Nacional

Naquela eleição, mídia e institutos de pesquisa haviam decretado a reeleição de Fernando Henrique e a derrota de Lula antes mesmo do início da campanha

A negação histórica da existência de um povo palestino, necessária para afirmar o status da terra como res nullius, como uma terra sem povo destinada ao povo a que fora prometida, mantém-se constante até hoje e é acompanhada da vilificação daqueles que estão “do outro lado”, daqueles menos civilizados, dos radicais, dos amantes da morte

O Príncipe conservador neoliberal que a mídia ajudou a construir para substituir

O Príncipe conservador neoliberal que a mídia ajudou a construir para substituir Collor continuava à frente do destino do Brasil. Foto: Dida Sampaio/Agência Estado

Uma das principais características do jornalismo no Brasil,
hoje, praticado pela maioria da grande imprensa, é a
manipulação da informação. O principal efeito dessa manipulação é que os órgãos de imprensa
não refletem
a realidade. A maior parte do material que a imprensa
oferece ao público tem algum tipo de relação
com a realidade. Mas essa relação é indireta.
É uma referência indireta à realidade, mas que
distorce a realidade. Tudo se passa como se a
imprensa se referisse à realidade apenas para
apresentar outra realidade, irreal, que é
a contrafação da realidade real. É uma realidade
artificial, não-real, irreal, criada e desenvolvida
pela imprensa e apresentada no lugar da
realidade real
.

ABRAMO, Perseu. Padrões de Manipulação
na Grande Imprensa
. São Paulo: Editora
Fundação Perseu Abramo, 2003, p. 23/24

Maio de 1998.

Fernando Henrique Cardoso quase se converte num Jânio Quadros.

Faltou pouco.

Não se sabe se falaria em forças ocultas.

Esteve, no entanto, prestes a renunciar. Ou ao menos, ameaçou. Mais de uma vez. Estava incomodado com as notícias ruins. A mídia estampava manchetes desagradáveis. Seca e saques no Nordeste. Incêndio em Roraima. Desemprego ascendente. E Lula crescendo. A mídia, até de modo surpreendente, rendia-se à evidência dos fatos. E fatos muitas vezes não são propriamente agradáveis para quem está no governo.

Que diabo era isso? Não o respeitavam mais? Fernando Henrique não se conformava com o cenário que era desenhado pela mídia. Cenário que tinha a ver com a realidade do país. Mas, a realidade, sabia ele, sociólogo de profissão, podia ser construída de diversas maneiras.

Já acumulara experiência, sabia como lidar com o poder e como submeter a elite brasileira. Naquele maio, gastou entre três a quatro dias para conversar com vários dos grandes empresários do país, barões da classe dominante. Saiu de sua habitual moderação. Chutou o pau da barraca. Assustou-os com a perspectiva da renúncia, anunciada claramente. Nunca vai se saber se era pra valer. “Não sou candidato de mim mesmo. Vocês é que sabem”.

Ruim com ele, pior sem ele, a elite voltou a raciocinar na sua pequenez de sempre, uma burguesia sempre medrosa. Raciocinava com a teoria do mal menor. E bateu continência para Fernando Henrique. Afinal, parafraseando Marx, um espectro rondava o Brasil, o espectro de Lula. Fernando Henrique teve até a tentação de citar Marx, que conhecia desde os tempos em que participava de um círculo de estudos sobre O Capital, velhos tempos em que estudar Marx era moda. Lembrou-se até da abertura do Manifesto Comunista, tão famosa: Um espectro ronda a Europa – o espectro do comunismo. Abertura famosa, repetida ad nauseam.

Bons tempos, quando dialogava sobre O Capital com Gianotti, Octavio Ianni, Paul Singer, Roberto Schwarz, até com Ruth, com quem já era casado, foi ali pelo final dos anos 1950, um grupo de estudos. Não o fez, no entanto. Citasse Marx, e poderia parecer pedante, coisa que nunca foi, sabia-se modesto. Sempre abominou esses intelectuais pretensiosos.

Falou duro também com o baronato midiático, não com todos, mas boa parte, numa reunião provocada por ele. Que diabo era aquilo? Estavam querendo arriscar? Estavam dispostos a receber o Lula pelos peitos? Como se atreviam a dar aquelas manchetes sensacionalistas, com secas, saques e incêndios? Que soubessem: a persistir aquele bombardeio, tiraria o time, iria pra casa cuidar de seus estudos, voltaria a estudar a teoria da dependência de que gostava tanto. “Pra que melhor do que isso? Uma vida tranqüila. Pra mim, será muito bom”.

Que soubessem: estava prestando um serviço à Nação. Se não o queriam mais, que dissessem. Iria embora. O baronato midiático piscou. Sabia do quanto ele havia cuidado dos interesses da mídia, inclusive de seus negócios. Não que ele falasse assim, que não seria grosseiro, deixou subentendido. Bateu na cangalha pro burro entender. E pra bom entendedor, meia palavra basta. Não sou candidato de mim mesmo, e preciso de apoio.

Necessitava mesmo era do silêncio da mídia sobre aquelas coisas negativas todas. Ora, ela não o havia ajudado a se eleger em 1994, não lhe dera mão forte com todo aquele espetáculo, aquela pirotecnia em torno do real? Agora, que custava minimizar a seca, esquecer o desemprego, incêndios, a crise social, o arrocho no salário mínimo? Por que aquela história de enfatizar a sua declaração de que eram vagabundos os que se aposentavam antes dos 50 anos? Que dissera, dissera, mas melhor esquecer. Melhor o silêncio. Tudo bem, na cobertura não havia mentiras, mas era possível colocar as coisas de outra maneira, de preferência, enfatizou, não tocar mais naqueles assuntos tão desagradáveis, tão explosivos, tão perigosos para sua candidatura.

Ou se fazia esse acordo, ou estava fora. Deu uma dura especial na Rede Globo, falou com os donos cara a cara, tinha créditos para tanto. Afinal, a Rede Globo fora tão acariciada, tão bem tratada por seu governo, e ela também embarcara na tragédia da seca que, tudo bem, tinha algo de verdadeiro, mas não com aquelas cores que o império de Marinho a desenhara, quase a reeditar Sinha Vitória, a cadela Baleia e Fabiano na imensidão do deserto nordestino caminhando para o Sul. Vidas Secas, por inteiro, nordeste graciliano. Pra que carregar assim nas tintas?

Quase recordou as palavras de Graciliano Ramos, de sua obra, que conhecia tão bem. Mestre Graça, de tantas glórias. Teve vontade de citar também o Mestre, a exemplo de Marx. Não o fez, mas repetia mentalmente um trecho que o impressionara muito nas leituras de juventude. De como perceber estrelas nascendo no meio da escassez mais absoluta.

Fabiano tomou a cuia, desceu a ladeira, encaminhou-se ao rio seco, achou no bebedouro dos animais um pouco de lama. Cavou a areia com as unhas, esperou que a água marejasse, e, debruçando-se no chão, bebeu muito. Saciado, caiu de papo para cima, olhando as estrelas, que vinham nascendo. Uma, duas, três, quatro, havia muitas estrelas, havia mais de cinco estrelas no céu. O poente cobria-se de cirros – e uma alegria doida enchia o coração de Fabiano.

Lembrou-se das palavras de Graciliano, assim a esmo, divagando, que gostava de divagar, enquanto ouvia o baronato global se explicar, tentando dizer que não havia feito por mal. Mas, que Graciliano que nada, qual a razão de gastar latim com esse povo? Nem entenderia. Tinha é que ser direto, pão, pão, queijo, queijo, cobrar um acordo, ou então, ponto final. Iria pra casa. E deixaria o baronato midiático na mão. Será que não era possível entender que Lula pairava sobre todos como um espectro, sempre? Não fora assim em 1989, em 1994? Não está sendo assim, agora?

Lula está ali, nos nossos calcanhares. Eu com 33%, Lula com 28%. E ele é persistente. Estão pensando que podem brincar com a sorte? Era ele o espectro, agora, a rondar. Voltou a insistir, bater na mesma tecla, que em certos momentos é necessário não tergiversar: Eu não sou candidato de mim mesmo. Isso comigo não existe. Ou eu tenho apoio ou volto para casa e deixo a farra por conta de vocês. Aí vocês elegem o candidato que quiserem.
E sempre ameaçava com Lula. Coisa que ninguém queria. Ninguém, que se esclareça, ninguém da elite.

Saiu feliz da conversa. Sua quase-bronca funcionara direitinho. O grande empresariado já havia aceitado. O baronato midiático se enquadrou inteiramente. E como por encanto, a seca sumiu, o social escafedeu-se, desemprego não mais, crise que se evaporou, salário mínimo está tudo bem. Beleza. O social saiu do noticiário. E agora quem havia de apanhar seria a oposição, tudo acertado.

E as pesquisas começaram a favorecê-lo. A realidade brasileira se modificou rapidamente, como que por encanto. Como ele sabia, sociólogo sabe das coisas, e costuma estudar isso, a chamada realidade, insista-se, é uma construção social – por mais que doa nas costas do povo, pode se metamorfosear como num passe de mágica, sempre por uma construção midiático-cultural. E a mídia estava ali pra isso, podia ajudar nisso, como ajudou. Outro cenário começou a ser construído. Com a ajuda sólida da mídia.

Bernardo Kucinski afirma que nunca, ao menos até aquele ano, fora tão forte a suspeita – e olhe que ele é cuidadoso com as palavras, fala em suspeita – de que as empresas de pesquisa de opinião formaram um cartel para reforçar as chances de reeleição de Fernando Henrique Cardoso já no primeiro turno. Mídia e institutos de pesquisa haviam decretado a reeleição de Fernando Henrique e a derrota de Lula antes mesmo do início da campanha.

Tendo a mídia ao lado, os institutos de pesquisa inteiramente afinados, a orquestra começava a funcionar. Poder é pra isso, pensava o presidente, que já conquistara a reeleição no Congresso Nacional com métodos, falemos elegantemente, bastante heterodoxos, e que não lhe renderam quaisquer julgamentos no Supremo, apesar das evidências da compra de apoios, e quem quiser é só recorrer ao noticiário da época, particularmente ao da Folha de S. Paulo, que depois amarelou.

Em maio de 1997, grampos telefônicos trouxeram à tona conversas entre o deputado Ronivon Santiago e um Senhor X, nas quais aquele revela que ele e mais quatro deputados receberam R$ 200 mil cada um para votar a favor da reeleição.

Boa parte do que disse, às vezes recorrendo à imaginação, quase conto, quase novela, estão em matéria da revista Veja, observem a ironia. Assinada por Expedito Filho, detalha toda a história da renúncia, ou ameaça de renúncia, os encontros com o baronato midiático, com as classes dominantes, e até os conselhos dados a Fernando Henrique pelo presidente do Ibope, Carlos Augusto Montenegro, ainda em maio, numa reunião sigilosa: não ataque o Lula, não apareça como candidato, não faça uma campanha longa.

Veja revela que vários dos dirigentes de campanha de FHC estiveram nos EUA, a buscar ensinamentos: Antônio Lavareda, o jornalista Antônio Martins, o arquiteto Expedito Prata, o publicitário Nizan Guanaes. Lá ouviram Peter Schechter, consultor político, que alertou a campanha para não deixar que as preocupações sociais fossem monopólio da oposição. De Mark Mallman, analista de pesquisas do Partido Democrata, receberam lições de como analisar programas de TV e reagir a situações difíceis. Foi dele a ideia de que deveriam trabalham com a tese do diabo conhecido: se está ruim com Fernando Henrique, ficará bem pior sem ele. Ouviram vários outros especialistas americanos e seguiram à risca os ensinamentos, certos de que de fato o que era bom para os EUA, era bom para o Brasil.

Mas, que ninguém se iluda, que Veja não daria ponto sem nó. Só fez isso depois das eleições – a matéria é de 7 de outubro de 1998, depois da vitória de Fernando Henrique no primeiro turno. Veja estava engajada na candidatura de Fernando Henrique, e não iria prejudicá-lo. Depois, bem, é depois, e até pode fazer um pouco de jornalismo, uma materinha interessante, cheia de detalhes saborosos, como esta. O que não tornou o texto menos favorável ou menos cuidadoso com o presidente reeleito. Até o título é de gente amiga: “Teste de estadista”. Artifícios de uma mídia que tem lado, que sabe o que quer, que tem programa político a defender, sempre.

A atitude de Veja não constitui qualquer novidade: é de sua tradição essa posição. No entanto, cabe registrar que o restante da mídia, com variações, às vezes sem o mesmo furor, outra vezes com a mesma ferocidade, também atuou com muita convicção a favor de Fernando Henrique.

No início do mês de agosto, dia 10, Kucinski faz um bom balanço da atuação da mídia, e esse balanço pode valer para o decorrer de toda a campanha. As principais e mais sistemáticas agressões a Lula originam-se de Veja, da TV Globo, da Folha e do Estadão (logo depois, a Band entra de modo feroz na campanha de difamação contra Lula, independentemente de ter ou não provas). Veja cumpria, no jornalismo impresso, o papel da Globo na mídia eletrônica: a todo custo, e sem rodeios, pretendiam impor no Brasil o programa do Consenso de Washington.

A diferença, na opinião de Kucinski, é que Veja usa deliberadamente, sem qualquer constrangimento, a falsidade e a difamação. Estadão, como jornal historicamente conservador, faz o que sempre fez, e não poupa Lula, nem o PT. E a Folha agiu durante toda a campanha com a pretensão de provocar o PT, de fazer todo tipo de molecagem, campeã de molecagens, especialmente nessa campanha, sem também se constranger. Grande pressão destinada a destruir a personalidade de Lula, desgastá-lo de todos os modos possíveis, com manchetes distorcidas, utilização da ironia ou do insulto, fotos em que Lula não estivesse bem, era dessa forma que a mídia agia, muito diferente do procedimento em relação a Fernando Henrique, sempre preservado, mantido sempre na condição de estadista.

Tratava-se de mostrar um candidato, o que iria ganhar. O outro, quando aparecesse, devia se revelar como um estorvo, despreparado e o que mais fosse. Na escalada difamatória, no furor acusatório, Band, Folha e Veja foram campeões. Mesmo quando surpreendidos em erros, não se rendiam, e insistiam na escalada. Pelo candidato que haviam escolhido, tudo valia, não se respeitava qualquer regra, muito menos as do jornalismo, aquelas expostas nos manuais de redação que seus repórteres eram obrigados a ler.

Albino Rubim destaca o fato de que a Rede Globo, sempre que os fatos não a obrigassem a seguir linha diversa por alguma contingência muito especial, adotou a tática do silenciamento quanto às eleições e quanto às graves questões nacionais. Como demonstramos no início do texto, houve acordo entre o grupo midiático e Fernando Henrique, e esse era o melhor procedimento, o que beneficiava a candidatura oficial. O Jornal Nacional realizou um agendamento e um enquadramento de temas marcadamente favoráveis a Fernando Henrique Cardoso e, insista-se, sempre que pôde, guardou silêncio sobre problemas que saltavam à vista e sobre até mesmo a competição eleitoral. São diversas as táticas midiáticas nessa eleição. Não variam, no entanto, quanto à estratégia: trata-se de derrotar Lula, como nas duas eleições anteriores.

Há autores variados que apontam a deliberada despolitização da campanha de 1998, especialmente porque, de um lado, ao menos a Rede Globo optou pelo silenciamento dos principais fatos envolvendo a campanha, e de outro, a legislação eleitoral, ao reduzir o horário eleitoral de 60 para 45 dias e ainda intercalando dia sim, dia não, para a eleição presidencial, diminuiu o impacto de tal horário, sempre muito importante num país de mídia oligopolizada, e disposta sempre a fazer o que bem entende, de acordo com seus interesses e muito longe dos interesses da população, e sem prestar contas a ninguém.

Quando se fala em despolitização se quer dizer que não se discutiram os programas dos candidatos, os problemas centrais do país. Quando se fala em silenciamento, deve-se registrar que é uma operação política – silencia-se o que não interessa a FHC, e se potencializa ao máximo o que for contra Lula. E se diz isso para não aceitar quaisquer ilusões quanto à posição da mídia hegemônica.

Não cabe, ainda, esquecer que o TSE evidenciou, escandalosamente, uma clara preferência pela candidatura de Fernando Henrique Cardoso. O presidente do TSE, Ilmar Galvão, em entrevista à Folha (27/9/1998), depois de dizer que sempre fora contra a reeleição, admitiu-a, no entanto, “quando muito, para presidente da República, em uma conjuntura como a atual, em que a permanência do presidente da República é um fato indispensável para a manutenção e para a consolidação do modelo econômico que foi implantado no Brasil”.

Quer algo mais claro? A autoridade que deveria zelar pela absoluta correção da eleição, que não podia admitir quaisquer partidarismos, coloca-se escandalosamente ao lado de uma candidatura. Todos, então, mídia, institutos de pesquisa, Tribunal Superior Eleitoral, estavam engajados na candidatura de Fernando Henrique.

Em 1994, a tática foi a de esconder as ruas, nada de cenas externas. Aqui, 1998, diminuir o tempo do horário eleitoral, e fazer um acordo com a mídia para cobrir a eleição o mínimo possível, salvo no que fosse para desgastar o candidato adversário, Lula. Despolitizar a eleição, a palavra de ordem. Nelson de Sá, em artigo do dia 2 de outubro de 1998, na Folha, diz que a campanha presidencial daquele ano havia sido “a mais curta e despolitizada desde a redemocratização”. Trabalhada para que fosse assim.

Fernando Henrique venceu as eleições no primeiro turno, com pouco mais de 53% dos votos. Lula obteve quase 32%. Como dizia ao final do texto sobre as eleições de 1994, não se pode e não se deve atribuir a derrota apenas à mídia, ou aos institutos de pesquisa, à parcialidade manifesta do TSE, à disparidade de recursos.

Fernando Henrique venceu as eleições num cenário adverso que, em princípio, poderia levá-lo à derrota. A privatização fora um desastre, um típico crime de lesa-pátria, o governo reagiu muito mal à crise econômica mundial, os dólares saíam em profusão do país em plena campanha eleitoral, o desemprego crescia assustadoramente, tudo parecia contribuir para sua derrota.

Prevaleceu, no entanto, a tese do diabo conhecido: o discurso de que Fernando Henrique era o mais capaz de enfrentar a crise. Ou a tese de que no meio da tempestade não se muda o comandante por pior que ele seja. A mídia conseguiu quase unanimemente mundializar a crise, praticamente inocentando Fernando Henrique pelas consequências. Se era certo que a crise fosse mundial, como era, não era menos certo que as consequências eram fruto, sobretudo, das políticas internas de Fernando Henrique, que obedecia cegamente aos ditames do FMI.

Volto à política: nunca esquecer que Fernando Henrique havia conseguido reunir em torno de si forças políticas conservadoras poderosas, contando não só com o PSDB, mas também com o PFL e com o PMDB, entre os partidos mais fortes. Era, então, um poderoso bloco histórico. E conseguiu, com isso, convencer a sociedade brasileira o quanto era arriscado mudar o timoneiro naquele momento, por maiores que fossem os prejuízos que a população viesse tendo naquele momento, e os prejuízos de fato não eram pequenos.

Houve um momento em que se acreditou que havia chance de Lula provocar um segundo turno. Foi quando o programa de TV dele caminhou para demonstrar os graves problemas sociais do país, apresentando como carro-chefe o medo de perder o emprego, e não tocava na crise mundial. Antônio Lavareda, o homem das pesquisas de Fernando Henrique, tremeu: seguisse naquela linha e o risco não era pequeno. Sorte, na visão dele, que o PT rapidamente voltou a discutir a crise econômica sem insistir nas questões sociais, e estas eram, de fato, o ponto fraco do governo. Essa revelação está também na matéria de Expedito Filho, já citada. Será que isso garantiria mesmo o segundo turno? Quem sabe?

Volte-se a insistir, no entanto: se é fato que a política é que conta, que foi a força daquele bloco histórico que garantiu a vitória tucana, não há como negar que a contribuição da velha mídia foi essencial. Fernando Henrique nunca poderá reclamar: a partir de maio de 1998, contou com ela pra valer, dispôs dela a seu modo, do jeito que quis. Afinal, ela estava profundamente afinada com o programa que ele executava no Brasil desde que assumira, em 1995. O neoliberalismo era o projeto da mídia hegemônica, e Fernando Henrique, para não sermos injustos, foi o mais perfeito executor desse projeto no Brasil.  O Príncipe conservador neoliberal que a mídia ajudou a construir para substituir Collor continuava à frente dos destinos do Brasil. Até que uma nova hegemonia se estabelecesse, e isso não estava tão longe assim.

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Emiliano José é professor-doutor (aposentado) em Comunicação e Cultura Contemporâneas da Universidade Federal da Bahia, jornalista, escritor e integrante do Conselho de Redação de Teoria e Debate