Em Londres, líderes do G-20 firmam propostas para atacar a crise internacional com maior controle do sistema financeiro, mudanças no FMI e medidas para garantir estímulo ao crescimento e recuperação dos mercados
O G-20 foi criado em 1999, em resposta às crises financeiras do final dos anos 1990 e à representação inadequada das principais economias emergentes nos fóruns de discussão econômica global. O objetivo inicial de tal grupo foi promover um debate mais aberto sobre estabilidade financeira e cooperação econômica internacionais. Até meados de 2008, as reuniões do G-20 contavam com a presença apenas dos ministros da Fazenda e dos presidentes dos bancos centrais das principais economias do mundo.
O agravamento da crise internacional levou a uma reformulação do G-20, que desde o final do ano passado se tornou um fórum de líderes nacionais. As duas primeiras reuniões no novo formato ocorreram em Washington, em novembro de 2008, e em Londres, em abril de 2009, e tiveram como temas principais a necessidade de reforma do sistema financeiro mundial e o combate coordenado aos efeitos recessivos da crise.
A reunião inaugural enfatizou a urgência da reforma na regulação financeira, tanto doméstica quanto internacional. Algumas das causas da atual crise foram justamente a falta de supervisão bancária adequada nas principais economias do mundo, sobretudo nos Estados Unidos, e a alavancagem excessiva assumida por grandes instituições financeiras. Nesse sentido, o G-20 produziu consensos importantes sobre a direção das mudanças na regulação financeira, que devem ser implementadas gradualmente nos próximos anos.
Em primeiro lugar, apontou a necessidade de aumentar o controle e a padronização de transações financeiras, sobretudo de contratos derivativos, de modo a evitar a construção de estruturas financeiras excessivamente complexas. Um dos problemas revelados por essa crise foi exatamente a existência de um grande valor patrimonial em contratos de derivativos de baixa liquidez e difícil precificação. A prevenção contra novas crises passa, portanto, por maior transparência e menor complexidade dos contratos, o que por sua vez requer a ampliação do registro de tais contratos tanto em mercados organizados quanto em agências reguladoras.
Em segundo lugar, o G-20 indicou a necessidade de mudança também nas regras prudenciais, para evitar um comportamento pró-cíclico no mercado financeiro. Mais especificamente, em momentos de queda generalizada nos preços de ativos os agentes financeiros sofrem elevadas perdas patrimoniais e têm de reduzir sua alavancagem para se adequar aos patamares mínimos de capital próprio exigidos pela regulação em vigor. Porém, como o movimento geral de desalavancagem leva à venda de ativos, os preços acabam caindo ainda mais, agravando assim o problema. O caso inverso ocorre em momentos de alta generalizada dos preços dos ativos, quando a adoção de patamares mínimos rígidos de capital acaba por gerar um comportamento pró-cíclico por parte das instituições financeiras. Para solucionar a questão, o G-20 recomendou a adoção de critérios variáveis ao longo do ciclo econômico, aumentando o requerimento de capital em momentos de expansão e reduzindo-o em momentos de contração.
O terceiro ponto de consenso no G-20 é a necessidade de coibir a adoção de sistemas de pagamentos e premiação para altos executivos que acabam incentivando a especulação e a alavancagem financeira. Novamente, a atual crise mostrou que a premiação por volume de negócios sem um sistema claro de verificação do risco e da responsabilidade pelas operações gerou comportamentos excessivamente especulativos por parte de dirigentes financeiros. No período de alta nos preços essa falha de mercado foi disfarçada pela atuação das agências de risco, que atribuíram baixo risco a operações arriscadas, no entendimento que as instituições patrocinadoras de tais operações seriam capazes de suportar eventuais perdas. Após a eclosão da crise ficou claro que os incentivos eram assimétricos, isto é, os mecanismos de gestão e avaliação de risco estimulavam a especulação sem punir proporcionalmente os agentes de decisão em caso de perdas.
O quarto ponto de consenso é o combate a paraísos fiscais. O aumento nos fluxos internacionais de capitais veio acompanhado da expansão de paraísos fiscais como centros de administração financeira e evasão de tributos. Uma vez que tais centros não demandam transparência alguma, o consenso é de que deverão estar sujeitos a um controle muito maior. A última declaração conjunta do G-20 enfatizou a necessidade de maior transparência global nos sistemas financeiros, sem exceções, tendo havido, inclusive, concordância em aplicar sanções contra os países que se negarem a reformular sua legislação bancária.
Desde a reunião de novembro de 2008, os quatro pontos aqui mencionados têm sido trabalhados pelos grupos técnicos do G-20. O entendimento geral é que mudanças na regulação financeira devem ser graduais, sobretudo no contexto atual, no qual a economia mundial ainda não saiu da crise. Nesse sentido, o aperfeiçoamento das normas contábeis está sendo progressivamente introduzido sob a coordenação do International Accounting Standart Board (Iasb), para adoção pelos países no momento oportuno. Também a International Organization of Securities Comission (Iosco) vem desenvolvendo trabalhos para aumentar a transparência, ampliar o registro e promover a padronização dos contratos financeiros, de modo a facilitar a regulação dos mercados e o acompanhamento do risco sistêmico gerado por quebras financeiras. O trabalho do Iasb e da Iosco é lento pela sua própria natureza e, no âmbito do G-20, a coordenação das atividades foi delegada ao Financial Stability Board (FSB), que funcionará como um fórum global de supervisão financeira, articulando os trabalhos dos Ministérios da Fazenda, dos BCs e das demais agências reguladoras. Para desempenhar tal função, o FSB foi recentemente ampliado para incluir representantes de todas as economias do G-20, bem como designado como principal órgão de interlocução do G-20 com o FMI.