Política

O PT deveria orientar seus filiados e parlamentares, em todos os níveis, a participar das manifestações de rua para poder disputá-las com propostas

Markus Sokol, economista, integra a corrente interna do PT, O Trabalho.

Ainda jovem, participou das mobilizações em seu colégio. Depois, na luta contra a ditadura militar foi preso e torturado pelo DOI-Codi. Ajudou a reconstruir o DCE-Livre da USP.

Dedicou-se à organização independente dos trabalhadores. Participou da construção da Oposição Metalúrgica de SP. Foi delegado no Congresso de Fundação da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Organizou as campanhas pela Ratificação da Convenção 138 da OIT (proibição do trabalho infantil) e contra a Alca.

Membro da 4ª Internacional, participou da campanha em defesa do sindicato Solidariedade na Polônia e de conferências mundiais contra a dívida externa, em defesa da revolução nicaraguense, contra a guerra no Iraque e pela paz entre os povos. Tem livros e estudos publicados sobre diversos temas.

No PT desde a fundação, organizou o Diretório Municipal da Capital, em São Paulo, e foi secretário de Comunicação da campanha de Lula à Presidência da República em 1994. Participou em 2008 da delegação ao Haiti pela retirada das tropas brasileiras da Minustah.

Atualmente é membro do Diretório Nacional do PT. Sua candidatura à Presidência Nacional do PT foi lançada pela chapa “Constituinte por Terra, Trabalho e Soberania”.

Markus Sokol é candidato à Presidência Nacional do PT no PED 2013

Markus Sokol é candidato à Presidência Nacional do PT no PED 2013. Foto: Richard Casas

Quais os objetivos estratégicos do PT?

Nossos objetivos estão no Manifesto de Fundação do PT, escrito ainda nas condições da ditadura, mas plenamente atual: “O Partido dos Trabalhadores nasce da vontade de independência política dos trabalhadores, já cansados de servir de massa de manobra para os políticos e os partidos comprometidos com a manutenção da atual ordem econômica, social e política. Nasce, portanto, da vontade de emancipação das massas populares”.

E explica o documento: “O PT quer atuar não apenas nos momentos das eleições, mas, principalmente, no dia a dia de todos os trabalhadores, pois só assim será possível construir uma nova forma de democracia, cujas raízes estejam nas organizações de base da sociedade e cujas decisões sejam tomadas pelas maiorias”. Chamo a atenção para afirmação de que o PT “proclama que sua participação em eleições e suas atividades parlamentares se subordinarão ao objetivo de organizar as massas exploradas e suas lutas”. Porque, afirma, “a Nação é o povo e, por isso, sabe que o país só será efetivamente independente quando o Estado for dirigido pelas massas trabalhadoras”.

Para concluir que “o PT buscará conquistar a liberdade para que o povo possa construir uma sociedade igualitária, onde não haja explorados nem exploradores”.

Politicamente, quem são nossos principais inimigos?

Concentrando, no imediato, os principais são o imperialismo com seus associados nas classes dominantes do campo e da cidade. No plano econômico e social, eles são o maior obstáculo ao processo de emancipação das massas populares. E atuam mediante seus agentes políticos diretos, que velam por seus interesses, no controle das instituições do Estado – Judiciário, Legislativos e Executivos – e dos meios de comunicação.

Num segundo plano, acrescento que os inimigos não teriam sucesso sem, de há muito, pressionar, seduzir e corromper, criando confusão entre os oprimidos e explorados.

Dou um exemplo: a política da “governança mundial”, “consenso” ou “diálogo social”, aplicada país por país por recomendação do Banco Mundial (e do FMI), que associa aos planos de ajuste dos governos sindicatos, organizações populares, partidos de origem socialista etc. para avalizar as privatizações e cortes sociais, ou que serve para engolir a militância em intermináveis reuniões de conselhos e conferências que não resolvem nada, serve no melhor dos casos para paralisar, quando não para cooptar.

Como tratar os adversários secundários e possíveis alianças pontuais com eles? O que é inegociável?

Separemos as citadas “alianças pontuais”, que podem ser muito amplas por objetivos concretos, democráticos ou anti-imperialistas, como contra a espionagem da NSA/CIA no Estado e na economia, e que podem abarcar não só setores médios, como também integrar setores da classes dominantes locais, separando-se, então, daquelas outras alianças para disputar eleições e governar.

Nestas últimas, é necessário um acordo programático de governo comum, muito mais amplo do que acordos pontuais que deixam de fora muita coisa, inclusive questões cruciais para as massas populares oprimidas, como uma política de valorização salarial e a reforma agrária ou o fim das privatizações e do superávit primário para destinar as verbas do Orçamento para os serviços públicos, por exemplo. Esses pontos deveriam ser inegociáveis.

Quais táticas devem ser adotadas para garantir a vitória de Dilma em 2014?

Para vencer e avançar é preciso criar desde já uma força social de mudança, pois essa não será “mais uma eleição”.
A situação internacional não é a mesma de antes, os ataques estadunidenses contra a soberania nacional no mundo são crescentes, como parte da sua política para enfrentar a própria crise do sistema capitalista, inclusive para recuperar terreno na América Latina, onde voltaram a apoiar os golpes de Estado. A elite local sintonizada endureceu a disputa.

Assim, está certa a presidenta de suspender a visita a Obama em nome da soberana nacional agredida. Mas a soberania nacional na América Latina ou será para todas as nações, ou para nenhuma. Assim, Dilma deveria retirar imediatamente as tropas brasileiras da Minustah, que há dez anos viola a soberania da república negra do Haiti, conforme o pedido unânime do Senado haitiano em maio último.

Para avançar, Dilma deveria adotar medidas que sinalizem a disposição de defender a soberania, como a suspensão da visita a Obama e também do leilão de petróleo do poço de Libra, porque é lesivo à soberania e porque permitiria vir a destinar todo o seu lucro para a educação e saúde, não apenas os royalties ou parte do fundo social do pré-sal.

É o caminho para realizar a sinalização positiva de programas anunciados em junho, como o Mais Médicos, as verbas para mobilidade urbana e para a educação pública.

No plano eleitoral, uma tática para vencer e avançar é romper a “aliança nacional com o PMDB” (tanto no primeiro como no segundo turno, quando se desenha o futuro governo). O PMDB foi criado pela ditadura e é um obstáculo histórico à emancipação das massas oprimidas, no sentido mais amplo, como se viu na sabotagem organizada pelo vice-presidente Temer, do PMDB, ao plebiscito da Constituinte para fazer a reforma política, proposto pela presidenta Dilma em resposta às manifestações populares de junho.

É hora de se orientar para uma aliança de corte anti-imperialista, com uma plataforma de defesa dos interesses dos oprimidos e explorados deste país, encabeçada pelo PT, com o PCdoB e setores populares de partidos como o PSB e o PDT.  Só essa aliança pode estabelecer um diálogo real com as organizações populares, sindicais e democráticas.

Como reatar os laços do partido com a base da sociedade?

Medidas do governo do PT, como a suspensão do leilão de Libra e aquelas complementares para a realização do Mais Médicos – investimento na rede básica de saúde, criação da carreira federal dos médicos, estatização dos leitos hospitalares e revogação da Lei das Organizações Sociais (OS), por exemplo –, com os recursos necessários à mobilidade e à educação, tudo isso ajudaria a engatar e estreitar as relações com os movimentos sociais e, mais amplamente, com a base da sociedade, ao contrário das privatizações e concessões, que atritam, confundem e afastam; na verdade, fortalecem os inimigos do povo.

Mas reatar com a base da sociedade implica mudar bastante a política do PT dos últimos anos, implica romper com o superávit primário para pagar a dívida, expressão da subordinação ao “mercado” dominado pelo capital financeiro internacional.

O estabelecimento da soberania nacional com total prioridade à base social passa por abandonar a política de juros ditada pela elite rentista “globalizada”, que corre atrás das oscilações das taxas do BC dos EUA, o FED, para sustentar a oscilante âncora cambial que fundou a falsa estabilidade da moeda, desde o Plano Real, e ainda hoje impede qualquer planejamento sério no Brasil, mesmo privado. Na verdade, uma política soberana pede a centralização do câmbio.

Por fim, é preciso que o PT volte a ser visto pelos movimentos populares como uma representação à altura de suas lutas, não como parte de um governo mais ou menos tolerante, mas como partido companheiro. Isso passa por militantes dos movimentos populares, sindicais e de juventude terem as condições de simplesmente militar no partido, e não apenas votar num Processo de Eleições Diretas (PED) eventual ou assistir a raros setoriais.

Quais as táticas mais acertadas para o PT disputar as manifestações que ocorrem desde junho?

Com certeza, o PT deveria poder orientar seus filiados e parlamentares, em todos os níveis, a participar, em primeiro lugar, das manifestações para poder disputá-las com propostas.

Mas, em boa medida, isso ainda depende de uma mudança de política do partido, como a esboçada há pouco. Por exemplo, quando o prefeito Fernando Haddad, em São Paulo, negava-se a atender à demanda de redução das tarifas de transporte, porque o Orçamento está comprometido em boa parte com a dívida à União, e, ainda mais, quando o ministro José Eduardo Cardozo oferecia a Força Nacional de Segurança para auxiliar a Tropa de Choque do governador do PSDB, Geraldo Alckmin, ou, ainda, quando o PT se mantinha calado no governo de Cabral, do PMDB do Rio, com seu Bope, não havia “tática” genial capaz de resolver o problema sem que o partido, antes, criticasse esses governantes. Coisa que a direção, presa de uma “estratégia” deformada, se negava a fazer.

Seria pedir o impossível querer que a Juventude do PT, por exemplo, se colocasse à frente das lutas tendo essa mesma estratégia na sua própria direção, não é?

Como recompor o PT política e organizativamente para enfrentar os desafios atuais?

Ademais da reorientação política que mencionei, é preciso reestruturar o partido que está tão verticalizado e tão invadido de “espírito de carreira” que, às vezes, mesmo chamado a sair à rua, dá uma resposta fraca.

Falou-se muita bobagem, na minha opinião, sobre o “horizontalismo” em junho (sem direção, carro de som, sem partido etc.), o que é perigoso até por facilitar a manipulação da direita e as provocações.

Mas, sim, o PT precisa ser desverticalizado – horizontalizado, nesse sentido –, com a volta dos encontros de base como instância deliberativa. Ali, os militantes e filiados podem discutir, olho no olho, convencer e ser convencidos e adotar decisões. Não apenas virem votar a cada quatro anos nos PED, como praticamente se resume a vida da massa de filiados, hoje, contados como “garrafinhas”, considerados em tal ou qual feudo de um gabinete ou grupo.

É preciso acabar com o PED e voltar aos encontros de delegados, de modo a eleger outra direção e de outro modo.  Não é a única medida – há a formação, a imprensa, a comunicação interna, as respostas setoriais etc. –, mas se não mudar o principal, que é a condução, não haverá real evolução.

As manifestações de junho sinalizam a necessidade de renovação na política brasileira. O congresso do PT aprovou 20% de jovens nos cargos de direção. Com relação à juventude, o que o partido pode fazer para acelerar esse processo de renovação?

Eu me pergunto, na verdade, se esses 20% de jovens – fato decidido anos antes de junho! – serão um passo na renovação do partido, ou, com todo o respeito pela nova geração, se será um passo para o envelhecimento precoce de um setor da juventude tocado pelo PT, que não esteve na origem das manifestações de junho e agora ainda será jogado pelas regras existentes, não é uma questão de vontade ou má-fé, mas das regras da disputa nada exemplar e despolitizada do PED, uma disputa viciada e viciosa, mais para arregimentar eleitores do que para debater políticas.
É uma dúvida se haverá real renovação por esse recurso dos 20%.

No governo, como administrar o capitalismo numa perspectiva socialista?

Que me respondam os entrevistadores. Não sei. Não me proponho a “administrar” o capitalismo, justamente porque seria contraditório com a minha perspectiva socialista. O socialismo não é segunda-feira, certo, mas uma perspectiva de transformação do capitalismo, não de “administração” do capitalismo.

O PT no governo, com todo o cuidado e responsabilidade e, ao mesmo tempo, com maior determinação, deve buscar o caminho da transição ao socialismo, por difícil e até longa que seja. Transição, aqui, quer dizer medidas anti-imperialistas, “reformistas”, como a reforma agrária, a reestatização das empresas privatizadas e o fim da ditadura do pagamento da dívida, que reúnam as condições para a transformação, mudando a correlação social de forças, atacando a desigualdade social pela raiz do controle da propriedade e da renda.

E digo isso com a avaliação dos dez anos de governo em que as transformações de fundo do Estado, da economia e da sociedade não foram feitas. E, se houve melhorias, e houve – como os 70% de aumento do salário mínimo –, foram conquistas sociais, não benesses da coalizão de governo. Esta, sim, administra o capitalismo sem qualquer tipo de perspectiva, nem de muito longe, socialista.

Qual a tática mais apropriada para reformar o Estado brasileiro num sentido democrático?

Um elemento-chave da tática é a luta por uma Constituinte soberana.

É desenvolver a resposta às ruas de junho, esboçada mesmo pela presidenta Dilma, no caso, ao propor o plebiscito da Constituinte específica para fazer a reforma política.

Não a mera atribuição de poderes constituintes ao atual Congresso, como em 1986-1988, com deputados e senadores eleitos como sabemos, mas uma verdadeira Assembleia Constituinte, unicameral (sem Senado), proporcional (um eleitor, um voto; não como hoje, um pra onze, conforme o eleitor seja de Rondônia ou de São Paulo) e sem financiamento empresarial (de preferência público e exclusivo).

Uma Constituinte assim deveria e poderia reformar o Estado de cabo a rabo!

Mas vemos o naufrágio da reforma política no Congresso do PMDB, cozinhada no GT do nosso deputado traíra, Vaccarezza, onde mesmo a proposta rebaixada (sem Constituinte exclusiva, por exemplo) de reforma política do PT-PDT-PSB-PCdoB não anda.

Por isso, tem muito valor a proposta da Plenária Nacional de Movimentos Sociais – CUT, MST, UNE e várias entidades, como a Conen etc. –, que lançou a campanha do Plebiscito Popular, como o da Alca em 2002, da Constituinte para 7 de setembro do próximo ano. Ele se fará com a única pergunta: se o eleitor é favorável a convocação de uma Constituinte soberana e exclusiva para a reforma do sistema político-eleitoral.

Essa campanha, na nossa opinião, na opinião da chapa “Constituinte por Terra, Trabalho e Soberania”, deveria ser assumida pelo PT e integrar uma tática mais ampla para as profundas reformas necessárias para abrir caminho às aspirações de democracia e justiça social do povo brasileiro.

Há décadas, o PT tem como principais bandeiras algumas reformas que, em dez anos de governo petista, não avançaram. Qual sua opinião sobre a viabilidade das reformas política, tributária e agrária, bem como a regulamentação dos meios de comunicação?

Justamente com este Congresso, não dá! Prisioneiros do chamado “presidencialismo de coalizão”, herdado da ditadura militar pela via da Constituinte meia-sola de 1986-1988, não vamos além desse horroroso “balcão de negócios”, que eleitoralmente só funciona com o “caixa dois”, no qual os principais dirigentes do PT cometeram o erro de meter o partido.

E o STF, parte desse sistema perverso herdado, com o apoio militante dos barões da mídia, agora ainda quer criminalizar o PT na Ação Penal 470 (“mensalão”) e por outros crimes não provados para, na verdade, salvar o sistema institucional do qual é parte.

Por tudo que expliquei antes, a saída passa por uma Constituinte soberana.

Em relação ao Parlamento, como restabelecer uma ação conjunta em que prevaleçam os princípios e as decisões partidários?

Bem, em primeiro lugar, sem jogo de palavras, recuperar os princípios nas decisões partidárias!

Sim, porque com uma política de alianças, em muitos casos no limite do vale-tudo, sem princípios, fica mais difícil dar coesão e coerência às bancadas do PT. Apoiar e integrar certos governos “aliados”, ou integrar certos “aliados” em governos encabeçados pelo PT, aliados que não têm a ver com a base social popular, é muitas vezes fator de desagregação do PT. O caso do deputado Vaccarezza é um símbolo, nesse sentido.

Igualmente, a enorme verticalização do PT e a subordinação completa da atividade às eleições – ao contrário do que previa o Manifesto de Fundação – incentivam o carreirismo e também tendem a colocar o parlamentar por fora e acima das instâncias, como centro paralelo de poder no partido. Aliás, não são só gabinetes parlamentares que configuram centros paralelos, há outros até mais influentes, enfraquecendo as instâncias e mesmo as próprias bancadas como tal. De modo que o problema não são os parlamentares em si, mas a política atual do PT.

A reforma política do PT com o fim do PED – e o fim da eleição do presidente separado da chapa, muitas vezes escada de pré-candidaturas institucionais, motivo de barganhas escusas –, trafegando numa política mais sintonizada com o Manifesto de Fundação, ajudaria muito, creio, a recolocar as instâncias e as bancadas nos eixos.