Entrevista com a ministra do Meio Ambiente Marina Silva
Entrevista com a ministra do Meio Ambiente Marina Silva
A petista à frente do Ministério do Meio Ambiente avalia os primeiros quatro anos de mandato, as perspectivas do segundo, e fala também sobre os desafios que ultrapassam as barreiras governamentais, os impasses entre crescimento econômico e preservação ambiental. Para Marina Silva, a luta pelo meio ambiente continuará sendo o tema do século
Qual é o balanço que a ministra do Meio Ambiente faz depois de quatro anos e meio à frente da pasta?
Em primeiro lugar, não é fácil fazer um balanço da questão ambiental no Brasil porque é um processo cumulativo de alguns anos, envolvendo diferentes setores, principalmente os não-governamentais. A questão ambiental no país surge da sociedade para o Estado. É ele que tem de reagir a uma visão e a uma necessidade pautada pela sociedade. Isso aconteceu, de modo geral, em várias partes do mundo, mas no Brasil essa característica é muito forte. Fazendo uma analogia, primeiro havia a água que precisava de um leito. Foi o que aconteceu com a sociedade e os movimentos sociais. Esse leito tem as suas próprias formas de organização, dentro da academia, dos movimentos sociais, do movimento ambientalista e do setor governamental. É um processo cumulativo, nesses diferentes níveis, e nas diversas esferas de governo, em que todos contribuem. Por exemplo, uma contribuição interessante foi a criação do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), em plena ditadura militar, há 25 anos, pelo professor Paulo Nogueira Neto. É o primeiro conselho deliberativo desta República que funciona até hoje, produz resoluções e é a instância máxima do sistema nacional de meio ambiente.
Se verificarmos do ponto de vista da legislação, tivemos um avanço muito grande. A Constituição de 1988, seus desdobramentos em um conjunto de leis aprovadas no Congresso, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, a lei dos crimes ambientais, enfim, o Brasil tem uma excelente legislação do ponto de vista ambiental. Nosso problema é que, apesar dessa legislação, possuímos um déficit razoável de implementação que se dá em virtude da necessidade de aperfeiçoamento e de criação de novas estruturas para a gestão ambiental do país. Está sendo trilhado um novo caminho no que concerne ao desenvolvimento, à forma de produzir, consumir, enfim, de se relacionar com a natureza. Então, uma coisa é a lei, que tem um nível de adesão razoável, outra é fazer valer a lei. Aí há resistências. Da mesma maneira que uma coisa são as instituições para implementar a lei e outra são essas instituições em funcionamento, colocando para as pessoas que os ecossistemas não têm capacidade de suporte, que já estamos vivendo a era de limites e criando, de certa forma, resistência bem retratada na polêmica, que chamo de falso dilema, de opor meio ambiente a desenvolvimento.
Um balanço da experiência dos últimos quatro anos no Ministério do Meio Ambiente tem de considerar, necessariamente, esse processo cumulativo que veio da sociedade para o Estado, em que cada segmento dá sua parcela de contribuição e o governo a sua. Num primeiro momento, trabalhamos a partir de uma visão que se orientava por conceitos e diretrizes, que considerava o que era positivo, enfrentava as coisas negativas e ao mesmo tempo estabelecia nosso salto.
De positivo temos, por exemplo, o Proconve (Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores), um programa de combate à poluição por veículo automotor e que já tem cerca de 20 anos com resultados fantásticos, porque os sucessivos governos deram continuidade. A conseqüência foi uma redução da mortalidade entre jovens e crianças, por problemas respiratórios na região metropolitana de São Paulo, em aproximadamente 700 mil pessoas nas últimas duas décadas. Fora Rio de Janeiro e Minas Gerais. Essa é uma demonstração de que as políticas públicas no setor ambiental são de curto, médio e longo prazos. E que têm de ser
perseguidas independentemente dos governos, caso se queira ter um bom resultado.
E o que seria um grande desafio enfrentado?
Um exemplo de dificuldade grave que necessitava de uma resposta era o desmatamento da Amazônia, que entre 2001 e 2002 cresceu em torno de 27%. Quando assumimos, identificamos que eram fundamentais medidas urgentes para que se tivesse um processo de evolução estruturante para esse problema. Em 2002, com o anúncio da BR-163 (Cuiabá–Santarém), sem que se tivesse uma situação de governança social e ambiental, o desmatamento naquela região aumentou 500%. O processo de grilhagem é avassalador, e há uma série de conflitos envolvendo as comunidades locais. Começamos a trabalhar a idéia de um plano de desenvolvimento sustentável para a BR, de prevenção contra o desmatamento envolvendo três ministérios, coordenado pela Casa Civil, com suporte executivo do Ministério do Meio Ambiente. Como resultado desse esforço obtivemos uma diminuição do desmatamento em torno de 50% nos últimos quatro anos. Isso evitou lançar na atmosfera cerca de 430 milhões de toneladas de CO2, o que representa 15% de tudo o que precisava ser reduzido pelos países ricos. Esse é um exemplo de problema que precisava de uma resposta estruturante, em que trabalhamos sobre três eixos: combate às práticas ilegais, ao zoneamento territorial e fundiário, e apoio às atividades produtivas sustentáveis. Com base nisso, o Ministério do Meio Ambiente e o Ibama, o da Defesa e o Exército, o da Justiça, com a Polícia Federal, e em algumas ações também o Ministério do Trabalho, têm um conjunto de ações em curso. O resultado foi a apreensão de cerca de 900 mil metros cúbicos de madeira, a prisão de 560 pessoas, entre elas 116 funcionários do Ibama envolvidos com crimes ambientais, contravenção, suborno e o que mais se pode imaginar nesse sentido há décadas, a desconstituição de cerca de 1.500 empresas criminosas e a inibição de 66 mil propriedades griladas na Amazônia. Isso com a contribuição do Incra, o grande parceiro na parte de reordenamento territorial e fundiária. Além disso, as multas aplicadas por hectare passaram de R$ 1,5 mil para R$ 5 mil.
Então, nosso governo encontrou um problema grave, com uma cobrança muito grande da sociedade, e optou não por ações pirotécnicas, mas por trabalhar de forma estrutural, ainda que não obtivesse resultado imediato, mas para que esse resultado fosse contínuo e sustentável. Em 2007 teremos, com certeza, a queda do desmatamento pelo terceiro ano consecutivo.
Quanto ao desafio da primeira gestão, acredito que o nosso delta-mais foi trabalhar a idéia de uma política ambiental integrada, colocando critérios de sustentabilidade para o planejamento de outros setores do governo, de infra-estrutura, passando por educação e saúde. O Brasil é um dos pioneiros na visão de política ambiental transversal. Não é fácil. Há um grande tensionamento, mas o resultado é muito positivo e é a única forma de se fazer frente à crise ambiental que estamos vivendo e que constitui o desafio deste século, se é que queremos estar de acordo com a necessidade do nosso tempo.
Se quisermos insistir numa visão puramente desenvolvimentista, do século passado, não consideramos a equação desenvolvimento e viabilidade econômica igual a conservação e viabilidade ambiental. Mas se quisermos ir além, a partir dos esforços que temos empreendido, teremos de trilhar o caminho do desenvolvimento sustentável, e para tanto é fundamental essa visão de meio ambiente perpassando todas as ações. Esse é o desafio deste século e, queiram ou não, o atravessaremos discutindo meio ambiente e desenvolvimento.
Foi muito acertado, já em 2003, uma de nossas diretrizes estar voltada para a política ambiental integrada. Na verdade, estabelecemos quatro diretrizes: controle e participação social, desenvolvimento sustentável, fortalecimento do sistema nacional de meio ambiente, política ambiental integrada ou transversal. Como exemplo de política ambiental integrada há a BR-163 (Cuiabá–Santarém), um esforço que envolveu 22 ministérios e no qual se estabeleceu um plano ao longo da estrada para que fossem trabalhadas as ações de ordenamento territorial e fundiário, as questões sociais, apoiando a prática de política sustentável. Hoje temos um programa de desenvolvimento sustentável para cerca de 24% da Amazônia.
Outra questão polêmica envolvendo o ministério é a integração das bacias do São Francisco.
O projeto para o São Francisco foi integrado. Infelizmente, ainda não se conseguiu fazer esse detalhamento, usar essa metodologia com outros projetos. É algo que está no começo, mas já temos respostas muito positivas do ponto de vista da diminuição dos conflitos e ao mesmo tempo dos resultados. O projeto de integração de bacias era anterior e previa uma retirada de 146 metros cúbicos de água por segundo. Foi reposicionado para 26 metros cúbicos por segundo. Não estava prevista a desapropriação ao longo do canal, que foi feita graças ao trabalho do Incra. Não estava previsto o plano da bacia feito pela Agência Nacional de Águas, Secretaria de Recursos Hídricos, que é ligada ao Ministério do Meio Ambiente. Não tínhamos o programa de revitalização e implementação, e hoje estamos implementando o projeto com programa de revitalização. Não havia o empoderamento do Comitê de Bacias e isso foi feito. Dessa forma, foi concedida uma licença com base justa, correta e isenta dialogando com a viabilidade do espaço ambiental do projeto. Não entramos no debate dos aspectos sobre a conveniência do projeto. Procuramos trabalhar a questão da viabilidade ambiental com essa visão socioambiental. O desafio que permanece nos próximos quatro anos e para outros cem é pautar a política ambiental transversal.