Sociedade

O esporte não é nem bom, nem ruim; é simplesmente o que fazemos dele. Sua implantação nas escolas contribuirá para a construção de uma cultura esportiva

A implantação do esporte nas escolas contribuirá para a construção de uma cultura esportiva. Essa sua função educativa, ainda bastante negligenciada no Brasil, expressa uma atividade que deve ser regular, contínua, orientada para o movimento corporal, a formação, o desenvolvimento do físico e a promoção da saúde. No país é preciso evoluir da cultura do futebol para uma cultura esportiva, de fato

O esporte influi na formação integral dos educandos e alicerça a construção da c

Na escola, o esporte influi na formação integral dos educandos e alicerça a construção da cidadania. Pedro Silveira

Os esportistas vivem intensamente e sentem as emoções da modalidade a que se dedicam, vibram com os discursos inflamados em favor da prática esportiva e sentem na pele o abandono, a negligência e a falta de políticas públicas para a área.

O fato de o movimento ser próprio do ser humano significa que o indivíduo vai praticar esporte a vida inteira? É evidente que não. Quantas pessoas têm habilidade para a música, a pintura, o teatro, mas não conseguem desenvolvê-las por falta de oportunidades, que deveriam ser oferecidas pela sociedade? O mesmo acontece com o esporte. Este, apesar de fazer parte da vida das pessoas, de ser o oxigênio que pode melhorar a qualidade de vida, prolongar a longevidade e integrar a comunidade, se não houver uma cultura esportiva no meio social em que se vive, jamais será exercido em sua totalidade.

Assim, o esporte terá razão de ser se estiver atrelado à educação. A única justificativa para que seja praticado no ambiente escolar é seu valor educativo. Diversos motivos lhe são atribuídos, que vão além de sua própria capacidade, como se fossem a solução para todas as mazelas. É comum, por exemplo, políticos mencionarem em seus discursos que é bom para tirar as criancinhas das ruas. Esse não é um objetivo. Mas, uma vez que as crianças e os jovens estejam envolvidos com o esporte na escola, em decorrência não estarão nas ruas às voltas com as drogas e a marginalidade.

O esporte não é nem bom, nem ruim; é simplesmente o que fazemos dele. Sua implantação nas escolas contribuirá, sem dúvida, para a construção de uma cultura esportiva. Essa sua dimensão, a função educativa, ainda bastante negligenciada no Brasil, não está associada à quebra de limites, a recordes, à superação das próprias forças. Expressa uma atividade que deve ser regular, contínua e dosada do esforço humano, orientada para o movimento corporal, a formação e o desenvolvimento do físico, a manutenção da energia e do entusiasmo, a promoção da saúde e elemento constitutivo do processo civilizador. Conduta, trabalho em equipe, cooperação e amizade são a contraface de seu caráter competitivo.

Uma política pública adequada, portanto, deve trazer essa dimensão para o primeiro plano. No ambiente escolar, o esporte pode recuperar tanto seu aspecto lúdico quanto sua função de desenvolvimento psicomotor e psíquico das crianças e dos jovens. Sua prática estimula o convívio social, a cooperação, participação, solidariedade e criatividade dos alunos. Além de influir diretamente na formação integral dos educandos, alicerça a construção da cidadania.

Nas escolas, tem ainda a função de superar a dificuldade de gênero – uma vez que a maior parte dos equipamentos e dos espaços esportivos é orientada para atividades masculinas –, proporcionando a estudantes de ambos os sexos igualdade de condições. No esporte não há discriminação de cor, raça, gênero, religião ou condição social. Sua prática envolve as pessoas, integra os participantes e promove a formação de grupos, geralmente homogêneos, acompanhada de alegria.

Enfim, o esporte contribui para o desenvolvimento geral das crianças e dos jovens, de modo que possam atingir a idade adulta de maneira saudável, e tem a força de construir os valores da cidadania, indispensáveis para uma verdadeira transformação social. Nessa fase, a atividade física é tão importante quanto a amamentação nos primeiros meses de vida. E os adultos encontram nele uma oportunidade para melhorar a qualidade de vida e ganhar longevidade (o homem deve morrer jovem o mais tarde possível).

O ser humano leva vinte anos crescendo e cinquenta, ou mais, envelhecendo. Com a dedicação regular a  qualquer atividade esportiva, é possível permanecer com quarenta anos durante trinta anos ou mais. As mudanças inerentes ao envelhecimento, do ponto de vista funcional, podem ser contrabalançadas para garantir não só longevidade como qualidade de vida ao longo de toda a existência. O excesso de peso adquirido no decorrer da idade adulta, por exemplo, relaciona-se mais intimamente com a redução da atividade física do que propriamente com a ingestão de calorias.

O esporte é um exemplo de luta pela vida. Numa competição, as pessoas colocam em jogo toda a sua força, sua habilidade e sua experiência. O resultado pode ser a vitória ou a derrota. Na vitória, elas se realizam e encontram motivação para os próximos embates, mantendo a disposição de vencer. Na derrota, param, refletem, avaliam os motivos que levaram à perda e procuram superá-los, para buscar vitórias nas próximas competições. Os portadores de deficiência encontram nele um meio de vencer os desafios que sua condição lhes impõe e uma oportunidade de afirmação de que não são excluídos sociais.

Qual a razão, então, de a cada dia aumentar o número de pessoas que se afastam de sua prática? Na atual geração, o sedentarismo continua sendo estimulado em nome do progresso científico: controle eletrônico a distância, escadas e tapetes rolantes, sem contar o fator de maior peso da inatividade física, a televisão. Como fenômeno social, o esporte não tem atendido às necessidades da população, não tem contribuído para a melhoria da qualidade de vida, deixou de ser eficiente no processo educacional, tem exacerbado uma idolatria irresponsável a determinados atletas e servido aos interesses capitalistas mais agressivos.

No Brasil, em particular, é preciso evoluir da cultura do futebol para uma cultura esportiva, de fato.

Nesse contexto, enquanto o esporte não for, efetivamente, parte integrante dos currículos escolares, com suficiência de tempo e espaço, extensão e profundidade, os brasileiros jamais poderão ver satisfeitos, por exemplo, seus anseios naturais de vitória nos Jogos Olímpicos, ao menos em proporção compatível com o volume da população e com os foros de civilização do país.

Os valores a serem incorporados às novas gerações e à própria melhoria do ser humano como cidadão, passam, portanto, pela escola.

A educação esportiva precisa ser implantada como forma de assegurar aos jovens uma formação integral, voltada para o pleno exercício da cidadania e para a construção de uma identidade nacional.

Walter da Silva é assessor de esporte da Liderança do PT na Assembleia Legislativa de São Paulo, ex-membro da Comissão de Lazer e Recreação da USP e  idealizador da Volta da Cidade Universitária