Sociedade

O I Congresso da Juventude do PT, realizado em maio, elegeu uma mulher agricultora familiar para coordenar a secretaria nacional.

Severine Macedo foi eleita secretaria nacional de Juventude. Foto: Anderson Barbosa

Qual é sua trajetória de militância?
Sou do interior de Santa Catari­na, de Anita Garibaldi, um pequeno município da serra. Comecei minha militância aos 12 anos, na Pastoral da Juventude. Como a cidade é pequena, fizemos um trabalho basicamente em áreas rurais. Ao longo dos anos cons­truímos organizações sindicais rurais e dos movimentos sociais. E por volta dos 15 anos iniciei minha ação sindi­cal na Federação dos Trabalhadores em Agricultura Familiar (Fetraf ). Esse trabalho se ampliou para além do mu­nicípio. Em 1999, com 17 anos, assumi a coordenação estadual da juventude da federação. Em 2001, com a criação da Fetraf-Sul, coordenei a juventude nos três estados da região. No fim de 2006, com a instituição da Fetraf-Bra­sil, assumi a coordenação da mesma área na nova entidade.

Partidariamente sempre militei, filiei-me aos 16 anos. Meus pais fize­ram parte do grupo de fundadores do PT em nosso município e desde cedo participei das atividades.

Como está a relação do PT com a juventude brasileira? Quais são as demandas fundamentais?
Estamos vivendo a chamada Dé­cada da Juventude. Os números são significativos: mais de 34 milhões de jovens no país. Há uma efervescência não só quantitativa, mas por demandas dos movimentos juvenis, para além dos setores tradicionais (estudantis, sindicais e partidários), são crescen­tes os segmentos específicos que se organizam a partir de suas próprias bandeiras, como o LGBT, juventude negra, mulheres. Outro fator que im­pulsiona o debate, para o bem ou para o mal, é a visão que a sociedade tem da juventude como um problema. No nosso ponto de vista isso é negativo. Os “problemas” como violência, mortes no trânsito, desemprego juvenil, falta de perspectivas são fruto do sistema.

O PT não pode se omitir e tem de encarar essa realidade, este momento que a juventude vive. Há muitas com­parações entre a juventude de 1968 e a de hoje, uma revolucionária e a outra mais alienada. É uma visão geral que precisamos enfrentar porque são dois momentos completamente diferentes da história. Teve sua importância para a democracia toda a luta de nossos companheiros em sua juventude na década de 1960, mas hoje vivemos uma realidade diferente, há uma diver­sidade muito grande que precisa ser compreendida e com a qual devemos dialogar. O PT precisa assumir para si a aposta na juventude como segmento estratégico. Somos uma parcela muito grande, mas há uma debilidade do partido em priorizar a juventude em suas pautas, ou seja, a participação não se dá apenas por estar filiado e ir aos encontros. Estamos falando de condições de participação dos espaços decisórios, institucionais e de compor com quem tem acúmulo e história na construção partidária. Então, a meta é assimilar a juventude como uma das bandeiras prioritárias do PT e ampliar os espaços da juventude no próprio partido. É nossa tarefa ampliar os es­paços no PT e na própria sociedade. Temos de estar com a nossa juventude organizada para dialogar com quem está fora do partido.

Nosso grande objetivo é fortalecer o PT como referência para a juventude. Ele deve conseguir dar conta de responder às suas demandas, ou seja, dialogar com os movimentos juvenis e, principalmente, com os jovens que não estão organizados. A grande maioria não está organizada e tem um sentimento bastante negativo, baixa perspectiva de futuro. A juventude brasileira é uma das mais pessimis­tas do mundo em relação à vida, à política e temos que enfrentar isso e recuperar nesses jovens o sentimento de que o partido é um importante instrumento da classe trabalhadora. Da mesma maneira que é importante que os movimentos sociais estejam organizados, o partido também é um espaço para a transformação da so­ciedade, melhorar a vida dos jovens, sem perder de vista nossas bandeiras históricas, mas também incorporar as atuais. É muito importante reconhecer a diversidade e que a juventude do PT não é só a militância no movimento estudantil – que continua sendo um grande espaço, mas não está só. Tem a juventude do meio rural muito forte no partido, os jovens da periferia, os negros, que são os mais marginaliza­dos da sociedade, agora as mulheres também têm suas pautas. Temos que conseguir fazer essa junção entre as pautas específicas e o projeto socia­lista que defendemos. Precisamos de uma juventude menos internista, menos na disputa da máquina interna do partido e nos governos nos quais atuamos; precisamos qualificar nossa militância para a intervenção e a ela­boração política, mas que movimente as ruas, a juventude e que agregue. Não são poucas as tarefas.
O que muda para a ação da Secre­taria de Juventude o fato de ser coordenada por uma mulher e agri­cultora familiar e não por um repre­sentante do movimento estudantil?
Para a juventude como um todo e também para o movimento do qual faço parte isso é muito importante. Fortalece a pauta de incorporar a diversidade. De fato, sou a primeira mulher secretária e não sou do mo­vimento estudantil. Todos os outros secretários eram meninos e do movi­mento estudantil, que trabalha com muitos jovens, tem dinâmica própria e uma história importante para o país. Mas estamos em um novo momento e vamos incorporar as várias demandas. A simbologia é bastante importante, mas a intenção não é ficar só no sím­bolo, que “a primeira mulher, jovem e rural na secretaria do PT” consiga com essas características e de outros movimentos que estarão compondo a secretaria empreender outro ritmo. A juventude do PT acabou de sair de um Congresso em que passou de setorial para secretaria, com direções nacional, estaduais e municipais, que estarão dentro do partido, mas com autonomia de organização. Não basta um desenho novo, é preciso inovar nas práticas, na metodologia, na forma de construir para não cair no burocrático.

A juventude do PT mostra que tem capilaridade e expressão muito fortes, só precisa ser mais bem po­tencializada e organizada. Tivemos a Conferência Nacional de Juventude, convocada pelo governo federal, em abril, e a maioria dos jovens presentes se identificou com as bandeiras do PT, o que mostra que temos inserção na base.

Ter uma representante do meio rural é importante porque, apesar de esquecido, é um segmento muito representativo. São em torno de 5 mi­lhões de jovens no país com possibili­dade de dar continuidade à agricultu­ra familiar, categoria que garante mais de 70% dos alimentos consumidos no Brasil. Portanto, garante a segurança alimentar e a maior parte dos empre­gos no campo – não o agronegócio –, a cada dez empregos sete são da agri­cultura familiar, que tem outra relação com o meio ambiente e uma ocupação do território muito mais dinâmica do que as grandes propriedades. Mas a continuidade da agricultura familiar

Na Conferência de Juventude, convocada pelo governo federal, a maioria dos presentes se identificou com as bandeiras do PT. Temos capilaridade e expressão muito fortes, só precisam ser potencializadas está colocada para a juventude, que se continuar a fugir para a cidade não haverá quem dê seqüência a esse modelo. Então, precisamos identificar outros setores com problema especí­fico, como o da juventude rural, que por mais que não represente a grande massa da juventude do país, precisa ser valorizada e avançar na conso­lidação de suas pautas, para que se transformem em políticas e ações concretas que melhorem as condições de vida das pessoas.

Como a juventude petista avalia a conjuntura nacional?
Vivemos um momento ímpar. Conseguimos avançar em um conjun­to de políticas nacionais, recolocamos o país no cenário mundial, fortalece­mos o desenvolvimento interno e uma série de demandas nossas. Precisamos enfrentar ainda muitos desafios que estão colocados do ponto de vista da economia, da inserção de setores que avançaram com os programas sociais, resolver problemas estratégicos como o da reforma agrária, que não tem avançado. O governo Lula tem uma agenda progressista, mas também tem de ceder a setores não-progressistas em nome da governabilidade.

Qual é a avaliação das políticas pú­blicas do governo federal?
A avaliação geral é de que houve a construção de espaços e políticas específicas. Foi criada a Secretaria Na­cional de Juventude, que tem a tarefa de responder e articular as políticas de governo e que desenvolve o Pró-Jovem, um programa importante, do governo Lula. Foi criado o Conselho Nacional de Juventude com maior participação da sociedade civil e que tem a possibilidade de acompanhar e monitorar as políticas públicas para juventude e uma série de ações, como o ProUni.

Nossa avaliação é que os progra­mas ainda não têm uma articulação entre si. E que ainda falta uma política de Estado. A Conferência Nacional conseguiu dar essa marca da parti­cipação social do governo no debate da juventude, com mais de dois mil delegados do Brasil inteiro, de vá­rios segmentos, e todos sentiram-se contemplados com as diretrizes. Mas agora precisamos transformar as diretrizes em ações, prioridades em políticas, aprovar no Congresso Nacional o Plano Nacional da Juven­tude – construção social para propor ações para os próximos dez anos –, a Proposta de Emenda Constitucional, a PEC da Juventude, que a reconhece na Constituição Federal como segmento específico. Os poucos programas que temos são federais. É preciso ter política local. Não dá para jogar toda nossa expectativa na esfera federal, é preciso institucionalizar a espaços e políticas também nas prefeituras e governos estaduais. A juventude do PT, enquanto direção, precisa cobrar mais dos governos, porque precisa­mos criar políticas de continuidade, que não sejam

Qual é o balanço do processo do Congresso da Juventude do partido? Quais foram os pontos mais polêmi­cos, as dificuldades e os avanços?
O congresso foi muito positivo e chegamos a 20 mil pessoas envolvidas nas várias etapas. Houve participação e mobilização, mas temos sempre o velho problema da disputa da máqui­na, que não tirou o brilho do evento, que marca um novo momento da juventude do PT, que se propõe a ser uma juventude de massas e que fortaleça nossas pautas. Foi bastante representativo do ponto de vista dos segmentos que compuseram o Con­gresso. Não foram só as grandes cida­des. Houve uma inversão e as cidades pequenas e médias surpreenderam, o que mostra que há uma interiorização do debate e há um segmento, que não apostávamos do ponto de vista da mobilização, que está organizado e participando. Precisamos enfrentar melhor a participação da juventude nas instâncias decisórias, explorar mais os espaços locais, colocar mais na pauta do partido a juventude.

Aprovamos resoluções importan­tes como, por exemplo, a paridade na participação de gênero e étnica­racial, um avanço muito importante para o PT. O Congresso Nacional teve 45% de mulheres presentes e via-se muitas caras e cores, então a resolu­ção da paridade é fundamental para enfrentar uma discussão muitas vezes mascarada, que tem espaço para todo mundo, mas grosso modo é o homem branco quem está no poder. Discu­timos a fundo nossa necessidade de intervenção nesse debate de política nacional de juventude, as várias de­mandas, a juventude que queremos, a articulação entre as instâncias, não basta ter um setorial nacional porque senão a política não chega ao muni­cípio. Reafirmamos a necessidade de um programa nacional de formação da juventude, permanente. Também vamos organizar uma caravana na­cional de juventude que mobilize os estados. Tiramos como prioridade também impulsionar candidaturas jovens e programas de governo com enfoque para a juventude.

Quais são as novidades na estrutu­ra organizacional da Secretaria de Juventude?
Antes éramos um setorial e agora somos uma secretaria nacional, o que oferece uma capilaridade maior de intervenção da juventude nas várias áreas e passa a ter uma direção que responde às diversas bandeiras. A direção tinha dez membros e agora passou a 25 componentes, uma exe­cutiva de onze e um pleno composto de quatorze membros nacionais, além do conselho político composto pelos secretários estaduais.

Quantos são os filiados jovens no PT? Eles atuam em quais setores?
São 200 mil jovens no PT atuan­do nos mais variados setores. Com destaque para o sindical, a juventude negra, a rural, o hip-hop, atuação no movimento estudantil e feminista.

Enquanto instância partidária, é possível atrair mais jovens para a militância política? Como?
É um desafio, porque partido po­lítico é visto como muito chato, tem uma forma de funcionar que não atrai o jovem. Precisamos reciclar o método e fazer um debate aberto no partido. É im­portante ter o PT como referência para os vários segmentos, mas vamos preci­sar encontrar uma forma de fazer isso, método de organização, de diálogo.

Como será o relacionamento da Se­cretaria com os movimentos sociais?
Esse é um tema que está em debate no PT porque em nossa avaliação te­mos feito muita disputa eleitoral e perdido um pouco nessa relação enquanto instâncias de direção. Não dá para cair no discurso fácil de que o PT se afastou dos movimentos. Acho que continua com inserção nos movimentos, no debate. Mas precisamos ter uma ação mais cotidiana na perspectiva de for­talecer e reconhecer que a institucio­nalidade é importante e democrática, temos que disputar mais prefeituras, garantir que o governo Lula faça seu sucessor, mas também fortalecer os movimentos e sua capacidade de ela­boração, desenvolver ações de diálogo e ter essa pauta permanentemente. O PT é um partido de massa, está inseri­do na sociedade, tem sua instituciona­lidade, mas está fortemente inserido também nos movimentos sociais. .

Fernanda Estima é editora-assistente de Teoria e Debate.