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Entrevista com Luizianne Lins, prefeita eleita de Fortaleza

Luizianne Lins. Foto: Rubens Venâncio

Com 50,16% dos votos válidos, a petista Luizianne Lins foi reeleita prefeita da capital cearense ainda no primeiro turno. Nesta entrevista ela conta como se desenvolveu a campanha, os obstáculos que enfrentou, as ações que já foram implementadas e as novidades para o segundo mandato

Prefeita, como se sente com sua reeleição em primeiro turno?
Representa a vitória de um projeto que está mudando Fortaleza. Assumimos em 2005 uma cidade com um caixa falido, com a carga de uma cultura política muito pesada e destruída em sua auto-estima. Foi difícil, em menos de quatro anos, realizar todas essas transformações. Fizemos um Plano de Cargos, Carreiras e Salários para melhorar as condições dos servidores; buscamos recuperar parte da infra-estrutura urbana de Fortaleza, principalmente nas áreas mais carentes, enfrentando dificuldades financeiras. Colocamos a saúde e a educação como prioridades e buscamos estabelecer projetos que desenvolvessem Fortaleza notadamente na área social, com destaque para o setor de transporte – cuja tarifa de sistema integrado hoje é a mais barata do país e congelada há anos – e habitação. Concluiremos a gestão com quase 20mil unidades construídas, configurando a maior política habitacional da história de Fortaleza. A vitória no primeiro turno foi o reconhecimento desse esforço para reconstruir nossa capital.

Como pode ser avaliado o processo eleitoral em Fortaleza?
Foi complexo e difícil. Durante quase quatro anos de gestão, sofremos com uma oposição que muitas vezes jogou baixo. Na eleição, os candidatos que representavam um grupo que quer a qualquer custo retomar o poder no estado usaram de todos os artifícios possíveis. Mas desde o princípio definimos que não iríamos baixar o nível da discussão. Optamos por falar diretamente com a população e mostrar o que realmente estava acontecendo com Fortaleza. O povo compreendeu nossa mensagem e percebeu que estamos no caminho certo.

Quais foram os fatores que favoreceram a reeleição?
O principal foi o trabalho realizado. Hoje, temos uma cidade financeiramente equilibrada e com projetos voltados para o futuro. O resultado é que a população voltou a sorrir, voltou a ter esperança. Isso para mim foi o fator decisivo. O povo percebeu que tínhamos dado uma reviravolta, que estamos devolvendo a cidade a seu verdadeiro dono, a população, e quis se manter nesse caminho. Antes tínhamos a cultura do asfalto, da obra de concreto. Na campanha, mostramos que mais importante que construir viaduto era tirar as pessoas que moravam embaixo dele.

A coligação que a elegeu é bem ampla, doze partidos. Como ficou a composição da Câmara Municipal? Vai ser mais fácil administrar com mais partidos apoiando?
Quando fui eleita em 2004, dos 41 vereadores que chegaram à Câmara, apenas um, o vereador Sérgio Novais (PSB), me apoiou no primeiro turno. Agora, eleitos pela coligação majoritária que nos apoiou, 29 são diretamente ligados à nossa candidatura. Temos condições de dar um salto de qualidade. Isso é importante para a cidade e para a cultura política, que começamos a modificar. Esse critério da discussão transparente será usado também para compor o governo. Não é simplesmente uma soma partidária de quem nos favoreceu eleitoralmente. Vamos precisar ter capacidade para saber quais os melhores quadros para governar Fortaleza, do jeito que fizemos no governo passado. Continuaremos com um governo de esquerda, aprofundando questões relevantes para a cidade.

A popularidade do presidente Lula influenciou o processo eleitoral de sua cidade?
Claro que termos um presidente como Lula, sintonizado com as necessidades do povo, é importante. Porém, costumo dizer que não seria importante se não tivéssemos feito uma boa administração. Para nós, o decisivo foi que conseguimos mostrar ao povo o que estava sendo feito. Nosso trabalho comprovou que temos competência e sabemos direcionar nossa gestão para os que mais precisam dela.

Houve participação da militância no processo?
A participação da militância sempre foi decisiva nas eleições em Fortaleza. Na eleição anterior, garantiu nossa vitória dentro do PT e foi nossa principal aliada. Agora, novamente, a militância compreendeu as transformações que estavam sendo feitas na cidade e foi às ruas para defendê-las. Nossa campanha aconteceu em toda a cidade, todos os dias, graças ao empenho dos militantes, que se deram ao máximo nesse período.

Qual sua avaliação do desempenho petista nas urnas nordestinas? Fortaleza ajudou a consolidar outras vitórias do PT no Nordeste?
Fortaleza e Recife são as capitais mais representativas para o PT atualmente. Ambas conseguiram reafirmar sua continuidade com um trabalho sério, ético, voltado diretamente para as questões sociais, que se tornou referência de um novo modo de fazer política. O PT é o grande vitorioso destas eleições no estado. Foi o partido mais votado, com 879 mil sufrágios. As quinze prefeituras conquistadas possuem 3 milhões de habitantes. Só para se ter uma idéia, as 54 prefeituras do PSDB representam 1,5 milhão.

Você concorda com as análises de que algumas capitais nordestinas conseguiram acabar com velhas oligarquias?
O Nordeste sofreu muito com uma elite atrasada e conservadora. Historicamente, prevalecia sempre uma relação coronelista, em que os grupos econômicos e políticos procuravam manter seus feudos eleitorais. Até mesmo nas capitais, onde víamos uma resistência maior dos movimentos organizados, tais grupos tentavam a todo custo manter esse tipo de dominação. Porém, nas capitais essa relação começou a mudar já no final da ditadura militar. A partir de 2002, com a eleição do Lula, essa tendência consolidou-se. Este ano, os resultados que tivemos demonstram isso. A nossa reeleição aqui em Fortaleza consolida um novo ciclo da política do estado. Acredito que em outros estados essas mesmas mudanças estejam acontecendo.

Em termos de políticas públicas, o que muda da primeira para a segunda gestão? Há muitas novidades para o segundo mandato? Quais são as prioridades?
No primeiro mandato, tivemos de correr atrás de recursos. A cidade estava quebrada e fomos buscar financiamento internacional para os grandes projetos que estão em curso, como o do Hospital da Mulher, que vai atender a uma demanda histórica das mulheres de Fortaleza, os Cucas (Centros Urbanos de Cultura, Arte, Ciência e Esporte de Fortaleza) – projeto direcionado para a juventude que vai influenciar diretamente o cotidiano dos jovens das classes baixas da capital cearense – e projetos de habitação e urbanismo, que vão representar uma redução de 40% das áreas de risco da cidade. Isto foi a minha tarefa no primeiro governo: fazer articulação política e conseguir dinheiro. Nesse segundo governo vou privilegiar a gestão, acompanhar de perto o trabalho de cada secretaria. Agora temos as condições materiais para realizar e executar as grandes obras. Vou também fazer a parte mais institucional da cidade, conversar com os setores sociais. Mas áreas como saúde e educação continuam sendo prioridade. Na saúde, por exemplo, demos neste primeiro momento uma atenção maior ao atendimento básico – ampliamos para 45% a área de cobertura do PSF – e de alta complexidade. Agora, teremos de buscar políticas que priorizem o atendimento de média complexidade. E, na educação, sabemos que nosso grande desafio agora é melhorar ainda mais a qualidade do ensino na capital cearense.

Como foram as parcerias da prefeitura com o governo federal? E como serão no próximo mandato?
A relação entre o governo municipal e o governo federal tem sido de cooperação. Desde o primeiro momento, quando assumimos a Prefeitura de Fortaleza, encontramos no governo federal uma relação de parceria para implementarmos políticas públicas que ajudem no desenvolvimento da cidade. Acredito que para esse próximo mandato a relação permanecerá a mesma.
Fortaleza tem mecanismos de participação e controle social? Foram políticas que mudaram a cultura local?
No nosso mandato, implantamos pela primeira vez em Fortaleza o Orçamento Participativo (OP). Ele tem sido decisivo para mudanças das relações políticas na cidade. Com ele, os moradores têm podido opinar diretamente sobre as prioridades das obras que serão realizadas. Isso os tirou da relação de paternalismo com algumas pseudolideranças, que se fiavam em ligações com alguns políticos para conseguir obra para os bairros. Agora, é a população que define, dá os rumos. O resultado pode ser visto nas últimas eleições. O povo está bem mais esclarecido dos trâmites para a realização de algumas obras.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta o crescimento e o aumento da influência política e econômica de várias capitais nordestinas, sobretudo Fortaleza. Como você avalia esse dado?
Isso passa pelas diversas conquistas sociais implementadas por essa gestão. Fortaleza é a capital que mais reduziu a pobreza em todo o país, segundo o IBGE. A Região Metropolitana de Fortaleza é a que mais gera empregos com carteira assinada no Nordeste, sendo a terceira do Brasil, segundo o Caged. É a capital que reduziu a mortalidade infantil e com a maior queda da mortalidade materna do Brasil (de 70,8 por 100 mil nascidos vivos para 23,6). Tudo isso, aliado à boa infra-estrutura de porto, aeroporto, energia e água, além de boas universidades e centro de formação profissional, faz a cidade ser um pólo aglutinador.

Encerradas as eleições, qual avaliação pode ser feita do quadro nacional que se desenhou?
O PT está consolidado como a grande força político-partidária do país. Não mais se imagina qualquer discussão eleitoral sem que se verifique o peso do Partido dos Trabalhadores e toda a sua tradição histórica de reconhecimento e interação com os movimentos sociais organizados.

Fernanda Estima é editora assistente de Teoria e Debate