Política

Não é pouca coisa uma direção partidária com paridade de gênero, com 20% de jovens e 20% de cota étnica em todas as instâncias
 

O Processo de Eleições Diretas instituído no PT é a maior experiência de democracia interna posta em prática por um partido político no Brasil. E com a paridade e as cotas étnica e de jovens, o partido está demonstrando para a sociedade que é possível construir um sistema político que amplie as possibilidades de participação política com constante renovação

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Conseguimos transformar paridade, cota étnica e de jovens em realidade. Foto: Marcio Marco/FPA

Antes de discorrer a respeito do novo perfil da direção que conduzirá o PT nos próximos quatro anos de mandato, é importante salientar que há um clamor na sociedade por uma reforma política que mude substancialmente as formas de representação – a pauta ganhou maior relevância após os protestos de rua em 2013. Essa também tem sido uma das principais bandeiras do PT, que está coletando assinaturas para um projeto de iniciativa popular com o objetivo de convocar uma Constituinte exclusiva para uma reforma política que enfrente sobretudo o problema do financiamento de campanha e aumente a qualidade da representação democrática, ampliando o número de mulheres, de jovens, de negros e de índios nos Parlamentos – ainda que, quando colocadas na mesa as propostas, persistam muitas divergências sobre que mudanças são necessárias, inclusive a respeito das que devem ser promovidas na lógica de organização e funcionamento dos partidos políticos.

E, quando se trata do funcionamento dos partidos políticos, não se pode colocar o PT na mesma vala que os demais. Desde sua fundação, o partido sempre teve muita ousadia para tratar as inquietações de seus filiados e filiadas, buscando inovar para ampliar a qualidade e a participação na elaboração e mobilização política.

O Processo de Eleições Diretas (PED) foi instituído pelo II Congresso do Partido dos Trabalhadores, em 1999. Naquele momento já estava presente a percepção de que o modelo de organização dos partidos políticos não dava mais conta de envolver a militância no debate e na condução do processo político. Portanto, era necessário buscar um modelo de eleição que possibilitasse maior representatividade. Aliás, se há algo do qual o PT não pode ser acusado é de ser um partido acomodado e sem iniciativa e de não ousar politicamente. Inquietação e ousadia sempre foram uma grande marca do PT, desde sua fundação, e tomara que continue assim.

Podemos dizer que o PED é uma dessas ousadias petistas. Trata-se da maior experiência de democracia interna posta em prática por um partido político no Brasil, e talvez no mundo. O de 2013 foi o quinto realizado e o primeiro sob as orientações das novas regras estatutárias aprovadas pelo 4º Congresso, mobilizando aproximadamente 430 mil filiados e filiadas. O que é pouco, se considerarmos o total de 1,7 milhão de filiações. Entretanto, essa participação é bastante representativa em função das dificuldades encontradas para pôr em prática a obrigatoriedade de cursos para novos filiados, o registro de atividades partidárias para a participação no PED e a dificuldade na composição de chapas em função das cotas étnico-racial, geracional e paridade de gênero. Mas a principal dificuldade foi o pagamento das contribuições financeiras, através do Sistema de Arrecadação de Contribuição Estatutária (Sace), que é um avanço dentro da nossa organização, mas ainda precisa ser aperfeiçoado e ter sua operação descentralizada. Tão importante quanto a consolidação do nosso sistema de arrecadação é o debate sobre o financiamento do PT, que precisa ser aprofundado no nosso 5º Congresso.

Aqueles que pediram para se filiar depois de agosto de 2012 participaram de uma plenária para apresentação do PT, condição para consolidar sua filiação. Havia pouco mais de 200 mil pedidos de filiação protocolados e 132.500 novos filiados e filiadas participaram dessas plenárias. Um resultado bastante significativo.

Além da exigência de participação dos filiados e filiadas, precisamos agora nos concentrar em criar as condições para que os diretórios organizem as plenárias para novos filiados e atividades partidárias com a periodicidade necessária para atender a todos.
Nesse PED, 5.310 candidatos e candidatas inscreveram-se para o cargo de presidente em nível nacional, nas 27 Unidades da Federação, em 3.605 municípios e em mais 121 zonais. Também foram inscritas, em todos os níveis, 5.636 chapas, reunindo 148.152 filiados e filiados, que disputaram vagas nas direções partidárias.

Nos processos eleitorais anteriores, as chapas deviam respeitar uma cota de gênero de 30% do total de inscritos. A partir de 2013 a paridade de gênero passou a ser critério obrigatório para a inscrição das chapas, assim como a participação de, pelo menos, 20% de jovens, negros e índios.

Conseguimos transformar a cota étnica e de juventude em realidade. Durante o PED, 31.423 pessoas declararam-se negros ou negras e outras 1.498 declararam-se indígenas, totalizando 22% do total de inscritos. Houve também uma grande participação da juventude, com 30.845 jovens inscritos em chapas, o que representa 21% do total. Após a verificação dos critérios previstos pelo regulamento e da exclusão daqueles que não atendiam às regras de contribuição financeira, verificou-se na composição final das chapas 73.888 mulheres inscritas, número ligeiramente maior que o de homens inscritos (73.277).

É verdade que não foi tarefa fácil cumprir as cotas e a paridade. Há, pelo menos, 199 diretórios que devem voltar à condição de Comissão Provisória por não ter conseguido atender a todos os critérios de participação. Nesses municípios vamos precisar realizar campanhas específicas de filiação, estruturadas e com conteúdo para jovens, mulheres, negros e negras, índios e índias.

Em um balanço preliminar, não conseguimos realizar a eleição da nova direção em 1.369 dos 4.809 municípios onde tínhamos diretórios constituídos. Embora sejam municípios pequenos, com, em média, 10 mil eleitores, chama atenção o fato de que tenham bons índices de filiação.

Vale lembrar que o número de diretórios que não conseguiram cumprir a paridade e as cotas de etnia e juventude só não é maior porque foi acatado um recurso da Executiva Estadual do Rio Grande do Sul para que, nos municípios com apenas uma chapa inscrita, o PED pudesse, mesmo assim, ser realizado. A decisão da Câmara de Recursos virou jurisprudência e garantiu a constituição de trezentos diretórios municipais. O Diretório Nacional precisou rever duas vezes o Regulamento do PED, flexibilizando regras, para garantir que a reforma estatutária fosse posta em prática.

Como todo processo novo, o PED 2013 sofreu críticas e deixou claro que o partido ainda precisa melhorar sua organização, principalmente em função das novas exigências aprovadas no 4º Congresso Nacional, sobretudo nos pequenos municípios, onde o PT ainda funciona precariamente.

O nosso novo estatuto demanda um padrão de organização partidária que traga as direções municipais para o centro de nossas ações. É no município que as próximas campanhas eleitorais serão disputadas e é lá que vamos defender o nosso projeto democrático e popular. Por isso vamos precisar ter diretórios funcionando com maior dinamismo político e com um corpo de dirigentes preparados para dar conta da política e das tarefas do dia a dia.

Nesse sentido, a Secretaria Nacional de Organização pretende conduzir um amplo processo de estruturação partidária para provocar o dinamismo necessário para dar conta dos próximos desafios, que se iniciam já com as eleições de 2014.

Afinal, a tarefa prioritária do momento é a reeleição da presidenta Dilma, eleger governadores e governadoras e também aumentar as nossas bancadas no Congresso Nacional e nas Assembleias Legislativas, e para isso devemos conciliar imediatamente nossas estratégias eleitorais com um projeto de organização partidária para alcançar com sucesso os resultados que esperamos para o próximo período.
Com toda essa complexidade, o PED 2013 deixa uma marca importante para o PT, que foi a mudança no perfil dirigente do partido. Não é pouca coisa uma direção com paridade de gênero, com 20% de jovens e 20% de cota étnica em todas as instâncias. Não é pouca coisa um Diretório Nacional que tenha em sua composição 41 homens e 41 mulheres, 16 jovens com menos de 30 anos e 16 integrantes segundo critério de participação étnica. Não é pouca coisa paridade e cotas em um espaço de direção disputadíssimo como a Executiva Nacional do PT, o que propiciou uma renovação de quadros políticos sem precedentes na história dos partidos.

O PT está demonstrando na prática para o conjunto da sociedade que é possível construir um sistema político inclusivo e mais democrático. Está dando sua contribuição para uma reforma política no país que abra possibilidades para transformar a atual forma de representação elitista e machista, por um sistema que amplie as possibilidades de participação política com constante renovação.

Florisvaldo Souza é secretário Nacional de Organização do PT