Mundo do Trabalho

Presente na agenda sindical, a redução da jornada gera empregos, melhora a qualidade de vida e distribui renda

Foto: Roberto Parizotti

Ao longo de sua construção histórica, a classe trabalhadora vem desenvolvendo formas de luta pela ampliação e garantia de direitos. A redução da jornada de trabalho sempre compôs essa agenda, no centro do debate sobre a geração de emprego e qualidade de vida.

Esse tema reflete a disputa com o capital pelo controle do tempo do trabalho. Além da geração de empregos e da qualidade de vida, a redução da jornada é fator de distribuição de renda ­ daí tamanha resistência demonstrada pelo empresariado. A CUT, já em sua fundação, em 1983, elege a redução para quarenta horas semanais como um dos eixos centrais na sua estratégia.

Portanto, sua presença na agenda sindical não é de hoje, perpassando as lutas ao longo dos séculos, e é uma questão universal. O tempo de trabalho no século 21 é o mais longo da história. A despeito do avanço tecnológico, da modernidade, dos ganhos de produtividade e do estágio atual da ciência, nunca se trabalhou tanto.

No Brasil foram necessários cinquenta anos para chegar à jornada de 44 horas semanais, na Constituição Federal de 1988. Passados mais de vinte anos, o uso abusivo da hora extra, somado ao banco de horas, tem sido o principal fator de desregulamentação da jornada de trabalho e, consequentemente, da não geração de mais empregos. Vivemos uma realidade de extremos, com muitas pessoas desempregadas e muitas outras cumprindo longas jornadas.

Segundo dados do Dieese, 39% da mão de obra empregada em 2006 fez hora extra. Isso ocorre pela necessidade de complementação da renda, que, mesmo com a recuperação nos últimos anos (2002-2006), ainda é inferior à de 1996, devido à política de desvalorização na década de 1990.

Além da geração de empregos  

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) classifica como Trabalho Decente a atividade produtiva adequadamente remunerada, exercida em condições de liberdade, equidade e segurança, capaz de superar a pobreza e garantir uma vida digna a todas as pessoas que dependem dele para viver. Para a classe trabalhadora isso significa dignidade com salário justo, jornada de trabalho adequada e democratização nas relações de trabalho como direitos fundamentais.

Entretanto, a realidade está longe de realizar nossos desejos. A flexibilização nas relações de trabalho, a precarização do emprego, a introdução de novas tecnologias e novas formas gerenciais trouxeram um aumento significativo da produtividade e, simultaneamente, do ritmo de trabalho, com o agravamento das doenças ocupacionais. Temos constatado que, a cada dia que passa, a sofisticação tecnológica vai tragando empregos e esvaziando o poder dos sindicatos. As consequências são o descarte de milhares de trabalhadores das atividades produtivas, aprofundando a desagregação e a exclusão social.

Para alterar esse ambiente de precarização são necessárias mudanças especialmente na efetivação de políticas de Estado que priorizem a garantia dos direitos fundamentais no trabalho. Uma nova redução constitucional da jornada terá impacto positivo na geração de emprego, na renda e na qualidade de vida. Segundo dados do Dieese, quatro horas a menos na jornada semanal tem potencial para gerar mais de 2,5 milhões de postos de trabalho.

A duração da jornada efetivamente trabalhada no Brasil ainda é uma das maiores do mundo. Além da jornada diária permitida, existe um grande contingente de trabalhadores que realizam horas extras, em alguns casos, todos os dias. Ainda estamos carentes de limitação semanal, mensal ou anual desse mecanismo. Em diversos países, como Argentina, Uruguai, Alemanha, França, há limitação anual, que permite em torno de quatro horas extras por semana. O fim das horas extras teria um potencial para gerar cerca de 1 milhão de postos de trabalho. Por essa razão, é necessário combinar a redução da jornada com mecanismos que coíbam o uso indiscriminado das horas extras.

Além de extenso e flexível, o tempo de trabalho vem sendo intensificado em função das diversas inovações técnico-organizacionais implementadas pelas empresas, como a polivalência, a concorrência entre os grupos de trabalho, as metas de produção e a redução das pausas.

As empresas vêm utilizando em seus processos de gestão - de cobranças que se aproximam do assédio moral - metas extremamente exigentes, ritmo acelerado e pagamento por produção. A deterioração da saúde dos trabalhadores é fato e tem na intensidade, no ritmo de trabalho e nas longas jornadas seu principal algoz, propiciando o surgimento das chamadas "novas" doenças, entre elas a síndrome do pânico, a depressão e as doenças cardiovasculares, além das lesões, tornando comum o absenteísmo e o afastamento do exercício do trabalho.

Na qualidade de vida  

Nesse debate, em que o centro da disputa é o valor do trabalho e no qual quanto maior a jornada de trabalho, menor é o valor da remuneração, precisamos trazer à tona algumas reflexões: o desenvolvimento tecnológico é um bem social, por isso deveria ser usado em prol de toda a sociedade; a introdução das novas tecnologias deveria diminuir o peso do trabalho sobre homens e mulheres, deixando mais tempo livre para seu desenvolvimento intelectual e humano; toda sociedade seria beneficiada, pois homens, mulheres e jovens teriam melhor qualidade de vida, maior acesso ao emprego, e a saúde não seria um privilégio, e sim um direito de todos e de todas.

Uma redução de jornada não trará prejuízos à competitividade das empresas, uma vez que o custo com salários no Brasil é muito baixo quando comparado com o de outros países. Essa constatação deve servir de reflexão e nos desafiar a repensar o valor do trabalho na sociedade brasileira.

Garantir que a redução da jornada de trabalho entre na pauta de votação do Congresso Nacional no primeiro semestre deste ano é prioridade da Central Única dos Trabalhadores. Para tanto, não mediremos esforços - e já estamos desenvolvendo ações entre os parlamentares.

Na plataforma da classe trabalhadora  

A CUT e demais Centrais, a partir do aprofundamento da concepção de qual desenvolvimento desejamos para o país, estão construindo a Plataforma da Classe Trabalhadora. Seu conjunto aborda desde o tema do desenvolvimento sustentável até o papel do Estado, em especial nas políticas públicas que regulam as relações de trabalho, sobretudo a implantação das 40 horas como potencializadora da geração de mais e melhores empregos.

A Plataforma será apresentada a todas e todos os candidatos à Presidência da República e acreditamos que a candidata Dilma Rousseff seja a primeira - devido a sua trajetória de compromisso com as lutas do campo democrático e popular -  a assumir essa bandeira em seu programa de governo.

Denise Motta Dau é assistente social e mestre em saúde coletiva, secretária de Relações de Trabalho da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e organizadora do livro Terceirização no Brasil: do Discurso da Inovação à Precarização do Trabalho (Editora Annablume)