Nacional

Entrevista com o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social Franklin Martins

Foto: José Cruz/ABr

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Foi uma surpresa para muitos que o jornalista Franklin Martins, um dos mais conceituados analistas políticos do país, aceitasse o convite do presidente Lula para o cargo de ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República. Militante da esquerda revolucionária nos anos 60 e 70, um dos participantes do seqüestro do embaixador norte-americano no Brasil em 1969, desde o início da década de 80 Franklin havia se afastado da militância política e se dedicado a construir uma carreira vitoriosa no jornalismo. Agora, está de volta à política. Nesta entrevista, ele nos relata os motivos que o levaram a essa decisão e nos fala de seus projetos à frente do novo cargo.

Você foi, até os anos 80, um importante dirigente da esquerda brasileira. Depois, afastou-se da atividade política, enveredou pelo caminho do jornalismo e se transformou em um dos analistas políticos mais importantes do país. O que o faz, passados 27 anos, voltar a assumir uma função política de importância, agora no governo?

Recebi o convite do presidente Lula. Sem isso, dificilmente eu me colocaria o problema. O convite me forçou a fazer uma reflexão e resolvi dar esse passo por diversas razões. Uma delas, porque estou convencido de que vivemos uma crise política gravíssima nos últimos anos, que ameaçou esgarçar o patrimônio extremamente importante que construímos ao longo dos últimos 25 anos, uma certa agenda comum do país marcada por cinco pontos.

Quais são esses pontos?

Primeiro, democracia. Queremos resolver nossos problemas pela via democrática. A direita hoje é mais democrática no Brasil do que há trinta anos. A esquerda também. Isso é uma conquista que vem do período de luta contra a ditadura. É uma compreensão mais profunda do conjunto das forças políticas sobre a importância da democracia, que não é apenas eleições regulares, mas o respeito ao direito e às garantias individuais, a compreensão da alternância política e da necessidade do debate e da crítica como processo de construir maiorias políticas de forma consistente.

A segunda questão, que custamos muito a entender, foi a da moeda. Queremos moeda forte no país. E não são apenas os economistas da PUC. O trabalhador quer estabilidade da moeda. O PT, na eleição de 1994, sofreu uma derrota política monumental, não só eleitoral, porque não compreendeu esse problema. Aquela eleição ensinou ao PT a importância da estabilidade da moeda, o que ajudou a formar um consenso maior sobre isso. Tanto que hoje em dia Lula fala abertamente sobre como a estabilidade é importante para o trabalhador e ninguém acha estranho.

Terceiro ponto, a responsabilidade fiscal. Houve durante muito tempo a idéia de que governo bom era o que torrava o dinheiro do Estado, se endividava e ficava por isso mesmo. A idéia agora é que o Estado tem de funcionar, portanto ele não pode gastar o que não tem. Pode se endividar até um determinado limite.

O quarto ponto é a retomada do crescimento. Tivemos vinte anos de crescimento medíocre, e o país descobriu que tem necessidade de crescer. A estabilidade monetária conquistada é um ponto de partida para crescer, não
um fim em si mesmo.

A eleição de Lula em 2002 foi muito uma resposta a uma exaustão da sociedade diante do governo Fernando Henrique, porque ele não se preocupava com o crescimento. Ou, pelo menos, passava essa idéia para o país.

E o quinto ponto é a inclusão social. A eleição de Lula, em 2002, já foi também uma afirmação disso, e a de 2006 é uma reafirmação em escala muito mais poderosa. Ou seja, é necessário crescer distribuindo renda, incluindo pessoas, produzindo mercado de massa, porque isso abre caminho para reforçar a cidadania. Não é à toa que a musa das últimas eleições foi o Bolsa-Família. As forças mais conservadoras entraram nas eleições com um discurso de que o Bolsa-Família era bolsa-esmola, e saíram dizendo que o apoiavam, que iam aperfeiçoá-lo... A inclusão social se tornou um ponto da agenda com tal intensidade que mesmo as forças que a viam com maus olhos passaram a adotar esse discurso para poder se dirigir à maioria do país.

Essa agenda, na crise de 2005-2006, quase se perdeu. Em certa medida pelos erros cometidos pelo PT. Uma boa parte da direção do PT se deixou contaminar pelos hábitos prevalecentes na política brasileira: caixa dois, financiamento por fora, recurso não-contabilizado. O PT cometeu erros, resvalou para crimes em alguns casos, mas isso também foi magnificado, levado a um paroxismo, porque as forças mais conservadoras, que viam com maus olhos o processo de confirmação dessa agenda, especialmente a questão da inclusão social, enxergaram aí um atalho para voltar ao poder.

Em momento algum questionaram as bases do projeto encabeçado pelo primeiro governo Lula, mas derivaram para a questão política, para a questão moral. E tiveram de levar à exasperação, porque era a única forma de poder ter algum resultado.

Então, voltando ao início da pergunta, o governo Lula demonstrou duas grandes debilidades no primeiro mandato: uma relação muito incompetente e errada com o Congresso e uma relação muito ruim com a imprensa. Acredito que posso contribuir na questão da relação com a imprensa, ou seja, deixar de ter uma postura defensiva e passar a ter uma postura profissional, madura, de quem se propõe a travar a disputa política e crê que suas idéias podem prevalecer, não de alguém que vê a imprensa como fator permanente de desestabilização.

E o governo Lula pode solucionar esses dois grandes problemas: relação com o Congresso – e vem procurando resolver por meio da formação de um governo de coalizão, com as dificuldades e problemas inerentes a isso – e uma relação profissional com a imprensa, convivendo com os problemas do dia-a-dia, mas entendendo que numa sociedade democrática você se comunica com a sociedade em boa medida através da imprensa.

Se conseguir resolver esses dois problemas, pode chegar ao final do mandato encerrando um ciclo que terá mudado a face do país. Não teremos tido, como até muitas pessoas do PT gostariam, um governo revolucionário, mas teremos tido um governo socialdemocrata. E uma socialdemocracia no Brasil é uma revolução...

Como você foi para o mundo da grande imprensa e não foi tragado pelo conservadorismo, pelo senso comum que a permeia? Como conseguiu sobreviver fazendo uma cobertura objetiva, sem se deixar levar pela partidarização excessiva do jornalismo brasileiro?

Fui trabalhar em jornal nos anos 80 porque precisava ganhar a vida, e era o que eu sabia fazer. Já tinha trabalhado como jornalista antes. Mas havia uma decisão de fundo também. Apesar de todo o orgulho que tenho da minha militância política, cheguei à conclusão que muitos erros que eu havia cometido eram porque vivia em gueto, uma seita, organizações políticas desligadas do movimento social. E decidi não viver mais no gueto. Não foi fácil. Levei aproximadamente cinco anos para entrar na redação de um grande jornal. Aos poucos fui me afirmando como profissional, ganhando respeito de meus colegas, tendo oportunidades que eu achava que não teria, como escrever uma coluna. Cheguei a dirigir a sucursal de O Globo em Brasília.

Não escondi nunca que era de esquerda. Mas os jornais ou departamentos de jornalismo de televisões e rádios são um espaço de uma disputa política muito mais intensa do que se imagina. O repórter, quando sai para a rua, já está disputando de alguma forma com a chefia de reportagem que o mandou, que tem uma idéia do que deve ser a matéria, e ele vai para a rua e forma outra. E, depois, tem de discutir com o redator que vai fechar a matéria junto com ele. É uma disputa política altamente saudável.

As redações de jornais são um caldeirão onde se cruza todo tipo de influência e vai se formando uma certa opinião pública, que funciona como um contrafreio à orientação dos acionistas. Fala-se: “Mas isenção é impossível...” Isenção é impossível, mas buscar a isenção não é. É como a felicidade. Felicidade como estado permanente é impossível, mas todos buscamos ser felizes. E buscar isenção é o quê? O equilíbrio. Ouvir o outro lado, entender diferentes pontos de vista. Os bons jornalistas são treinados para isso. Você tem essa opinião pública contraditória dentro dos jornais, tem gente de esquerda, tem gente de direita. Mas existem certas coisas em comum, certos padrões de jornalismo, e isso dá liga a uma redação, e é um certo contrapeso a influências que vêm de cima. Os jornais vivem permanentemente essa tensão, que é extraordinariamente saudável.

Isso permitiu que eu, nas redações em que trabalhei, progressivamente me afirmasse como um jornalista influente e exercesse inclusive cargo de chefia em jornais cuja linha editorial não necessariamente era o que eu pensava.

Eu achava absolutamente estranho ter o espaço que tinha na TV Globo. A meu ver, eu fazia um jornalismo que buscava isenção. Para mim, foi um aprendizado extraordinário. Levei os últimos dez anos fazendo comentários diários em televisão. Comentar durante um minuto uma situação e ser obrigado a falar para todo mundo não quer dizer que vá fazer algo anódino, neutro. Haverá interpretação da notícia, eventualmente opinião, mas é possível equilibrar tudo.

E o comportamento da mídia na crise de 2005?

Os jornais em períodos normais funcionam assim. Em alguns momentos de crise, esse equilíbrio precário se rompe. O que assistimos na crise de 2005-2006 foi a um rompimento desse equilíbrio com uma rapidez impressionante e de forma avassaladora. Por quê? A resposta simples é “a mídia é partidarizada”. A mídia adotou partido durante a crise, mas essa resposta é uma simplificação porque teria de haver uma pergunta precedente. Por que a mídia se partidarizou? Em grande medida, porque o PT e o governo durante a crise se deixaram acuar, se desmoralizaram e pararam de fazer aquilo que é a base da atividade política, a disputa. De maio, quando começou a crise, com o discurso de Roberto Jefferson, até o final de setembro, o governo ficou nas cordas e o PT desmoralizado. Como força política, virou um mingau.

Naquela época havia denúncia nova todo dia. Ia cobrir o fato, ouvir os dois lados. Você ouvia alguém da oposição que dizia: “Estamos diante de uma quadrilha, do maior sistema de corrupção já montado no Brasil. É um mar de lama”. De outro lado, você entrevistava um parlamentar do PT, ele dizia: “Acho que tem de investigar...” Você perguntava: “Mas, além de ter de investigar, o que o senhor acha?” Ele respondia: “Eu não acho nada, acho que tem de investigar...”

Isso valia para parlamentares e para o governo. Formou-se um pensamento único na sociedade e na imprensa. A imprensa foi toda para um lado, adotou um partido, sem a menor dúvida. Não estou falando de todos, mas da maioria dos jornalistas e dos órgãos, e isso foi em boa parte motivado pela absoluta abstinência do PT e do governo em travar a luta política.

O primeiro ponto de inflexão na crise foi o PED, quando 315 mil militantes foram votar. Confesso que achava que não fosse aparecer ninguém. O grau de desmoralização era tamanho... O que esses militantes quiseram dizer? “Esse não é o partido que eu conheço. Se vocês estão desmoralizados aí em cima, eu estou querendo explicação e quero abrir um caminho. Quero enfrentar essa história...”

A partir dali se sentiu uma certa mudança. Os parlamentares do PT começaram a se reagrupar. O governo voltou a existir. Lula adotou uma postura de procurar governar e sair da crise.

Um segundo ponto de inflexão, extremamente importante, foi quando caiu Severino Cavalcanti e houve a eleição de Aldo Rebelo. Com isso, a espada do impeachment saiu de cima da cabeça do presidente e ficou claro que a crise ia se resolver nas urnas em 2006. Isso deu fôlego ao governo e a população foi percebendo os ganhos que tinha obtido e, ao mesmo tempo, entendendo que boa parte daquele negócio da CPI correspondia a uma tática de luta política.

A partir de um certo momento, eu não tinha muita dúvida de que a vitória do presidente Lula era algo dado. E amplos setores, principalmente entre os chamados formadores de opinião e as direções de jornal, fizeram uma análise equivocada. Primeiro acharam que Lula não ia ser candidato à reeleição. Se fosse, que seria derrotado. Se não fosse derrotado, que não conseguiria tomar posse. Se tomasse posse, que não conseguiria fazer um governo. Eles não entenderam a questão de fundo, que foi o deslocamento social que houve no país. Construiu-se no segundo turno uma base social ampla em torno do governo Lula. Você tem um governo mais forte politicamente hoje do que no primeiro mandato, um país arrumado, começando a crescer de forma vigorosa, que abre a possibilidade de chegarmos a 2010 tendo cumprido uma travessia importante na história do país. Temos a possibilidade de ter um país com inclusão social, com crescimento, com um mercado de massa, que já cresceu 10% no primeiro mandato e pode crescer mais. É gente entrando no mercado, portanto, se habilitando para a cidadania, percebendo que seus interesses não são coincidentes com os dos formadores de opinião tradicionais, despertando para a atividade política. Temos um processo de mudança extraordinário, só que não é um processo revolucionário. É de construção de maioria, de uma base social para promover mudanças significativas no Brasil.

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Como encarar a necessidade da democratização dos meios de comunicação no país?

Eu acho, e talvez isso seja uma diferença que tenha com setores do PT, que não cabe ao governo ficar plantando e querendo colher jornais, mídias alternativas, televisão etc. Quem cria isso é a sociedade, não o governo. O governo deve ter uma política de favorecer a competição e garantir a liberdade de imprensa, o que faz parte do compromisso com a democracia.

É um processo em que devemos evitar soluções paternalistas, estatistas, porque não duram, não rendem e, no fundo, fazem com que a gente se afaste da questão principal, que é travar a disputa política nos espaços que existem. Estamos entrando num momento em que as mudanças tecnológicas obrigarão a uma rediscussão dos meios de comunicação. Isso é inevitável. Vamos ter de encontrar um novo marco legal, e isso abre possibilidades de uma discussão em que há atores com interesses diferentes, o que permite avançar do ponto de vista de democratização, inclusive porque certos meios favorecem isso. A internet, por exemplo. Não é preciso grande volume de capital para estar  presente na rede, formar grupos de discussão etc. Mas mesmo nos outros meios isso favorece a possibilidade de ter uma regulamentação do setor que leve ao cumprimento de uma série de normas que existem em outros países e implicam maior democratização, evitando a concentração. É um debate que terá de ser feito. Há na Câmara três projetos sobre a questão de produção de conteúdo e o papel de cada um dos grupos. O que representa o pensamento das teles, do deputado Paulo Bornhausen. Outro, que representa o pensamento basicamente das emissoras de televisão, do deputado Nelson Marquezelli. E um terceiro, dos deputados do PT Walter Pinheiro e Paulo Teixeira, que procura estabelecer certas distinções entre veiculação e produção do conteúdo.

E, quanto à questão da TV pública, qual é a proposta?

O Brasil não tem uma rede de TV pública. Nosso modelo é o de TVs comerciais, diferentemente da Europa, onde a televisão foi implantada basicamente como pública, fruto um pouco do pacto socialdemocrata que se seguiu à Segunda Guerra. Na Inglaterra, França, Itália, Alemanha, o cenário foi ocupado pelas TVs públicas e só mais recentemente começou a haver uma abertura para TVs comerciais. A Constituição no Brasil define que nosso modelo de TV deve complementar a TV comercial com a pública e a estatal. E na verdade não tivemos uma TV pública digna desse nome com influência na realidade. Não tínhamos uma rede nacional, tínhamos isoladamente TVs Culturas, Educativas, Universitárias nos estados. E não havia recursos. Exceto um ou outro caso, a maioria das emissoras está absolutamente sucateada. E, muitas vezes, também não eram TVs públicas, eram estatais, ou seja, quem mandava era o governador ou o reitor da universidade.

Mas desde os anos 60 se formou uma certa cultura de TV pública, difusa, fragmentada. E veio se consolidando. Culminou agora com o Fórum Nacional das TVs Públicas, conduzido pelo ministro Gilberto Gil, produzindo um pensamento importante. E que coincidiu também com a decisão do presidente Lula. Quando ele me convidou, ele deixou clara a intenção de o governo jogar um papel decisivo na formação de uma rede de TV pública que cumpra um papel que a TV comercial não cumpre. A TV comercial se movimenta pela lógica comercial, evidentemente. Produz uma programação que atrai audiência para que possa vender publicidade e com isso remunerar seus custos e ter seu lucro. E faz uma TV de boa qualidade. Mas ela está obrigada a buscar audiência imediata, o que produz muitas vezes uma certa mesmice, uma dificuldade para trabalhar com a diversidade, com as minorias, com as regiões. A TV pública pode trabalhar de outra forma, pode apostar em cultura e no debate político. Isso não quer dizer que vá ter traço de audiência. Ela dará uma audiência significativa e fará um certo espelho à TV comercial, e até a auxiliará a evoluir, mas entrará em áreas em que a TV comercial não entra.

Acho que vamos ter uma TV pública de boa qualidade. Estamos próximos de definir os modelos de gestão, de financiamento, de construção da rede pública. Creio que em agosto iniciaremos uma discussão com o Congresso, de forma que, em dezembro, quando começam as transmissões digitais, a rede de TV pública esteja razoavelmente encaminhada. Um terceiro ponto que favoreceu a discussão da TV pública é que estamos às portas da liberação para a TV digital, e se a TV pública não se estruturar, nesse processo, desaparecerá no Brasil. Amplos setores das TVs públicas compreenderam a oportunidade e a dramaticidade desse desafio. Está se formando um sentimento de construção dessa rede. É uma engenharia extraordinariamente complicada porque em cada estado é uma realidade. O governo federal quer ter um papel de liderança, criando mecanismos para que o conjunto das TVs estaduais possa vir. Para isso, ele deve ter um programa de reciclar essas televisões na hora da migração para a TV digital. Ao mesmo tempo construir junto com elas uma programação nacional, com janelas fortes de programação regional, aberta para produção independente, que é algo crucial na TV pública, mas exigindo como contrapartida que haja um modelo público de gestão nessas TVs estaduais. Ou seja, que o estatuto delas seja transformado. Não haverá TV do governador.
O que distingue uma TV pública de uma estatal?

A TV estatal ocupa o seu papel. Por exemplo, a NBR é uma TV estatal, ela faz comunicação de governo, os atos do governo, as notícias do dia etc. O que é absolutamente legítimo. O governo tem de fazer isso. Já a TV pública, por definição, é plural, porque a sociedade é plural. Ela tem de absorver também o pensamento minoritário da sociedade. Não é para fazer proselitismo, para ser correia de transmissão do governo. Tem de produzir um jornalismo isento, mas que vá além da notícia do dia. Ou seja, que reflita mais. Vou dar um exemplo: não tivemos na TV ainda uma boa discussão sobre etanol. Há notícias sobre o etanol. É preciso ter uma discussão séria sobre aborto. Não se discute esse tipo de assunto na TV comercial. A TV pública é para fazer com que a sociedade tenha uma TV que vá além do apelo comercial imediato. Ir para o debate das grandes questões nacionais, ter produção independente.

O projeto que se vem formatando prevê que se tenha pelo menos quatro horas por dia de produção independente na rede. Isso significa que haverá em torno de trinta núcleos fazendo produção independente Brasil afora. Explosão de criatividade, de talento. A TV comercial não faz isso. Para racionalizar custo e garantir um certo tipo de controle da produção, ela faz tudo. Ao mesmo tempo elas são emissoras e grandes produtoras, grandes complexos. A idéia é diversificar, dar oportunidade para o jovem fazer programas interessantes sobre a Amazônia, a África, a América Latina etc.

Então é justo que o governo anuncie nas televisões comerciais, mas é justo também que o governo, junto com outros setores, lidere o esforço para construir uma TV pública.

Mudou a relação do presidente com a imprensa?

O país decidiu que quer sair daquele clima intoxicado que havia antes, quer discutir seus problemas com profundidade, quer qualificar o debate. O presidente percebeu que tinha de ter uma relação diferente com a imprensa. Acho até que o convite a mim é expressão dessa sua percepção. Nós discutimos antes, porque eu tinha medo de aceitar o convite e não poder fazer o que acho que seria correto. Eu disse a ele que nós não precisamos concordar em tudo, não podemos é trombar nas questões essenciais. Uma delas era como se relacionar com a imprensa. O presidente anunciou, antes de me fazer o convite, que teria uma relação diferente com a imprensa nesse segundo mandato. E está tendo. A entrevista coletiva foi apenas uma coisa simbólica. O presidente dá em média três entrevistas, por semana. Aquilo que nós jornalistas chamamos de “quebra-queixo”, porque é aquele monte de gravadores e telefones junto do rosto da pessoa. Ele vem dando essas entrevistas, responde na saída de um evento, na chegada a uma solenidade, a duas ou três perguntas. Isso para a imprensa é extremamente importante, para o presidente é extremamente importante. Ele expressa sua opinião sobre os assuntos mais sensíveis do momento.

Além disso, este ano ele já teve um café-da-manhã com os setoristas do Palácio do Planalto, que lhe perguntaram o que quiseram, e um café-da-manhã com os principais colunistas, do qual ainda participei como jornalista, e nós perguntamos o que quisemos. O presidente vai falar muito, vai dar entrevista coletiva para rádio, para correspondente estrangeiro, para portais. Isso não é uma concessão. Ele está convencido de que isso é fundamental para o exercício da Presidência, para a comunicação com a sociedade. O presidente está leve, preocupado com essa questão de se comunicar bem e compreendendo que a imprensa tem um papel e isso terá de ser feito cotidianamente até o final do seu segundo mandato.

Emiliano José é jornalista é professor da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia

Ricardo de Azevedo é coordenador editorial de Teoria e Debate

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