Nacional

Entrevista com Patrus Ananias

Resultado direto das políticas sociais do governo federal, a Pnad de 2006 apresenta queda e 15% da miséria do país em relação à pesquisa anterior, o melhor dado dos últimos anos. Hoje vivem abaixo da linha de pobreza 19% de brasileiros, populaçãoalvo das ações do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, sobre as quais nos fala o ministro Patrus Ananias

Segundo o Instituto de Estudos de Trabalho e Sociedade, desde 2004 até o fim de 2006, a cada ano, cerca de 6 milhões de pessoas saem da linha de pobreza. É possível definir um prazo para a erradicação plena da pobreza do Brasil?

É possível e necessário. A geração que despertou para a vida pública nos anos 1960 e 1970, confrontando a ditadura, afirmando os valores da democracia também numa perspectiva de transformação social, certamente conquistará a superação definitiva da fome e da pobreza no Brasil. Essa é a opção que o país fez e vai aprofundá-la. Ao aperfeiçoar e ampliar as políticas sociais, integrando cada vez mais desenvolvimento social com o crescimento e estabilidade da economia, como estamos vivendo no governo do presidente Lula, teremos esta conquista histórica que é fundamental para a realização do projeto nacional brasileiro: possibilitar a todos os compatriotas liberar suas potencialidades e tornar-se incluídos nas possibilidades do país. A superação da miséria envolve ganhos e conquistas para todos os segmentos da sociedade.

O Bolsa-Família, o programa mais popular do governo Lula, segundo as pesquisas, alcançou legitimidade pública e padrão de gestão.

É fundamental lembrarmos o que representa o CadÚnico. Temos um mapeamento da pobreza brasileira por meio de um cadastro consistente, que é aperfeiçoado a cada dia, inclusive com novas ferramentas e tecnologias. Temos mapeados 16 milhões de famílias pobres no Brasil. Não há correspondência direta entre o Bolsa-Família e o CadÚnico, que trabalha com renda familiar mensal por pessoa correspondente a metade do salário mínimo, e o Bolsa-Família trabalha com renda mensal familiar por pessoa até R$ 120. O Bolsa-Família deve ser contextualizado nessa grande rede de proteção e promoção dos pobres. Não é um programa isolado. Está sendo integrado com o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, o Programa de Atenção Integral às Famílias, que se materializa por meio dos Centros de Referência da Assistência Social, os Cras. São cerca de 3.300 unidades implantadas ou em fase de implantação que acolhem as famílias e tornam-se espaços de alfabetização, inclusão digital e produtiva, formação de empreendedores, estímulo ao cooperativismo – programas de geração de trabalho e renda que possibilitam a auto-suficiência da pessoa. O Bolsa- Família é um programa que tem valor em si porque assegura direitos à alimentação, com regularidade, quantidade e qualidade, à educação e à saúde, devido às suas condicionalidades.

É possível estimar o tamanho da fraude detectada no programa e a extensão das suas condicionalidades?

Sim. Na medida em que cobramos das famílias que tenham as crianças na escola – a idade foi elevada para 17 anos, possibilitando aos adolescentes concluir o ensino fundamental – e os cuidados básicos com a saúde, o Estado se compromete a oferecer serviços de qualidade, dar condições às famílias e às crianças para que cumpram as condicionalidades. Para irem à escola e ao posto de saúde, as crianças têm de estar alimentadas, ter material escolar, ter roupa decente. Ao integrarmos o Bolsa-Família a outros programas, estamos preservando vínculos familiares. Sabemos que uma família sem renda ou com renda aquém de suas necessidades corre o risco de se desconstituir, e suas crianças não vão para a escola, e sim para a rua, com todas as conseqüências previsíveis. Coloco esse aspecto porque buscamos sempre a emancipação das famílias, a auto-suficiência econômica, a geração de emprego e renda, mas é importante enfatizar que o programa tem uma força em si como política pública.

O controle das fraudes tem uma focalização muito positiva. O Banco Mundial reconhece o Bolsa-Família como o programa mais bem focalizado na América Latina. Estamos trabalhando e modernizando os equipamentos do CadÚnico. O sistema identifica eventuais irregularidades e duplicidades. Fazemos constantes cruzamentos desse cadastro com outros para aferir também os demais indicadores de pobreza, além do fator renda (consumo de energia elétrica e água, local de moradia, condições de saneamento). Fizemos no ano passado uma atualização de todos os cadastros, em ação integrada com as prefeituras, e continuamos esse processo por meio do índice de gestão descentralizada. Repassamos recursos às prefeituras para que mantenham os cadastros atualizados, o que é feito depois do teste de consistência dos dados oferecidos.

Tendo em vista os convênios que firmamos com os Ministérios Públicos estaduais e federal, todas as comarcas do Brasil são parceiras na fiscalização do programa. Consolidamos a rede de fiscalização pública e nosso próximo passo será uma maior mobilização da sociedade e a implantação dos conselhos e comitês locais de acompanhamento do programa.

Seria possível definir três grandes desafios nessa segunda gestão do Ministério do Desenvolvimento Social?

O primeiro é a intersetorialidade. Temos cada vez mais de integrar as políticas sociais. O ser humano é indivisível. Uma criança não aprende na escola sem ter saúde. Não terá saúde se não tiver assegurado o direito à alimentação. Não terá uma saúde psíquico-emocional, que é base para o aprendizado, se os laços familiares e comunitários estiverem fragilizados. É fundamental a presença do Estado, das políticas públicas de assistência social, para reconstituir esses laços, para recolher as crianças e adolescentes em espaços adequados, que possibilitem seu desenvolvimento emocional. Cada área tem suas especificidades e conquistas históricas. A escola pública republicana não caiu do céu, assim como a saúde, com o SUS. Trata-se de integrar as políticas públicas na perspectiva mais ampla do desenvolvimento social e do Estado do bem-estar social.

O segundo desafio diz respeito ao aprimoramento dos meios de fiscalização e controle. Nós, que defendemos, como tem reiterado o presidente Lula, que na área social não há gasto, há investimento, precisamos ter transparência, prestação de contas e mecanismos de combate permanente a qualquer forma de corrupção e fraude. O contribuinte tem o direito de saber em que estão sendo aplicados seus recursos. Defendemos inclusive a ampliação da participação, de orçamento o mais participativo possível, também no plano nacional. Nessa mesma linha, devemos avançar na avaliação dos programas. É fundamental que tenhamos os resultados, saibamos o que está acontecendo na ponta, haver monitoramento e construção de indicadores.

E o terceiro desafio, penso, até para superarmos qualquer tipo de fraude, é a mobilização social em torno de nossos programas, especialmente o Bolsa-Família. É importante que mobilizemos as forças vivas da sociedade, movimentos sociais, empresários imbuídos de responsabilidade social, igrejas, pastorais, enfim, todos esses setores, para que se tornem participantes dos programas sociais, se sintam responsáveis por eles e gerem crescente consciência de cidadania nas pessoas, nas famílias e comunidades que estamos atendendo.

É fato que os programas do Ministério têm tido maior impacto no campo que nas grandes cidades?

Nas pequenas comunidades, e até nas médias, o impacto dos programas é visível, até porque há uma conexão quase natural. As pessoas se conhecem, os programas se encontram e se integram. Os Cras com o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, com o Bolsa-Família, com programas de geração de trabalho e renda, até com outras áreas sociais − integração com a saúde, a educação, o desenvolvimento agrário, a agricultura familiar. O encontro das políticas, das obras, e o aproveitamento comum de equipamentos são visíveis. Isso possibilita maximização de recursos e ampliação de parcerias.

Enfrentamos maior desafio nas regiões metropolitanas porque os elementos de diluição são fortes: o custo de vida, as demandas consumistas, o processo de desconstituição de famílias, de comunidades, a violência. Enfrentamos isso não só nas políticas sociais, mas também nas ações econômicas. Por exemplo, o PAC terá um papel muito positivo, porque está desenvolvendo programas sociais, urbanização de vilas e favelas, saneamento básico, construção de casas populares. Um avanço importante é o Programa Nacional de Segurança Pública e Cidadania, o Pronasci, que faz interface com os Cras. Essa integração das políticas sociais é fundamental para que vençamos o desafio urbano. É um processo que demanda certo tempo, mas o governo Lula vem avançando vigorosamente nessa área.

Você tem afirmado que houve uma multiplicação dos programas diretos de redirecionamento de renda e uma quadruplicação do orçamento geral da pasta. Poderia precisar essa mudança do padrão orçamentário?

As políticas vinculadas ao nosso ministério, relacionadas com as políticas públicas sociais, de assistência social, segurança alimentar e nutricional e transferência de renda, no último ano do governo anterior, tiveram investimento de R$ 7,2 bilhões. No primeiro ano do governo Lula, com todas as dificuldades que vivemos até em decorrência dos desacertos do governo anterior, fomos para R$ 11,4 bilhões. Em 2004, quando foi criado o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, o orçamento foi de R$ 14,3 bilhões; em 2005, de R$ 18,3 bilhões; em 2006, de R$ 21,6 bilhões; em 2007 ultrapassaremos os R$ 25 bilhões; e na proposta orçamentária, encaminhada ao Congresso, estão previstos projetos de R$ 28,5 bilhões para nosso ministério. Essa avaliação também se dá nas outras áreas. Se pegarmos os investimentos em saúde, educação, agricultura familiar, reforma agrária e cultura, saltamos de R$ 56,4 bilhões em 2002 para R$ 116 bilhões em 2007. E uma previsão orçamentária que se aproxima dos R$ 130 bilhões no próximo ano, e talvez até ultrapasse essa marca. O Brasil investe 13% na área social em relação ao PIB, incluída a Previdência. No orçamento do Executivo se investem 25% na área social, sem a Previdência. É um dado muito significativo, mas não é tudo o que queremos. O Brasil, pela dívida social que acumulou ao longo de sua história, precisa continuar investindo prioritariamente na área social, como fazem os países mais desenvolvidos, que apresentam os maiores indicadores sociais do mundo − os escandinavos, por exemplo.

A mídia trabalha a idéia de que o governo Lula estaria combinando crescimento dos impostos com uma gastança em programas sociais, esquecendo-se da classe média, ou a onerando ainda mais, o que cria certo conflito...

É claro que a questão tributária deve ser objeto de um debate democrático e de reflexão, até para avançarmos na questão da justiça tributária. Quem pode mais paga mais, quem pode menos paga menos. Por outro lado, é preciso criar uma consciência na sociedade de que os impostos são indispensáveis. Não vamos fazer o Brasil que queremos sem impostos. Não há segurança pública – aspecto que interessa muito à classe média – de boa qualidade, atendimento médico, transporte, energia elétrica, qualidade de vida sem eles. O dinheiro vem do bolso do contribuinte. É fundamental, além do debate democrático, a participação na discussão das linhas orçamentárias, a transparência, a prestação de contas.

Defendo um debate mais amplo da função social da propriedade e do lucro, que estabeleça princípios civilizatórios, incorporados inclusive pelos países capitalistas mais avançados. Uma justiça tributária que incida além de propriedades improdutivas, que faça com que aqueles que ganham mais possam também oferecer um retorno maior. É importante que a contribuição da classe média se dê dentro das suas possibilidades. Aí entra outra discussão importante: no Brasil, quem é realmente a classe média? Porque, desde os que têm renda a partir de R$ 2 mil até quem ganha R$ 70 mil por mês, todos se dizem classe média.

Para promovermos efetivamente o Estado de bem-estar social, é fundamental que todos, dentro das suas possibilidades, contribuam.

A construção do Estado de bem-estar social no Brasil é considerada por muitos inviável, o pleno emprego se tornou uma miragem e o Estado é considerado um agente financeiro falido e com restrições estruturais. Como avançar nessa construção?

O projeto nacional brasileiro que estamos construindo passa pelo Estado de bem-estar social. Temos o dever ético-moral de construir um país onde as pessoas tenham atendidas suas necessidades básicas.

A questão do emprego coloca o desafio do Estado de bem-estar social. Trabalhamos sempre na perspectiva de uma sociedade que assegure a todos o direito ao trabalho. Hoje temos um desemprego estrutural. As decorrências do neoliberalismo, e as conseqüências da globalização perversa em relação aos pobres, esqueceram, nas perspectivas internacionais, os direitos dos pobres, dos trabalhadores, os direitos sociais, a questão ambiental, a construção da paz.

Os avanços tecnológicos fazem com que as empresas produzam mais com menos gente. O mercado de trabalho exige pessoas qualificadas, e isso no Brasil fica mais grave considerando a herança social do país, a concentração de renda e terra, a escravidão. Temos analfabetos numa época em que os empregos mais modestos exigem conhecimentos de informática. Tem de haver um esforço integrado, com a fundamental participação do Estado. Defendo um Estado democraticamente forte. Todo o processo de modernização no país teve no Estado uma referência. Estamos falando do Estado democrático de direito, mas com presença na vida econômica, que explore as potencialidades do país e planeje o futuro. Um Estado que liberte, por meio do PAC, as possibilidades de crescimento, implemente vigorosas políticas públicas, como estamos fazendo.

Há espaço para o mercado, a livre iniciativa, o empresariado, que devemos estimular. Sobretudo os imbuídos de responsabilidade social, do bem comum, que incorporem as questões sociais e ambientais. Devemos estimular as alternativas da economia solidária, do cooperativismo, da agricultura familiar, os arranjos produtivos locais, potencializando as vocações das diferentes regiões, integrando esses arranjos com cadeias produtivas maiores. É fundamental atrair investidores, queremos a presença de grandes empresários, mas dentro de critérios que assegurem o bem comum, que as empresas devolvam uma parte do lucro que aqui recebem. Queremos uma sociedade em que, pela ação do Estado, dos empresários, e pela participação efetiva de todos os segmentos da sociedade, estabeleçamos um contrato social decente, que tenha na vida humana seu elemento de coesão. A meta é ninguém morrer precoce, injusta ou violentamente.

Tentativas de ampliar direitos sociais no Brasil levaram a fortíssimos conflitos políticos. Qual a coalizão política que pode sustentar os avanços na construção desse Estado de bemestar social?

Vivemos numa sociedade conflituosa. Aprendi como advogado e professor de Direito que os direitos são conquistados. Foi assim no século 17, 18, com a ascensão da burguesia, no século 19 com as lutas que levaram aos direitos sociais, econômicos, culturais, trabalhistas, previdenciários, resultando no Estado de bem-estar social no século 20, o qual precisamos recuperar, trabalhando níveis de interesses econômicos, mas também de concepção, de visão de mundo.

É fundamental que os pobres se organizem e tenham acesso aos bens e serviços básicos para que possam expandir suas possibilidades e seus conhecimentos e se tornar atores-cidadãos. Também estamos falando dos trabalhadores formais e informais. É preciso integrar todos os atores numa perspectiva de compromisso com o bem comum e a responsabilidade social. Homens e mulheres que vêem além dos próprios interesses e sabem, até por motivos práticos, que seus interesses pessoais e familiares, quando dissociados de uma visão mais comunitária, coletiva, nacional, não vingam. Ninguém se salva sozinho.

Em termos de coalizões partidárias, como essa vontade política, coesa, se expressaria?

O PT está cumprindo um papel histórico no processo de formação do país e do povo brasileiro. E deve repor na sua agenda os grandes debates sobre as questões éticas, democráticas, sociais, e sobre o Brasil e o projeto nacional. Buscar a integração e discussão com os partidos mais de esquerda. É importante voltarmos um pouco ao 5º Encontro, repactuarmos as forças de esquerda no Brasil − PCdoB, PDT e PSB. Claro que todos têm suas contradições. Há setores importantes, historicamente comprometidos no PMDB. Do ponto de vista da governabilidade, a aliança com o PMDB é importante, embora implique desafios permanentes porque é um partido que expressa muito os conflitos, as contradições do processo político e social do Brasil. Além da questão partidária, temos de ampliar as alianças sociais e criar espaços para que as pessoas possam participar mais. Por exemplo, admirável no governo Lula foram as conferências nacionais. Precisamos criar espaços em que as políticas públicas sejam discutidas de forma mais integrada, até para que nesses conselhos e conferências se possa abrir espaços para a discussão orçamentária. Desde que haja uma concepção do orçamento mais ampla. Insisto na idéia de agir além dos partidos,a democracia representativa deve ser cada vez mais mesclada com a participativa e também com instrumentos da democracia direta.

A Pnad de 2006 continua a registrar grande diferença de rendimento entre brancos e pardos e negros e entre homens e mulheres. Como seu ministério atua com relação ao negro e à mulher?

A iniciativa do presidente Lula de constituir com status ministerial a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres foi um avanço. Temos parcerias com as duas secretarias e priorizado as áreas quilombolas, no sentido de levar o Bolsa- Família, a implantação dos Cras, políticas de geração de trabalho e renda – em acordo com programas de economia solidária e políticas de capacitação profissional – ações com o Ministério do Desenvolvimento Agrário no que diz respeito à agricultura familiar, e temos um trabalho integrado com as mulheres no programa de atenção integral às famílias. Há inclusive os centros de referência, que trabalham situações de violência doméstica contra a mulher, de exploração sexual de crianças e adolescentes. A lei Maria da Penha representa um importante avanço, e no governo Lula foram realizadas duas grandes conferências nacionais de mulheres.

Temos programas que combatem as desigualdades sociais, de maior distribuição de renda, que abarca questões específicas, como a indígena, dos negros, das mulheres, dos idosos e pessoas com deficiência. Sabemos que há um déficit, decorrente da história do país. O Brasil aboliu tardiamente a escravidão e não tomou nenhuma medida para integrar os escravos. Nos dias que antecederam o 13 de maio de 1888, discutia-se se os donos dos escravos seriam indenizados pela perda de sua propriedade. Pagamos o preço alto vinculado à escravidão: uma sociedade patriarcal.

Como os novos governos de esquerda e centro-esquerda na América Latina lidam com a superação da pobreza?

Tenho participado de encontros com os ministros da área social da América Latina e do Caribe. A agenda social voltou e superaremos a fase trágica do neoliberalismo. É uma agenda social vigorosa, mesmo em instituições mais conservadoras, como o Banco Mundial ou o Banco Interamericano de Desenvolvimento. As entidades da ONU têm ajudado muito, em especial o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, a Organização para a Agricultura e Alimentação, a Unesco. A Organização Internacional do Trabalho tem patrocinado alguns encontros. São situações diferentes, mas há pontos que unificam: a preocupação com a questão social, dos pobres, dos trabalhadores, o reconhecimento do fracasso do neoliberalismo e da importância do Estado na formulação e implementação das políticas públicas. A idéia, que alguns alimentaram, de que o mercado podia ser substituído pelas organizações não-governamentais também não prevaleceu. As ONGs sérias, comprometidas com o bem comum, atuam em áreas, em setores ou regiões. Elas não podem substituir o Estado num projeto estratégico de uma nação, no compromisso com o futuro, na integração das políticas setoriais e regionais, especialmente num país continental como o Brasil. E isso vale hoje para todos os países que queiram afirmar sua identidade. Em alguns países falta investimento, falta priorizar a questão dos pobres. Ainda há a idéia de que a questão social é filantrópica. No Brasil, trabalhamos a questão social numa linha absolutamente republicana.

Na América Latina existe outro país que tenha adotado um regime semelhante ao do Bolsa-Família?

Houve uma arrancada do Programa Oportunidades no México, que é grande, mas não vem se expandindo. O Chile também tem uma experiência importante, o Chile Solidário. Preciso conhecer mais os programas da Venezuela. As conquistas sociais de Cuba são notáveis e devemos reconhecêlas independentemente de qualquer questionamento do ponto de vista democrático e dos direitos humanos.

Não se nota em torno dos programas de combate à pobreza mobilização social, como, por exemplo, na campanha liderada por Betinho. Como potencializar, por meio de movimentos sociais, a ação do governo?

Movimentos como o liderado por Betinho despertaram o país para a necessidade dessas políticas públicas. É fundamental a participação da sociedade, inclusive para garantir as conquistas. Houve um avanço no sentido de que a questão social no Brasil saiu do campo da filantropia, do assistencialismo, do clientelismo, para o das políticas públicas. Isso é uma conquista. Foram criados mecanismos que estão se ampliando e aperfeiçoando, de controle e participação social, por meio das conferências. Agora precisamos buscar maior equilíbrio, mobilizando mais a sociedade para uma contribuição efetiva. Devemos fazer uma varredura vigorosa, resgatando a memória de Paulo Freire e de tantos educadores populares para abolir o analfabetismo. Com a participação da juventude, mobilizando as igrejas, as comunidades eclesiais de base, as universidades. Outro desafio é a criação de uma consciência mais cívica. A construção de um país se dá por meio da ação efetiva dos governos, com vigorosas políticas econômicas, sociais, mas, sobretudo, quando as pessoas assumem os temas nacionais como pessoais e debatem em todos os níveis os problemas de sua comunidade e do Brasil. É fundamental essa dimensão de uma maior politização, de estimular o debate e o resgate de valores. É um desafio para o PT, os partidos e os movimentos comprometidos com a emancipação do povo brasileiro.

Juarez Guimarães é cientista político, professor na Universidade Federal de Minas Gerais