Sociedade

O debate central é o mesmo: reconhecer os jovens enquanto sujeitos de direitos

Diversidade de temas e interesses, identidades múltiplas. Mas o debate central é o mesmo: reconhecer os jovens enquanto sujeitos de direitos, o que leva o poder público e movimentos sociais a debaterem formulações e políticas específicas

Jovens querem ser reconhecidos como sujeitos de direitos

Jovens querem ser reconhecidos como sujeitos de direitos. Foto: Marcelo Casal/ABr

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São movimentos em torno da solidariedade, de defesa ambiental, grupos que se orientam pelo lugar social, pelas modalidades esportivas e culturais, sobressaindo o hip-hop como a maior expressão de cultura de rua nesse contexto. Veem-se ainda movimentos em torno da sexualidade, da saúde, da luta por moradia, de portadores de deficiência, de mulheres, bem como associações e cooperativas diversas, organizações não governamentais (ONGs), jovens mobilizados em torno da agricultura familiar e as secretarias de juventude no âmbito dos partidos políticos.

Todos anunciam, para além de suas bandeiras específicas, um debate central: o reconhecimento dos jovens enquanto sujeito de direitos. Um debate, em essência, que incita o poder público, mas também passa a ser tema de interesse acadêmico e de desafio para os referidos movimentos e organizações sociais e, por que não dizer, para as juventudes partidárias.

Ao pensarmos em relação aos últimos dez anos, é possível delimitar a existência mais frequente do debate público sobre juventude, principalmente no âmbito das formulações, bem como algumas ações para o segmento.

Esse reconhecimento se dá em detrimento do alto contingente demográfico da população juvenil nos últimos anos exposto ao cenário de vulnerabilidade social e à necessidade de inserção desses jovens num circuito de construção de uma vida melhor. Assim, tal cenário aparece na pesquisa sobre juventude, violência e vulnerabilidade social na América Latina, que percebeu três importantes dimensões:

· A crescente incapacidade do mercado de trabalho de absorver indivíduos pouco qualificados ou com pouca experiência, como é o caso dos jovens;

· As dificuldades enfrentadas pelos governos na América Latina em reformular sistemas educacionais para que acompanhem as mudanças da sociedade e incorporem as novas aptidões e habilidades requeridas;

· As tendências no quadro cultural contemporâneo, que por um lado estimulam a sexualidade precoce e, por outro, incentivam as resistências em educar e oferecer meios para evitar que tal atividade favoreça a gravidez não planejada e o contágio de doenças sexualmente transmissíveis (ABRAMOVAY, Miriam et alii. Juventude, violência e vulnerabilidade social na América Latina, UNESCO, BID, Brasília, 2002).

Assim, o pensar sobre as condições de existência e vivência juvenil de forma ampla ­ e não apenas como transição para a vida adulta ­ remete a um olhar sobre a necessidade de deixar a escola, o fato de começar a trabalhar, sair da família de origem, ter filhos, bem como se relaciona com a cultura e o lazer numa fase propícia a vivências de diversão e entretenimento.

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Como conciliar desejos e necessidades no contexto de vulnerabilidade social enfrentado pela juventude brasileira? Vários elementos podem ser apontados como pistas para o debate em torno das Políticas Públicas de Juventude (PPJ) no Brasil.

É preciso considerar que tal debate veio a público na década de 1990, a partir da contribuição dos movimentos citados anteriormente, mas também de pesquisadores, organismos internacionais e gestores municipais e estaduais, que passaram a inserir a pauta no cenário público.

Ainda de forma preliminar, e na maioria dos casos pouco estruturados, diversos municípios brasileiros constituíram assessorias, coordenadorias, secretarias e programas no âmbito do Poder Executivo com atribuições específicas de atendimento a demandas dos jovens.

Tendo como referência a história recente, os anos de 2003 e 2004 podem ser considerados um marco importante. Em torno do tema juventude, mobilizaram-se a sociedade civil, o Legislativo e o Executivo. Entre as várias iniciativas, além das da Unesco, das ONGs e das universidades, que já vinham produzindo sobre o tema, destacou-se o Projeto Juventude, realizado pelo Instituto Cidadania, que elaborou uma ampla pesquisa ouvindo jovens, fazendo interlocuções com movimentos sociais, além de livros e um importante documento sobre a constituição de uma política nacional.

Nessa pesquisa, registram-se dados marcantes sobre a vulnerabilidade juvenil. Conforme dados da Pnad de 2001, dos jovens de 16 a 24 anos, 21% apenas estudam; 5% estudam e procuram emprego; 19% estudam e trabalham; 35% apenas trabalham; 6% não estudam e procuram emprego; e 14% não estudam, não trabalham, nem procuram emprego. Menos da metade dos jovens estuda, ou seja, 45%, enquanto 65% estão no mercado de trabalho ­ 54% ocupados, 11% procurando emprego ­ e apenas 24% na interseção, isto é, estudam, trabalham e procuram emprego.

Para o Projeto Juventude, esses dados revelam que os jovens brasileiros enfrentam graves problemas de exclusão escolar, assim como necessidades e dificuldades frente ao mercado de trabalho. Cabe salientar, ainda, que o mais alto grau de exclusão social se expressa na situação dos jovens que não estudam, não trabalham, nem procuram emprego, representando 14% do total, ou seja, um número próximo a 5 milhões.

Cruzando os acontecimentos, entre diagnósticos e ações de enfrentamento a esse processo de exclusão juvenil na esfera do Poder Legislativo, constituiu-se a Comissão Especial de Políticas Públicas para a Juventude da Câmara Federal, que realizou diversas audiências públicas, encontros regionais, uma conferência e um seminário nacional que já dialogava com a bandeira de reconhecimento desse segmento juvenil no que se refere a direitos sociais e políticos.

A eleição do presidente Lula é considerada um marco na luta pela garantia do reconhecimento de direitos desse público. Em 2004, sob a coordenação da Secretaria Geral da Presidência da República, nasceu o Grupo Interministerial, que reuniu dezenove ministérios e produziu um amplo diagnóstico e propostas para uma Política Nacional de Juventude.

É preciso registrar que entre as propostas apresentadas pelo referido grupo, estava a criação da Secretaria Nacional de Juventude, ocorrida em 1º de fevereiro de 2005. Vinculada à Presidência da República, sua missão é articular com os diversos ministérios a implementação de programas que enfrentariam os problemas que atingem os jovens.

Some-se ainda a esse momento histórico a criação do Conselho Nacional de Juventude (Conjuve), com a posse de seus sessenta membros em 2 de agosto de 2005. Enquanto a secretaria responde diretamente pelo Programa Nacional de Inclusão de Jovens (Projovem), em conjunto com diversos ministérios, o Conjuve constitui o órgão consultivo que envolve o poder público e a sociedade civil, em toda a sua diversidade.

Em decorrência do fortalecimento desses espaços e também da grande dimensão que a participação social ganha no governo Lula, em 2008 ocorreu a Conferência Nacional de Juventude, um importante avanço para a criação de espaços de participação política dos jovens e suas organizações. Dela saíram 22 bandeiras prioritárias dos jovens brasileiros, além de uma agenda de fortalecimento do tema no país, como o Pacto pela Juventude, que apresentou a necessidade de os candidatos municipais assumirem essa pauta, bem como a PEC da Juventude, promulgada em 13 de julho de 2010, que incluiu os jovens na Constituição Federal.

Foram muitas as conquistas, ao longo dos últimos anos. O Projovem avança no tema juventude desde seu nascimento e, em 2008, fortaleceu-se com o lançamento do Projovem Integrado, surgido da união de outros seis programas voltados para o segmento. É preciso compreender a inclusão de milhares de jovens, com o aumento de sua escolarização no ensino fundamental, sua qualificação profissional e sua cidadania como resposta aos desafios apontados pela juventude, sobretudo no que diz respeito à educação e à inserção no mercado de trabalho.

Entretanto, para o aprofundamento do acesso aos direitos juvenis, é preciso centrar forças na consolidação dessas políticas para que se tornem políticas de Estado.

É imperioso incorporar às políticas já existentes um viés inovador e sustentável para que esses direitos de fato sejam permanentes para as gerações presentes e futuras.

Diante disso, o binômio educação-trabalho deve ser compreendido como central nesse debate, bem como parte do processo emancipatório da juventude. Será necessária a ampliação do Projovem para o ensino médio, através de uma nova modalidade que seja capaz de articular conclusão do curso, formação profissional, transferência de renda e o desenvolvimento da participação cidadã.

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Outros grandes desafios são: integrar e fortalecer a juventude de territórios urbanos e rurais; a política cultural, o acesso e a produção de bens culturais, por meio do financiamento direto dos jovens, da construção de equipamentos públicos de difusão cultural (cinemas e teatros, centros culturais e bibliotecas); ampliação do acesso dos jovens à rede pública de saúde, contemplando as especificidades desse segmento, por meio de uma política nacional de saúde preventiva, com prioridade à prevenção do uso de drogas, com a implantação de centros públicos, prevenção e/ ou assistência nos casos de gravidez indesejada, e redução do número de mortes por causas violentas; a política de esporte nas comunidades, por meio da estruturação de espaços públicos, produção e distribuição de equipamentos, e o incentivo aos programas de desenvolvimento esportivo, assim como promover a participação da juventude nos programas relacionados aos grandes eventos esportivos (Copa do Mundo e Olimpíada); as políticas de combate à discriminação e de valorização da diversidade com recorte de gênero, étnico-racial e de diversidade sexual; as políticas de segurança que incorporem as especificidades da juventude na prevenção, na interação com os operadores de segurança pública e no combate qualificado à violência, garantindo ao jovem seu desenvolvimento saudável e seguro. Por fim, é preciso avançar na política institucional, aprovando o Plano e o Estatuto da Juventude, fortalecer a Secretaria Nacional de Juventude, garantindo seu papel de organismo executor, coordenador e articulador da Política Nacional de Juventude, e investir na criação de uma política de participação democrática, fortalecendo a rede do Conselho Nacional de Juventude e a Conferência Nacional de Juventude. Todos esses elementos já estão sendo debatidos pela juventude brasileira, sobretudo a juventude inserida nos movimentos e organizações. Todavia, é preciso dar visibilidade a essas ações e perspectivas para que as bandeiras de luta por mudanças na vida dos jovens seja também um pacto de toda a sociedade brasileira com essa geração, para que outras gerações se afirmem cada vez mais como sujeito de direitos.

O alcance dos programas

  • Programa Cultura Viva, do Ministério da Cultura, registra atualmente mais de mil Pontos de Cultura espalhados pelo país e com mecanismos de articulação entre eles, instituindo as Redes de Pontos de Cultura e os Pontões de Cultura;
  • Bolsa-Atleta, desde 2005 já beneficiou 10.254 desportistas, abarcando recursos de R$ 133 milhões. Nas competições de Pequim (China), em 2008, dos 227 atletas da delegação brasileira, 33 eram bolsistas do programa, 7 dos quais se consagraram medalhistas. Dos 188 atletas paraolímpicos, 79 eram bolsistas, com 12 medalhistas;
  • Programa Segundo Tempo, com 3,6 milhões de crianças e adolescentes atendidos desde 2003, com investimento de R$ 653 milhões;
  • Praças da Juventude, com 150 praças em construção em todas as regiões do país, com investimentos de R$ 180 milhões, a partir de 2008;
  • Projeto Rondon, do qual, de 2005 a 2010, já participaram 9.812 estudantes em 652 municípios;
  • Projeto Soldado Cidadão, com média anual de 20 mil jovens beneficiados pelo programa, contando até 2009 com 134.178 jovens em todo o território nacional;
  • Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci), do qual se destacam, entre as ações destinadas aos jovens, 11 mil jovens treinados como multiplicadores da cultura de paz;
  • Projovem Prisional, no qual foram atendidos em 2009, como projeto-piloto, 560 jovens em presídios da cidade do Rio de Janeiro, Belém e Rio Branco. Em 2010 as parcerias com os governos estaduais e universidades devem beneficiar pelo menos 6,8 mil detentos, com a inclusão de outras capitais;
  • Pronaf Jovem, do qual até 2010 participaram 24.717 jovens;
  • Rede da Juventude pelo Meio Ambiente e Sustentabilidade, que realizou até este ano quatro encontros nacionais de Jovens pelo Meio Ambiente e diversas atividades de articulação com o intuito de fortalecer e ampliar a rede. Estiveram envolvidas 120 lideranças de todo o país;
  • Escola Aberta, que até 2010 implementou o programa em 525 escolas estaduais, 1.357 escolas municipais, com mais de R$ 38 milhões de investimento;
  • ProUni, com 704,6 mil bolsas concedidas de 2005 até o primeiro semestre de 2010 ­ a meta é chegar ao final do ano com 720 mil bolsas;
  • Reforço às Escolas Técnicas e Ampliação das vagas em Universidades Federais, no primeiro semestre de 2010 já são 136 novas escolas técnicas funcionando e até o final do ano serão 214, com a oferta de 500 mil vagas em todo o país;
  • Brasil Alfabetizado, que de 2003 a 2008 recebeu 10 milhões de alunos em todo o país. Em 2009, 1,8 milhão estavam em sala de aula. A meta, para 2010, é alcançar outros 2,5 milhões;
  • Proeja, cujas matrículas em 2009 atingiram o patamar de mais de 13.300 estudantes. E o Curso de Especialização capacitou 3.004 professores (2009);
  • Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio, com 7.630.803 alunos beneficiados. Atingiu 17.576 escolas em todo o país, com investimento de mais de R$ 137 milhões;
  • Programa Nacional do Livro Didático para a Alfabetização de Jovens e Adultos, com 1.721.451 livros distribuídos e cerca de R$ 12 milhões de investimento em 2008. Em 2009 foram 2.854.316 livros, somando mais de R$ 20 milhões. Para 2010 estão previstos 15.387.000 livros, com investimento na ordem de R$ 140 milhões;
  • Ampliação do Bolsa Família, que, com a criação em 2008 do Benefício Variável Jovem, registrou 1,97 milhão de adolescentes entre 16 e 17 anos com frequência escolar comprovada. Em 2009, esse número atingiu 2,15 milhões de jovens, o que comprova a eficácia da estratégia na continuação dos estudos.

Maria Divaneide Basílio integra o Fórum Cone Sul de Jovens Mulheres Políticas (Forito) e o Conselho de Redação da Teoria e Debate

Murilo Amatneeks é coordenador de Políticas Públicas de Juventude da JPT

Severine Macedo é secretária Nacional de Juventude do PT

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