Não necessitamos de mais mercado, privatização e diminuição do Estado, como apregoam os tucanos, mas sim de mais democracia, direitos e cidadania
Não necessitamos de mais mercado, privatização e diminuição do Estado, como apregoam os tucanos, mas sim de mais democracia, direitos e cidadania
A negação histórica da existência de um povo palestino, necessária para afirmar o status da terra como res nullius, como uma terra sem povo destinada ao povo a que fora prometida, mantém-se constante até hoje e é acompanhada da vilificação daqueles que estão “do outro lado”, daqueles menos civilizados, dos radicais, dos amantes da morte
Não precisamos de mais privatizações como querem os tucanos, mas sim de mais direitos e cidadania. Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/ABr
A apropriação das formulações expostas na publicação pela esquerda e por setores progressistas é fundamental ao possibilitar que, dialeticamente, também aprofundemos nossas reflexões sobre nosso projeto nacional. Este, da perspectiva nacional-popular, deve combinar as reivindicações democratizantes de nossas ainda injustas estruturas sociais e os valores socialistas – e por isso mesmo anticapitalistas – que justificam e presidem os compromissos da esquerda, principalmente em relação ao Partido dos Trabalhadores, com sua origem operária e popular. Ou seja, não obstante os inegáveis avanços do governo Lula, continuados pelo governo Dilma Rousseff, precisamos ser capazes de operar aquilo que Gramsci chamara de aggiornamento, ou atualização programática de nossas demandas imediatas e mediatas ante as novas condições da ordem burguesa, para que possamos otimizar nossas imensas e represadas energias sociais no intuito de prosseguir nas mudanças.
Infelizmente ainda não soubemos traduzir em síntese programática aquilo que adquirimos por meio de nossas diversas experiências nem estabelecer uma conexão indispensável entre o que fazemos no cotidiano de nossas administrações e nosso objetivo estratégico socialista. Isso nos leva a agir de maneira reativa aos acontecimentos conjunturais e aos problemas histórico-estruturais impostos por nosso capitalismo periférico. Daí o mérito de Brasil: a Nova Agenda Social, que nos incita a pensar de forma mais orgânica o significado de nossa identidade socialista perante as inéditas determinações do capitalismo globalizado financeiramente, de sua configuração classista, de sua dinâmica interna privatista, das formas de seu financiamento e de sua tendência destrutiva das condições de vida das maiorias trabalhadoras, apesar de todas as nossas ações exitosas no campo das políticas sociais nos governos dos quais participamos. Precisamos repensar os vínculos que mantemos com a sociedade, o mercado e o Estado, cumprindo as imensas e inesgotáveis responsabilidades de que fomos investidos por milhões de trabalhadores brasileiros.
Ao projeto privatista, excludente, subordinado externamente e favorável à mercantilização de tudo, devemos opor o nosso – democrático porque socialista e socialista porque democrático –, em que as lutas por reformas e conquistas parciais revigoram a necessidade da transformação radical das relações sociais para a criação de um outro mundo. A única maneira de preservarmos os direitos, as prerrogativas e a cidadania adquirida no espaço da democracia capitalista é ampliando-a, robustecendo suas contradições, operando rupturas, ao mesmo tempo em que modificamos seus conteúdos na direção da socialização dos bens, da propriedade e do controle social ativo sobre o Estado e as instituições.
Bases metodológicas e teóricas
Edmar Bacha e Simon Schwartzman organizam o livro, dividido em quatro partes. A primeira se refere ao diagnóstico e à “prescrição” de medidas para a área da saúde. A segunda se volta à questão da previdência social e das políticas de distribuição de renda, em que se predicam “reformas” “saneadoras” das pensões e do regime de financiamento das aposentadorias, ao mesmo tempo em que se propõem alternativas de “aprimoramento” do Bolsa Família e de outros programas compensatórios, ao apostar na melhoria da eficácia de seus critérios de gestão, monitoramento e avaliação de desempenho. A terceira é sobre as políticas de educação, estruturando-as como requisito para o ingresso dos indivíduos no mercado e suas exigências, em que se enrijecem e se estratificam as relações entre os diversos níveis do conhecimento, sublinhando o caráter elitista da universidade e a vocação instrumental do ensino técnico e profissional em consonância com a racionalidade e os interesses capitalistas, além do enfoque contabilista no ensino fundamental e médio. A quarta tece considerações sobre as políticas de segurança ao tentar enaltecer as experiências realizadas em São Paulo, Minas Gerais e no Rio de Janeiro a partir de abordagens econométricas e/ou burocráticas, em que a violência na maioria das vezes é percebida como uma variável autônoma dos demais problemas sociais. Para combatê-la, portanto, basta azeitar os processos de funcionamento das atuais estruturas policiais, removendo seus aspectos disfuncionais.
O livro explicita as bases metodológicas que presidem sua análise sobre nossos problemas e desafios no campo da articulação das políticas sociais nas áreas da saúde, previdência social, educação e segurança pública e a difícil compatibilização entre as complexidades das demandas e solicitações dos diversos segmentos sociais em favor da efetivação plena de seus direitos fundamentais – consideravelmente ampliados a partir da Constituição de 1988 – e os parcos recursos estatais existentes. Antinomia entre realidade complexa, socialmente diferenciada, e o plano normativo potencializador de novas aspirações e direitos, que segundo a versão funcionalista da sociologia e da ciência política norte-americana – hegemônica em setores de nossa universidade, mais precisamente dos adeptos do neoliberalismo – fomenta contradições insanáveis entre o input da miríade de demandas sociais e o output restritivo das respostas institucionais prestadas pelas agências estatais. Ademais, salientam-se ainda os empecilhos relacionados ao tratamento judicial dessas demandas por uma magistratura protagônica na concessão de liminares, de ações, de mandados de segurança e de outros instrumentos processuais que oneram excessivamente o poder público na prestação de seus serviços para alguns poucos jurisdicionados, em detrimento das maiorias.
Análise que pretende demonstrar o exaurimento dos fundamentos constitucionais do Estado Democrático de Direito, principalmente no que tange às formas de financiamento das políticas sociais, em razão da reestruturação econômica promovida pela globalização capitalista. Eixo analítico, portanto, que parte da compreensão de que vivemos um momento de transição do capitalismo industrial para o financeiro, em que se redefinem o Estado e suas funções, retraindo-lhe a capacidade de planejamento. A mobilidade e a volatilidade crescentes do capital transnacional, consoante a mitologia minimalista neoliberal, arrebatariam os “diques” urdidos pelo Estado nacional clássico por intermédio de seus tradicionais mecanismos de controle cambial, da atividade econômica e das possibilidades de investimento.
Vetor teórico que busca retratar o debilitamento das fontes tributárias da União, dos estados e dos municípios e a instauração de novas dinâmicas de fluxo monetário das riquezas, o que exigiria do Estado no Brasil também novas posturas, inclusive do ponto de vista do repaginamento de nosso pacto federativo. Tanto o centralismo quanto o descentralismo político das formas de Estado seriam inúteis, contraproducentes, em face da centralização econômica orgânica promovida pelo capital transnacional, daí a natureza adaptativa da racionalidade neoliberal propugnada pelas reformas presentes em Brasil: a Nova Agenda Social, em que se visa primacialmente imprimir às instituições a lógica vigente do mercado.
A propalada crise do Estado, de seu financiamento, que do ponto de vista do neoliberalismo só pode ser sanada a partir do momento em que formos capazes de reordenar as instituições estatais ao tamanho da realidade orçamentária, financeira que o mercado lhe permite ter, apresenta-se como ducto teórico que atravessa as digressões dos articulistas.