Política

É preciso compreender a dinâmica das redes e procurar respostas para a crise de representação política que envolve, em maior ou menor grau, todos os partidos

Paulo Teixeira é advogado e mestre em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo.

No governo de Luiza Erundina na Prefeitura de São Paulo, foi subprefeito de São Miguel Paulista. Como vereador, foi autor do projeto de lei para exigir o cumprimento da função social da propriedade em São Paulo.

Secretário municipal da Habitação em São Paulo no governo Marta Suplicy, desenvolveu os programas Morar no Centro, Bairro Legal e Plantas On-Line. Também promoveu o maior programa de quitação de escrituras da Cohab.

Em seus dois mandatos como deputado estadual, regulamentou os planos de saúde para atender os portadores de HIV, além de ter participado da ação judicial que levou o estado de São Paulo a distribuir a combinação de antirretrovirais para todos os infectados pelo vírus.
Eleito deputado federal, dedica-se às questões urbana, ambiental e de tecnologia. Em 2011, assumiu a liderança da bancada do Partido dos Trabalhadores na Câmara.

Foi interlocutor do governo na discussão e aprovação do Marco Regulatório dos Resíduos Sólidos. Autor do PL de Incentivo às Energias Renováveis, apoiou a viabilização da entrada da energia eólica na matriz energética brasileira. No tema da tecnologia, trabalhou para barrar o PL Azeredo sobre a internet (o “AI-5 Digital”) e encaminhou a discussão do Marco Civil da Internet. Na temática de drogas, defende a máxima atenção na prevenção e no atendimento à saúde dos usuários e a descriminalização do uso.

Paulo Teixeira é candidato à Presidência Nacional do PT no PED 2013

Paulo Teixeira é candidato à Presidência Nacional do PT no PED 2013. Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Quais os objetivos estratégicos do PT?

Como consta no primeiro parágrafo do seu estatuto, o PT tem por objetivo estratégico a construção do socialismo democrático, que seria a realização de uma sociedade conscientemente orientada à promoção do bem-estar e da plena da cidadania, da república e da justiça social. Em nosso entendimento, esse é o objetivo fundamental que dá sentido à existência de nosso partido, e isso significa atuar politicamente em defesa de um modo de organização da vida radicalmente democrático, sustentável e pluralista.
Politicamente, quem são nossos principais inimigos?

Nossos adversários principais são aqueles responsáveis pela reprodução do patrimonialismo, do autoritarismo, do elitismo e de todas as formas de opressão. Enfim, combatemos tudo aquilo que se opõe à paz, ao bem-estar coletivo, à democracia. E, claro, os porta-vozes desses valores retrógrados são nossos adversários políticos. Mas devemos ter a clareza de que a luta que pretendemos realizar se materializa através de ideias, argumentos e de nossa prática política radicalmente democrática. Um projeto de esquerda hoje é, acima de tudo, um projeto de afirmação dos valores democráticos, da liberdade de opinião e crença. Sem isso, podemos nos confundir exatamente com aqueles que pretendemos combater.

Como tratar os adversários secundários e possíveis alianças pontuais com eles? O que é inegociável?

Inegociáveis devem ser os valores democráticos e a ética republicana, que são conquistas do conjunto da sociedade. Os partidos aliados devem ser tratados com todo o respeito, uma vez que a diversidade de ideias, inclusive política, é um dos princípios basilares da democracia. Isso significa que temos de dialogar com todos os partidos do nosso arco de alianças visando à elaboração de um programa de governo que contemple a todos, incluindo o PT. Em troca de aliança, entretanto, não podemos abrir mão de valores que são a razão da nossa existência, como os que nos levam a combater todos os tipos de preconceito e a buscar a promoção da igualdade e da justiça social.

Quais táticas devem ser adotadas para garantir a vitória de Dilma em 2014?

Temos de garantir a manutenção de nosso governo ampliando o arco de alianças políticas e sociais que elegeram Dilma em 2010. É preciso, ainda, atualizar nosso programa e projetar a agenda de uma nova etapa da revolução democrática – processo desenvolvido ao longo dos dois mandatos do presidente Lula. Nestes dez anos de governo, focamos, corretamente, em políticas de combate à pobreza, de redução das desigualdades e recuperação da renda do trabalhador, promovendo um inédito acesso ao mercado de consumo por parte de milhões de brasileiros que se encontravam à margem da sociedade. Agora, temos de avançar. É preciso buscar a universalização dos direitos da cidadania, promover a melhoria substancial de nossos serviços públicos e da qualidade de vida da população.

Outro aspecto fundamental será a reforma das instituições políticas brasileiras, que não pode mais ser adiada. As mobilizações de 2013 indicam um descontentamento com a estrutura política de representação que atingiu patamares insustentáveis a médio e longo prazo. É preciso estabelecer canais de diálogo que nos permitam absorver as aspirações da sociedade por mais democracia, participação e cidadania.

Como reatar os laços do partido com a base da sociedade?

Antes de tudo, creio que o PT deva atualizar sua agenda em torno de uma estratégia de aprofundamento da revolução democrática em curso no Brasil dos últimos anos. Devemos elaborar uma nova síntese programática, levando em consideração as mudanças que ocorreram em nossa estrutura de classes, os novos sujeitos sociais, as novas demandas que emergem no seio da sociedade em rede do século 21. Essa nova síntese programática deve dialogar com as aspirações dos novos movimentos sociais, que mostraram sua força mobilizadora ao longo deste ano.

Quais as táticas mais acertadas para o PT disputar as manifestações que ocorrem desde junho?

Penso que é preciso organizar um esforço de compreensão da dinâmica das redes e procurar respostas para a crise da representação política que envolve, em maior ou menor grau, todos os partidos políticos brasileiros. Devemos fugir de interpretações simplistas acerca dos eventos de junho. Há uma ampla energia renovadora atestada por essas mobilizações que precisa ser incorporada pelo PT e pela esquerda brasileira. O PT precisa repensar seu papel enquanto partido militante, identificado com as lutas por maior transparência e participação da sociedade nas decisões públicas. As fórmulas tradicionais de diálogo social já não são suficientes para lidar com uma sociedade profundamente fragmentada e complexa como a que temos hoje. É preciso agir, ainda, para que as juventudes brasileiras percebam no partido um instrumento de transformação, de afirmação das liberdades e dos direitos humanos. O PT viveu um forte processo de burocratização e institucionalização que bloqueia o diálogo com segmentos da sociedade – em especial os mais jovens – que não querem apenas participar de disputas eleitorais periódicas. Nossa militância precisa se sentir parte de um projeto transformador, democrático, e os ativistas sociais brasileiros devem perceber o PT como um partido comprometido com as mudanças estruturais que nosso país ainda deve enfrentar. Além disso, será preciso alterar substancialmente a forma como nos comunicamos e nos relacionamos com a militância e os movimentos sociais em geral. Hoje, não possuímos canais de envolvimento, diálogo e participação apoiado no uso das novas tecnologias da informação e da comunicação, que poderiam, perfeitamente, servir de suporte ao estabelecimento de relações políticas de novo tipo entre o partido e a sociedade.

Como recompor o PT política e organizativamente para enfrentar os desafios atuais?

É preciso reformar profundamente as formas de organização do partido, a começar pelo PED. É urgente democratizarmos o PED e devolvermos à militância do partido o efetivo poder de decisão sobre os rumos do PT. Nossos processos internos encontram-se fortemente marcados pela reprodução de relações e práticas que em nada coincidem com a tradição democrática do partido. É preciso romper com a tendência de esvaziamento do debate político. Não é admissível que as decisões do partido estejam suscetíveis ao uso do poder econômico e político para desequilibrar as disputas internas. Temos de promover um amplo debate sobre novas possibilidades para nossa democracia interna, e para isso devemos utilizar as novas tecnologias da comunicação e da informação. O atual modelo do PED está esgotado e já não contribui para a organização de um partido de massas verdadeiramente democrático. Precisamos, ainda, revalorizar nossas instâncias partidárias, em grande medida secundarizadas e esvaziadas por conta de nossas funções governamentais.

As manifestações de junho sinalizam a necessidade de renovação na política brasileira. O congresso do PT aprovou 20% de jovens nos cargos de direção. Com relação à juventude, o que o partido pode fazer para acelerar esse processo de renovação?

O debate de participação da juventude no processo de organização do PT não pode se resumir às cotas. As cotas são ferramentas que reconhecem o quanto o partido está defasado na sua relação com a juventude. O debate passa por entender o quanto é estratégico o PT dialogar e ser referência para a nova geração. As vozes quem vêm das ruas exigem do partido uma nova forma de comunicação, novos métodos de organização, combate às velhas práticas políticas e voltar a falar de sonhos e utopias.

No governo, como administrar o capitalismo em uma perspectiva socialista?

O socialismo não é algo para ser construído num futuro distante e abstrato. Deve ser construído no presente como resultado de nossa ação política transformadora. O socialismo democrático será fruto de políticas públicas transformadoras,  da difusão dos  valores de justiça, igualdade e liberdade. O socialismo petista do novo século será construído a partir de uma relação sustentável com o planeta e os recursos naturais. Nosso projeto deve incorporar a luta radical contra todas as formas de opressão e supressão de direitos humanos inalienáveis. Parte importante de nossa agenda se relaciona com a promoção de novas formas de vida e de consumo. Na economia, devemos incentivar o desenvolvimento de formas cooperativistas e associativistas, a economia solidária, alternativas à propriedade privada e à propriedade estatal. E devemos recuperar a perspectiva internacionalista, reconhecendo que na sociedade em rede do século 21 a luta por um mundo justo e solidário será, cada vez mais, universal.

Qual a tática mais apropriada para reformar o Estado brasileiro num sentido democrático?

Penso que essa tática passa pelo fortalecimento dos movimentos sociais, incluindo os novos, e da sociedade civil organizada como um todo. Sem o apoio explícito da sociedade, muitas vezes os governos, mesmo os de esquerda, não encontram legitimidade para implementar as reformas estruturais importantes para a continuidade do processo de aprofundamento da democracia. Reformar nosso sistema de representação, permitindo uma abertura radical à participação da sociedade nas decisões públicas, é um passo fundamental. É preciso, ainda, discutirmos agendas que andam esquecidas nos grandes debates nacionais, como a necessidade de uma reforma do Judiciário que o torne um poder transparente, republicano e acessível.

Há décadas, o PT tem como principais bandeiras algumas reformas que, em dez anos de governo petista, não avançaram. Qual sua opinião sobre a viabilidade das reformas política, tributária e agrária, bem como a regulamentação dos meios de comunicação?

Acredito que essas reformas não dependem, exclusivamente, da vontade dos governos em implementá-las, apesar de essa vontade ser importante. Essas reformas dependem da construção de uma larga base de sustentação social e política no seio da sociedade. Por isso é tão importante o resgate do protagonismo do PT e dos partidos de esquerda. O avanço de um conjunto de reformas estruturais não resolvidas será o grande desafio do PT na próxima década.

Em relação ao Parlamento, como restabelecer uma ação conjunta em que prevaleçam os princípios e decisões partidários?

A reforma política será fundamental para isso. Hoje, praticamente não elegemos partidos e suas plataformas políticas, e sim personalidades ligadas aos partidos políticos. Logo, o que prevalece não são princípios e decisões partidários, mas interesses pessoais que, muitas vezes, passam longe dos interesses coletivos. Fortalecer a instituição partido – sem a anulação da ação política individual – é fundamental para que a democracia brasileira se aprofunde nos próximos anos. Além disso, é preciso construir relações programáticas mais sólidas e proporcionar um debate de ideias mais profundo, que permita a identificação plena das diferentes posições partidárias e ideológicas.