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Acre e Pará, sob administração do PT, impulsionam o protagonismo no desenvolvimento sustentável

Os estados do Acre e Pará, sob administração do PT, já apresentam mudanças que ajudam a região amazônica a se transformar em protagonista do processo de reversão do modelo predador do meio ambiente

A complexidade da Amazônia também se constitui politicamente. Particularmente, como desafio de gestão para governos que buscam alternativas ao modelo de desenvolvimento instalado há séculos, baseado na extração da riqueza natural da região sem remunerar dignamente sua gente e sem agregar valores tecnológicos, morais e culturais, que lhe garanta sustentabilidade.

Desafio que o PT, por decisão nacional em 2000, começou a encarar com a promoção das Conferências da Amazônia, realizadas pela Fundação Perseu Abramo. Foram mobilizados movimentos sociais, universidades, institutos de pesquisa, partidos e governos de esquerda para refletir sobre os problemas vividos no cotidiano das comunidades e a necessidade de articular uma alternativa de desenvolvimento ampla e sistêmica o suficiente para superar tal cotidiano.

Nas três edições da Conferência da Amazônia — 2000 em Belém, 2001 em Macapá e 2004 em Porto Velho ­—, o esforço inédito de colocar em diálogo setores que ainda não haviam partilhado encontros desse gênero teve como fruto duas percepções principais: a sociedade brasileira precisava superar a visão idílica da região, que em regra aparta o bioma da gente que nele vive, e a sociedade amazônida precisava avançar ainda mais em sua organização e capacidade de elaboração para cumprir um papel protagonista no processo de reversão do modelo de desenvolvimento predador rumo a outro, sustentável.

Essas ideias consolidaram-se em meio à sinergia de movimentos "pró" sustentabilidade nas mais diversas frentes, dentro e fora da região, e somaram para o avanço de alianças e programas que deram às conquistas eleitorais da esquerda na Amazônia uma dimensão inédita. Hoje, apenas os governos de Rondônia e de Roraima não estão no arco de alianças do governo Lula. Mesmo assim, no caso de Rondônia, vale destacar que a prefeitura da capital, Porto Velho, pela segunda vez foi conquistada pelo PT.

No presente artigo, pelo significado político-econômico que possuem, destacaremos, nesta análise qualitativa, apenas dois governos, ambos petistas. O do estado do Acre, que está em seu terceiro mandato seguido, e do Pará, em seu primeiro mandato. O Acre com um programa consolidado e desafios enormes para manter a porção relativamente mais preservada da região e o Pará, ainda em elaboração, como é natural em apenas dois anos de governo, que já vem enfrentando corajosamente os problemas do estado mais devastado, com mais conflitos no campo e de maior população e PIB da Amazônia.

Desenvolvimento sustentável  

Segundo Binho Marques, governador do Acre, o Programa de Desenvolvimento Sustentável do estado considera a ocupação de seu território associada ao aproveitamento dos produtos da floresta, permitindo a preservação de seu patrimônio natural no processo de desenvolvimento econômico. Por isso, mais de 90% da área do Acre ainda é composta por cobertura florestal original, o que gera condições para um ordenamento adequado do uso desse patrimônio, baseado na sustentabilidade ambiental, em mecanismos de inclusão social e no crescimento de uma economia florestal forte. Desse total, aproximadamente 6 milhões de hectares apresentam aptidão e acessibilidade para a produção florestal sustentada e contínua, representando uma economia florestal potencial de US$ 1 bilhão por ano, com a possibilidade de criação de 5 mil empregos diretos. A implantação do Programa de Desenvolvimento Sustentável do Acre foi avaliada em US$ 108 milhões, dos quais US$ 64,8 milhões provenientes de empréstimo do BID, já em execução, e US$ 43,2 milhões de contrapartida local. O programa compreende todo o território do estado, com 16,5 milhões de hectares e uma população estimada em 600 mil habitantes.

Nos dois mandatos anteriores, coordenados pelo governador Jorge Viana, foram bem-sucedidos o esforço de edificação do arcabouço institucional e a criação de instrumentos indispensáveis de política de governo, principalmente o Manejo Florestal, Infraestrutura, Instrumentos de Crédito e Econômicos, além de Instrumentos Legais. Com isso o governo começou a promover o crescimento econômico ambientalmente sustentável e a diversificação produtiva.

No entanto, não foi simples convencer a maioria da sociedade que era necessário, a um só tempo, dinamizar a economia, corrigir as injustiças sociais, conservar a floresta e respeitar a cultura dos vários povos que habitam o espaço acreano. O convencimento em favor desse modelo, segundo o governador Binho Marques, foi proporcional aos efeitos práticos obtidos.

Os resultados econômicos começaram a ser percebidos quando a maioria dos setores populares, relacionados basicamente aos seringueiros, que tinham como fonte de renda a exploração da borracha, da castanha, do óleo de copaíba e agricultura de subsistência, passou a se beneficiar de estradas e acessos diversos (inclusive ao seringal) e também de cursos e treinamentos para trabalhar na exploração da madeira inclusive — ­ recebendo 10% da receita bruta da venda da madeira, aumentando significativamente os recursos das comunidades. Binho destaca que essa foi a forma de materializar o modo petista de governar, quanto às inversões de prioridades.

Mas o projeto de desenvolvimento do Acre não dialoga apenas com os setores populares da sociedade. O governo do estado, visando à produtividade das florestas através do manejo sustentado, está atraindo, inclusive oferecendo incentivos, indústrias que agreguem valor aos produtos da madeira. Também há grandes esforços para integrar o estado com obras de infraestrutura como a BR-364, entre os rios Envira e Liberdade, que liga Cruzeiro do Sul a Rio Branco; a recuperação e abertura de ramais a estradas, porto fluvial e seco, construção das Unidades de Gestão Ambiental Integradas (Ugai) nos Rios Gregório e Liberdade, laboratórios de Certificação e Melhoria das Sementes e Espécies Nativas, Laboratório de Geoprocessamento e Sensoriamento Remoto, Viveiro de Mudas, implantação do novo Distrito Industrial e o desenvolvimento de tecnologia para o setor moveleiro.

Além disso, aumentam os investimentos que propiciam o desenvolvimento da indústria do turismo, combinando a valorização de áreas de grande relevância ecológica pela sua biodiversidade e também de grande beleza cênica, que em vários casos são ainda palco de pesquisas científicas e desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico.

Ganha destaque o Programa Promoção de Negócios, que desenvolve trabalhos na área de cadeias produtivas, estudos de mercado, logomarcas e marketing e divulga os produtos através de feiras no Brasil e pelo mundo todo, fortalecendo os negócios da região. "Ao implementar políticas, programas e projetos voltados para o desenvolvimento sustentável, o Acre torna-se referência mundial, optando por explorar seus recursos naturais, incluindo a madeira, de forma racional, com plano de manejo florestal e da floresta de cultivo" diz o governa, dor Binho Marques.

No Pará, a primeira mulher a governar o estado da Amazônia, Ana Júlia Carepa, anuncia: "Queremos crescimento econômico com enraizamento social" Assim sintetiza o inova. dor modelo de desenvolvimento que pretende ver, pelo menos iniciado, em seu mandato, baseado sobretudo na modernização da economia extrativista, com agregação de valor, por meio da verticalização da indústria. Na contramão da crise mundial, Ana Júlia tem sido agressiva na captação de recursos para o estado dentro e fora do país. Já esteve com o príncipe Charles em Londres, com empresários diversos na China e até em Los Angeles, com o governador da Califórnia, atual epicentro da indústria mundial, o republicano Arnold Schwarzenegger.

De concreto, além dos US$ 5 bilhões que a Vale investirá para a criação de uma grande siderúrgica em Marabá, a governadora conta com uma onda de investimentos que inclui empreendimentos da Companhia Siderúrgica Paraense (Cosipar), agora sob controle acionário da Nucor. Essa gigante mundial do setor metalúrgico construirá outra siderúrgica no Pará, em Barcarena. O Grupo Votorantim negocia a construção de uma fábrica de cimento no estado.

O programa de governo de Ana Júlia também contempla a exploração do potencial da economia florestal com preservação ambiental. O programa de restauração que pretende replantar 1 bilhão de árvores na Amazônia chamou a atenção do ex-presidente norte-americano Bill Clinton, entre outras personalidades mundiais. A Nestlé planeja investir no grande potencial de industrialização de frutas típicas do Pará. A Suzano prevê a segunda fase do projeto iniciado no Maranhão também no Pará, atraída pelos desdobramentos econômicos do Programa 1 Bilhão de Árvores no setor de papel e celulose.

Estima-se que esse movimento já seja responsável pela abertura de cerca de 10 mil novas empresas no estado, nesses dois anos de governo. Empresas dos mais diversos portes e setores que demonstram os efeitos do transbordamento dos grandes investimentos. "Queremos indústrias que tenham produtos que mereçam o selo `Produzido na Amazônia com sustentabilidade'" clama a governadora do Pará.

Esse processo de desenvolvimento, esclarece a governadora, implica a melhoria da infraestrutura ­ — a ampliação do porto de Vila do Conde, a conclusão das eclusas de Tucuruí e da Hidrovia do Tocantins, a construção da termelétrica de Barcarena, a construção de linhas de transmissão de energia elétrica e a dragagem de trechos do Rio Tocantins, entre outras. E, no aumento da capacitação e formação de recursos humanos, o governo está investindo em mais de quatrocentas bolsas de estudos para fomentar doutorado e mestrado de profissionais paraenses. Além disso, é preciso cuidar da segurança, da saúde, da educação. "Tudo está voltado para um mesmo objetivo: transformar o Pará", sintetiza Ana Júlia.

A mesma animação da governadora com os grandes investimentos que se aproximam do estado do Pará se vê quando o tema é meio ambiente. "Eu tenho tranquilidade em relação aos investimentos porque estamos executando uma política na área ambiental calcada na exigência da legalidade." Ana Júlia dotou a antes desaparelhada Secretaria do Meio Ambiente de instrumentos para agilizar os licenciamentos, sem deixar de ser criteriosa e exigente com relação aos empreendimentos, para evitar uma liberalidade que possa levar ao descrédito. "Quando o estado exige o cumprimento da legislação, nos credenciamos perante o país e o mundo para atrair investimentos. Com isso, o carimbo `Produzido na Amazônia com sustentabilidade' ­ — com base no tripé ambiental, social e econômico ­ — valoriza o produto no mundo inteiro. Nosso interesse é mostrar que no Pará, em plena Amazônia, num estado que tinha uma cultura de desrespeito às leis, agora se exige o respeito às leis e há empreendimentos que agregam valor aos recursos naturais. O investidor quer regras claras para produzir, mas além de tudo isso o investidor tem um algo a mais no produto dele, que é o fato de produzir na Amazônia com responsabilidade ambiental e social" completa a governadora.

Além da identidade estratégica, algumas posições de forte impacto no cenário global unem Binho Marques e Ana Júlia. Ambos defendem a criação de fundos nacionais e internacionais para financiar a preservação da Amazônia. "Não adianta pegar US$ 1 milhão e financiar um projeto que alivia a consciência dos países desenvolvidos do mundo, mas não resolve nada" , diz Ana. E Binho reforça afirmando que "(os países ricos) precisam contribuir garantindo nossa soberania".

Com seu estilo marcante, Ana Júlia fala alto para quem quiser ouvir: "Eles (os países ricos) não têm o direito de opinar porque não têm moral. Eles já destruíram suas florestas". Não menos firme, mas sutil e discreto, Binho se soma à colega afirmando que "eles têm de contribuir, mas quem vai gestar os recursos somos nós, com mecanismos e regras".

No plano nacional, ambos defendem o Fundo de Participação dos Estados (FPE Verde) para beneficiar e compensar estados que possuem mais unidades de conservação da natureza ou terras indígenas demarcadas. A proposta está tramitando na Câmara dos Deputados. A paraense defende ainda esse tipo de destinação, discutido junto com a reforma tributária, ao Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR).

Compromisso com a justiça social  

Sobre a questão dos direitos humanos, na edição 68 de Teoria e Debate, logo após sua eleição, Ana Júlia declarou que ficaria muito feliz se ao final de seu mandato tivesse diminuído a violência no campo. No entanto, ainda se vê diante de desafios como o que sintetiza a emblemática morte da missionária Doroty Stang. "O mandante do crime (Vitalmiro Bastos de Moura) foi condenado no primeiro julgamento a trinta anos de prisão. No segundo foi absolvido. Isso é condenável, é vergonhoso. Isso mostra que nosso sistema de júri era absurdo. Tanto era absurdo que já acabou. Espero que possamos anular o segundo julgamento. Eu anularia, mas quem pode anular é a Justiça. Agora não cabe mais ao estado. Eu abriria nova investigação com o maior prazer", afirma, manifestando sua indignação.

Diferente, em estilo, de sua companheira de partido Ana Júlia, Binho Marques, de gestos calmos e comedidos, também é considerado um governador comprometido com os mais pobres e com os excluídos de seu estado. Capaz de mandar um projeto para a Assembleia Legislativa do Acre propondo a redução do próprio salário, sem ter isso colado a uma estratégia de mídia. Binho não cansa de repetir a seus colaboradores: "Antes de pensarem em cargos no governo, deviam pensar de que forma vão ajudar o Acre, de que forma já ajudaram o Acre, de que forma podem contribuir para um Acre melhor" ensinando que, junto com , o programa de ações e estratégias de governo, o modo petista de governar deve também expressar coerência com valores morais e uma ética transformadora.

João Cláudio Arroyo é mestre em Economia e educador popular do Instituto Saber Ser Amazônia Ribeirinha (Issar)