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Os problemas com os aeroportos só serão resolvidos com infra-estrutura, melhoria de salários e fiscalização das empresas

Cenas de aeroportos lotados, filas intermináveis e passageiros dormindo amontoados em saguões de embarque são atualmente comuns no imaginário dos brasileiros. Em outubro do ano passado os problemas estruturais do sistema aeroportuário no Brasil vieram à tona e começaram a ser debatidos. A partir disso, os jornais vêm retratando diariamente a chamada crise do setor aéreo.

Esse cenário revela uma situação atípica, para dizer o mínimo. No ano de 2006, o faturamento da aviação comercial cresceu, em média, 42,4% em relação a 2005, segundo dados da Pesquisa Anual de Conjuntura Econômica do Turismo.  A aviação brasileira registrou o melhor resultado de sua história: os desembarques nacionais foram 7,3% superiores a 2005. Ao todo, chegaram aos aeroportos de todo o país mais de 46 milhões de passageiros oriundos de vôos domésticos regulares e não regulares – mesmo com a diminuição na oferta de cerca de 8 milhões de assentos provocada pela situação da Varig.

Como explicar esse crescimento em meio à crise? Uma das respostas para o paradoxo pode ser encontrada na expansão do turismo no Brasil, em especial do turismo doméstico. As atividades do setor realmente tiveram aumento em 2006 se comparadas com o ano anterior, porém as projeções eram bem mais otimistas.

Essa reversão nas expectativas se deve em parte à valorização do real, com o câmbio favorável para viagens internacionais, mas decorreu sobretudo do agravamento da ação grevista dos controladores de vôo – que assim deve ser claramente chamada. O fato é que os expedientes subliminares de que se valeram esses profissionais – como a ampliação do seqüenciamento das aeronaves, que eles chamaram de “procedimento padrão” – nada mais eram do que ações para gerar atrasos e até a paralisação do tráfego aéreo, ocasionando o caos nos aeroportos, o que afetou em especial o turismo doméstico de lazer.

Isso é particularmente problemático porque esse tipo de viagem é que carrega o crescimento do setor e garante sua sustentabilidade. Fatores como a permanência maior no destino, o uso de transportes locais para deslocamentos e o aquecimento da hotelaria (mesmo na baixa estação) levam ao consumo agregado. Assim, aumenta a atividade de lojas e feiras de artesanato, restaurantes, táxis, guias, museus e uma infinidade de pequenos negócios que geram emprego e renda. Esse ciclo, em menor ou maior grau, tem melhorado a vida de muitos brasileiros.

Além disso, o turismo de negócios, maior mercado das companhias aéreas, também cresceu no Brasil apesar de todos os contratempos. O setor movimentou sozinho US$ 33,6 bilhões no ano passado, segundo dados da pesquisa Indicadores Econômicos das Viagens Corporativas (IEVC).

Como se vê, apesar de a conjuntura ter limitado a expansão do turismo no país em 2006, as fragilidades não chegaram a impedir o desenvolvimento do setor. Esse quadro, no entanto, pode se reverter rapidamente caso não sejam tomadas providências para equacionar os problemas estruturais que hoje em dia restringem a atividade turística no Brasil.

É preciso eliminar a confusão de papéis como se viu no caso do acidente da Gol. Todos – Infraero, Anac, Ministério da Defesa, Aeronáutica – falaram, o que demonstra a desarticulação dos diversos órgãos do governo em relação às responsabilidades de cada um.

A sobreposição de discursos deu às companhias aéreas uma oportunidade única. Tendo o “apagão aéreo” como um culpado clássico, realizaram seu desejo maior: tirar o máximo de resultados de cada vôo, fazendo fusões de horários e submetendo os passageiros a longas esperas. Tudo isso porque a multa para tais procedimentos é bem menor que o lucro gerado pelo cancelamento de um vôo e o conseqüente aproveitamento total do vôo seguinte.

Deve-se definir a questão salarial dos controladores de vôo, seja aumentando seus salários ou soldos, seja preparando uma reserva estratégica para substituir os profissionais em caso de necessidade. A atuação das empresas aéreas requer fiscalização constante. O que se vê, no entanto, é que falta firmeza tanto no trato com aqueles quanto com estas.

Além disso, embora o governo federal tenha identificado o turismo como um setor estratégico para o crescimento e venha trabalhando desde 2003 na ampliação de terminais de carga e de passageiros e na reforma dos aeroportos em todo o país, o montante de R$ 2,4 bilhões investidos nessas obras de lá para cá é insuficiente para compensar os gargalos e atender às necessidades do setor.

A crise aérea é resultado do descaso de sucessivas administrações federais. Por isso, requer uma abordagem diferenciada. O governo precisa realizar cada vez mais investimentos para evitar o colapso da estrutura aeroportuária. Somente assim a soberania será plenamente exercida sobre o espaço aéreo brasileiro, assegurando o desenvolvimento de setores, como o turismo, essenciais à economia do país.

2006

29 de setembro - Queda do Boeing que fazia o vôo 1907 da Gol.
27 de outubro - Controladores de vôo começam uma operação-padrão e decidem monitorar apenas catorze vôos por vez.
1 e 2 de novembro - No feriado de Finados começa o caos em todos os aeroportos do país.
14 de novembro - O comandante da Aeronáutica, Luiz Carlos Bueno, decide aquartelar os controladores, que protestam.
15 de novembro - No feriado da Proclamação da República, mais registros de transtornos nos aeroportos.
5 de dezembro - Uma falha em equipamento impede que os aviões se comuniquem com o Cindacta-1 (Brasília).
7 de dezembro - A Aeronáutica admite a falta de técnicos aptos para corrigir o sistema.
12 de dezembro - O Tribunal de Contas da União (TCU) divulga relatório que indica falhas de gestão e falta de recursos no sistema de controle aéreo.
20 de dezembro - Nova crise, que se arrasta até o Natal. O governo usa aeronaves da Força Aérea Brasileira para contornar o problema.
21 de dezembro - O Grupo de Trabalho Interministerial indica a reformulação da carreira de controlador e a desmilitarização do setor.
26 de dezembro - A Agência Nacional de Aviação Civil inicia auditoria para investigar a crise do Natal.

2007

12 de janeiro - O Cindacta-2 (Curitiba) registra pane no sistema de comunicação.
1 de fevereiro - A Casa Civil discute mudanças no sistema aéreo, incluindo a questão da desmilitarização.
11 de fevereiro - A Aeronáutica concluiu o Inquérito Policial Militar (IPM) sobre a crise aérea que atingiu o país.
14 de fevereiro - Controladores ameaçam fazer greve no Carnaval.
16 de fevereiro - O presidente Lula tira Luiz Carlos Bueno do Comando da Aeronáutica. O posto passa a ser ocupado pelo brigadeiro Juniti Saito.
17 de fevereiro - Os controladores aprovam a mudança de comando e não são registrados problemas durante o Carnaval.
28 de fevereiro - O IPM aberto pelo Comando da Aeronáutica para tentar enquadrar os sargentos controladores por “supostas práticas de condutas caracterizadoras de crimes” é arquivado.
18 de março - O Cindacta-1 registra pane no sistema de informática. Governo suspeita de sabotagem.
21 de março - O plenário da Câmara derruba a CPI do Apagão Aéreo. O Cindacta-2 registra pane na rede de informática. O governo fala em sabotagem novamente.
25 de março - O ministro da Defesa, Waldir Pires, determina a instauração de investigação sobre a falha dos equipamentos que auxiliam as operações de pouso e decolagem no aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, e o afastamento dos funcionários identificados como responsáveis.
29 de março - Ministro do Supremo Tribunal Federal vota por CPI do Apagão, mas diz que decisão final é do plenário do Supremo.
30 de março - Controladores entram em greve, paralisando os principais aeroportos do país.
3 de abril - A CPI do Apagão Aéreo é instalada.

José Zuquim é presidente da Associação Brasileira das Operadoras de Turismo (Braztoa), sociedade civil sem fins lucrativos que congrega 61 operadoras turísticas