Cultura

Em São Paulo, 63% da população está nas periferias, que concentram pobreza e problemas. Mesmo com pouco apoio governamental, existe produção cultural local. A cultura está lá também

Em São Paulo há 96 distritos, dos quais 57 ficam na periferia e somam 6.838.641 habitantes. Essas pessoas estão distantes dos grandes centros onde são instalados cinemas, teatros, casas de espetáculos da cidade. O jeito, então, é fazer a cultura existir nas suas quebradas

Sarau da Cooperifa: 10 anos movimentando a zona sul de São Paulo

Sarau da Cooperifa: 10 anos movimentando a zona sul de São Paulo. Foto: http://www.curtasaraus.blogspot.com

O habitante da capital paulista, conhece as periferias de sua cidade? E a produção cultural surgida e muitas vezes autofinanciada que lá acontece? Com a pauta sobre o tema, constatei que conheço pouco ou praticamente nada da periferia.

Mais gente vive assim, sem saber o que está acontecendo por aí... Por meio da internet é possível “ir” um pouco até as periferias, ter uma noção do lado B da diversidade cultural brasileira. Cada periferia tem sua especificidade e, dependendo do enfoque, ela pode ser um conceito relativo. Mas o resumo simplista para definir periferia pode ser como o local onde pessoas vivem, fora do centro das grandes cidades. Para a urbanista Raquel Rolnik, a cultura da periferia ganhar cada vez mais espaço dentro e fora dela.

Em São Paulo há 96 distritos, dos quais 57 ficam na periferia e somam 6.838.641 habitantes, ou seja, 63% da população, com dados do IBGE de 2010. São onze regiões com população acima de 200 mil habitantes. Todas na periferia: Sapopemba, São Miguel, Jardim São Luís, Jardim Ângela, Jabaquara, Itaquera, Itaim Paulista, Grajaú, Cidade Ademar, Capão Redondo e Brasilândia. População total: 2.688.757 habitantes, mais do que em quase todos os 39 distritos não periféricos de São Paulo juntos. É importante saber como  vivem essas pessoas. Um povo pobre, trabalhador, que luta e busca ser feliz apesar de tudo. “Um povo lindo, um povo inteligente”, como dizem os poetas da Cooperifa. Um povo que merece ser visto pelas lentes da TV mostrando aquilo que tem de mais bonito.

Já disse Antônio Abujamra, em seu programa Provocações, que “as periferias desse enigma brasileiro, periferias que, ao contrário do que era de se esperar, vão buscar inspiração na Jamaica para fazer músicas de letras quilométricas: rap, hip-hop, funk. As pessoas, gostem ou não dessas coisas, não podem ignorar que é por onde a periferia descarrega seu discurso político; avisando à classe média e às elites para irem devagar, que as coisas têm limite”.

“Esse grande estilo de vida que é o hip-hop está aí pra criar alternativas ao que está aí exposto”, explica o rapper GOG. Genival Oliveira Gonçalves também é das periferias, mas de Brasília. Mais antigo, tem no discurso não só uma das questões básicas que definem periferia, a exclusão social, mas também o tema racial, de crítica à mídia corporativa e, indo além, em nome dos que morreram torturados pela ditadura.

Se a produção cultural da periferia seguir GOG, muita coisa poderá ser diferente no futuro... Os militantes do setor acreditam que a cultura revoluciona. É uma boa aposta! Ele crê na mudança do modus operandi... E vai direto ao ponto: “Se não nos dão oportunidade de mostrar, vamos criar todo um mundo paralelo para fazer isso. É preciso dizer que no Brasil existe uma luta de classe, de verdade!”.

Não só as palavras, muitas vezes duras, do hip-hop estão nas periferias. Saraus de poesias, cinema na laje, peças de teatro, exposições e instalações artísticas.

O geógrafo Paulo Roberto Andrade de Moraes montra, em seu estudo A Espacialização dos Eventos Culturais na Cidade de São Paulo1, que a concentração dos grandes eventos culturais em poucas regiões na cidade de São Paulo. Tendo como base o guia semanal de um jornal de grande circulação, fica evidente a grande oferta de equipamentos culturais principalmente nas regiões oeste, central e sudoeste.

A capital paulista possui 110 museus, 160 teatros, 294 salas para shows e concertos e quase 11 milhões de habitantes espalhados por diversos distritos e bairros. Trata-se de uma enorme cidade. E  muitas vezes frequentar esses espaços é caro e distante para quem está na periferia.

A concentração de eventos culturais se dá exatamente onde também estão os segmentos da população de maior poder aquisitivo. “A dificuldade na democratização ao acesso à cultura ocorre pela questão geográfica e econômica, que em alguns pontos, quando se trata de São Paulo, são indissociáveis”, comenta o pesquisador. Ele também alerta para a necessidade de alterar a Lei de Incentivo à Cultura. “As empresas não querem arriscar em algo que não tenha retorno garantido. Isso é um erro! Se quiserem dedução de imposto façam com que a cultura seja mais bem difundida e promovam a democratização cultural.”

Mas quem fica e está nos bairros mais afastados faz o quê? Na dita periferia paulistana se concentra grande número de jovens, que estudam, trabalham, fazem ambas as coisas ou nenhuma delas. Nos debates  sobre as necessidades das juventudes a cultura é sempre ponto importante. Mas não só a juventude habita essas paradas. De crianças a idosos, a periferia tem todas as faixas etárias.

Gil Marçal, coordenador do Programa para a Valorização de Iniciativas Culturais (VAI), da capital paulista, explica: “No VAI, em 2011, o orçamento foi de R$ 3,05 milhões, com 145 projetos contemplados, 135 de pessoas físicas e dez de pessoas jurídicas. Os projetos são de diversos tipos: montagem de espetáculo, circulação, produção, literatura, hip-hop, artes cênicas, espaços culturais etc.”

O programa foi criado pela Lei nº 13.540, de autoria do vereador petista Nabil Bonduki, e regulamentado pelo Decreto nº 43.823/2003, com a finalidade de apoiar financeiramente, por meio de subsídio, atividades artístico-culturais, sobretudo de jovens de baixa renda e de regiões do município desprovidas de recursos e equipamentos culturais.