Internacional

O Bharatiya Janata Party, de oposição, conseguiu 52% da Casa do Povo e elegeu o primeiro-ministro Narendra Modi

De centro-direita, o BJP investiu muito em propaganda e conseguiu se consolidar como alternativa ao Partido do Congresso, desgastado pela crise econômica. No entanto, não há perspectiva de melhora na vida da maioria da população, que vive na pobreza

Narendra Modi, além de ser um piedoso hinduísta, foi apresentado como bom gestor

Narendra Modi, além de ser um piedoso hinduísta, foi apresentado como um bom gestor. Foto: Amit Dave/Reuters

A Índia, considerada “a maior democracia do mundo”, com mais de 800 milhões de eleitores e com seus megaproblemas sociais, tem um sistema eleitoral distrital que cria muitas distorções. O principal partido de oposição, o Bharatiya Janata Party (BJP), ou Partido do Povo Indiano, com 31% dos votos totais conseguiu 52% das cadeiras na Lok Sabha, ou Casa do Povo, onde é eleito o primeiro-ministro e aprovado seu gabinete. O BJP elegeu 282 dos 543 parlamentares e o Partido do Congresso (Indian National Congress), com 19% dos votos, obteve 8% das cadeiras, caindo de 206 representantes eleitos em 2009 para apenas 44.

Não existe limite de gastos para os partidos políticos. Há notícias de que nestas eleições foram maiores que em todas as anteriores e que o BJP usou intensamente do poder econômico, disputando também nesse quesito a liderança com o Partido do Congresso.

Quem é, o que pensa, o que faz o BJP? Por que essa derrota acachapante do partido de Gandhi e de Nerhu? Tentaremos ensaiar algumas pistas sobre isso.

Partido de centro-direita, o BJP começou sua trajetória a partir de quadros de partidos anteriores e de movimentos, elegendo dois deputados em 1984. Chegou depois ao poder em vários estados. Em coalizão com outras legendas regionais, governou a Índia entre 1998 e 2004, quando o PIB do país cresceu a uma média de 8,5% ao ano – num processo, porém, de concentração da renda. Teve forte influência ideológica de movimentos de direita surgidos após a Primeira Guerra Mundial, sobretudo a Organização Nacional Patriótica, a RSS, identificada pela esquerda indiana com o fascismo (especialmente por sua exaltação à raça e à cultura hindus e por sua organização paramilitar). O novo primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, militou na RSS.

A ideologia do BJP tem sua melhor expressão na palavra Hindutva (nacionalismo hindu). Na economia faz uma adaptação à globalização e ao neoliberalismo. Diferentemente do que pensava a RSS, defende e pratica a quebra do protecionismo, a atração do capital internacional, junto com uma convicção e um histórico privatizantes. O rico estado de Gujarat, um dos cinco que eram dirigidos pelo BJP, desde 2002 sob a liderança do agora novo primeiro-ministro, foi intensamente apresentado ao povo de toda a Índia como um exemplo de sucesso, de desenvolvimento e de governo eficiente. A propaganda do partido conseguiu criar o mito de um estado pujante, cuja economia crescia mais que a da Índia – com modernas rodovias, um bom sistema de eletricidade e de abastecimento de água e maior geração de empregos –, alinhando isso ao crescimento do PIB a altas taxas no período em que o BJP governou o país. E Modi, além de ser um piedoso hinduísta, um defensor da Hindutva, foi intensamente apresentado como um bom gestor.

A queda do Partido do Congresso tem muito a ver, embora não só, com os reflexos da crise internacional. O crescimento da Índia caiu de 10,3% em 2010 para 4,4% em 2013, convivendo com uma inflação anual em torno de 9%. A geração de empregos passou de 2% para 0,5% ao ano. O país persistiu com enormes problemas de infraestrutura, como o déficit de energia elétrica e de água potável, o sistema arcaico de trens (estatal) e do transporte coletivo em geral, os congestionamentos nas grandes cidades, além dos baixos salários (o mínimo é US$ 120, numa economia com altíssima taxa de informalidade) e da multidão de pobres (cerca de 800 milhões do 1,2 bilhão de habitantes). Acrescente-se o grande desgaste que os casos de corrupção trouxeram ao partido dominante, consolidando uma imagem negativa da qual o BJP estava mais preservado. Tudo isso anulou o efeito de alguns avanços do Partido do Congresso em políticas sociais, em especial um salário por cem dias pagos pelo governo na entressafra para cada família da área rural, com 700 milhões de habitantes. E seus grandes trunfos, nestas eleições, caíram por terra: ser o partido de Gandhi e de Nehru, representar a gloriosa memória das lutas pela independência, ter até então o apoio majoritário da população pobre e dominar a política na maior parte dos estados.

O BJP, por sua vez, conseguiu unir em torno de si muitas lideranças políticas antes atraídas pelo Partido do Congresso, que há muitos anos vem sofrendo uma sangria de quadros para legendas regionais. Embora a Índia tenha quarenta partidos políticos, somente os dois têm uma dimensão que os credencia a disputar o poder nacional. O BJP conseguiu também uma unidade em torno de Modi, um líder com experiência de gestão e boa imagem popular, diferentemente do partido oponente, liderado agora pela hesitante figura de Raul Gandhi, filho da presidenta da legenda, Sônia Gandhi. O primeiro-ministro atual, Manmohan Singh, já passando dos 80 anos, preferiu não concorrer. Além disso, na campanha eleitoral o BJP soube utilizar bem melhor a internet, a partir de um esforço organizado desde 2010, concebido para compensar o apoio maior que a grande mídia dava ao Partido do Congresso.

As lideranças desses dois grandes partidos pertencem à religião dominante, o hinduísmo, seguido por 80% da população do país. O BJP é visto com desconfiança pelas minorias religiosas (os islâmicos, com 13% da população, os sikhs e os cristãos, cada um com 2%, e os jainistas e budistas, com 1%), pois tem um histórico hostil a outras religiões, especialmente o islamismo. Seus seguidores não se esquecem de vários episódios e perseguições dos partidários do BJP, sobretudo a derrubada de uma mesquita que, segundo eles, fora construída em cima de antigo templo hinduísta, e mais tarde os cerca de mil mortos num massacre no estado de Gujarat, sob uma atitude complacente da polícia, quando Mori era o governante.

O momento, pelas razões expostas, favoreceu a direita. Já a esquerda, como o Partido do Congresso, sofreu intensa queda no voto popular. O Partido Comunista da Índia-Marxista, o principal da esquerda, já vinha perdendo força nos estados e no resultado nacional nas recentes eleições. Em 2004, conquistou 46 cadeiras na Casa do Povo, mas em 2009 caiu para dezesseis e agora para oito.

Na política internacional, a tendência agora, com o BJP, é a Índia se alinhar mais com os Estados Unidos, afastando-se da tradicional política de não alinhamento do Partido do Congresso.

Não é de esperar, nessa nova conjuntura política, uma melhora da situação do povo pobre da Índia. Essa maioria tinha diante de si apenas duas hipóteses: ou optava pela continuidade de um governo de centro, liderado por uma burocracia e por políticos ligados às elites ricas, desgastado pelos problemas econômicos e sociais e pelas acusações de corrupção; ou pela mudança para um governo de centro-direita, também ligado às elites, que soube se apresentar, nos últimos anos e agora, como mais atraente na política. A imensa massa popular ficou sem uma opção que lhe fosse interessante para o futuro.

Elói Pietá é membro do Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo