso dos transportes aéreos.

Mas isso certamente não é evidente se examinarmos o sistema financeiro e grandes grupos econômicos nacionais e estrangeiros. Os neoliberais omitem que as empresas do sistema financeiro vêm tendo lucros recordes. Ou que grandes empresas de diferentes ramos industriais e agrícolas têm obtido alta lucratividade. E que empresas estrangeiras e nacionais têm participado agressivamente dos leilões de energia elétrica, embora algumas empresas brasileiras estejam mantendo seus projetos vencedores na gaveta, como forma de pressionar por mais concessões. Por trás da acusação de ambiente desfavorável parece haver manobras escusas de grandes grupos, para obter lucratividade ainda maior.

Por fim, mas sem esgotar o assunto, embora seja plausível ter cuidado para evitar uma demanda superior à oferta, existe a evidência empírica de que a demanda no Brasil estava tão comprimida pela década de ferro de aplicação da política neoliberal que mesmo a sensível elevação do poder de compra das populações de baixa renda, durante os quatro anos do primeiro governo Lula, foi incapaz de pressionar a oferta e causar inflação. Assim, embora seja possível detectar restrições de oferta, com capacidades produtivas próximas de seu limite, não se pode omitir que ainda há uma forte compressão da demanda interna.

Como se vê, os neoliberais propõem as mesmas soluções, que aplicaram durante mais de dez anos e se mostraram desastrosas, para a economia e para a maior parte dos brasileiros. Apesar disso, retornam com toda a força, a pretexto de contribuir para o crescimento nacional. Se pautarem o debate, e tiverem suas propostas adotadas pelo governo de coalizão, corremos o risco de levar o país a novo desastre. Talvez seja a hora de acertar as contas teóricas e práticas com essa corrente, e realizar um debate mais profundo a respeito do tipo de crescimento econômico que as forças democráticas e populares querem para o Brasil.

Wladimir Pomar é membro do Conselho de Redação de Teoria e Debate