Economia

A intensa atividade de bullying partidário, na imprensa brasileira, provoca forte correlação entre essa expressão de ódio e a violência físico-emocional

Temos de nos precaver contra a reação mental instintiva e/ou defensiva ideologizada e generalizante a ataques específicos de “economistas-chefe” (sic) de bancos. O discurso antipetista, porém, é um falso alarmismo eleitoreiro pelo qual os verdadeiros empreendedores não se deixam influenciar

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Dilma age corretamente ao reagir ao ataque de pretenso porta-voz de O Mercado. Foto: Wilson Dias/ABr

Os filósofos gregos analisaram uma variedade de amor, chamada pragma, ou amor maduro, que designava a profunda compreensão que se desenvolvia entre casais com muitos anos de casados. Pragma tem a ver com a construção de um relacionamento ao longo do tempo, cedendo quando necessário, mostrando paciência e tolerância e sendo realístico em relação ao que se deveria esperar do parceiro. Envolve apoio às diferentes necessidades um do outro e manutenção da estabilidade doméstica, de modo que os filhos cresçam em uma atmosfera propícia a seu desenvolvimento, e os negócios financeiros da família estejam seguros. O pragmatismo é sensato...

A filosofia pragmática parte da ideia de que somente pensamos quando confrontados com problemas. Os problemas surgem porque estamos tentando apreender o sentido das tradições que herdamos e dos desafios de viver em um mundo em transformação. O pragmatismo parte do princípio de que o propósito do pensamento não é proporcionar um retrato verdadeiro do mundo, mas nos ajudar a agir de maneira eficaz dentro dele, ou seja, solucionar problemas práticos.

Muitos militantes ideológicos, quando vão trabalhar no governo e têm de “cumprir tarefas e entregar resultados”, aprendem a fazer consideração dos problemas de um ponto de vista prático. Eles necessitam dar um tratamento objetivo, não dogmático ou sumário dos eventos. Então, a validade de uma doutrina passa a ser determinada pelo seu bom êxito prático.

No marxismo, ideologia refere-se ao conjunto de ideias presentes nos âmbitos teórico, cultural e institucional das sociedades. Caracteriza-se por ignorar sua origem materialista nas necessidades e interesses inerentes às relações econômicas de produção, e, portanto, termina por beneficiar as classes sociais dominantes.

Como exemplo, a ideia-chave do individualismo libertário é que o homem com sua liberdade, rivalidade e desejo de maximizar seus ganhos seria “guiado por uma mão invisível a promover um fim que não fazia parte de sua intenção”. O homem libertado da servidão feudal agiria, mesmo que de modo involuntário, em nome do interesse maior da sociedade. Essa crença de condução divina dos homens “tementes de deus” se mantém, embora O Deus-Mercado tenha tomado o posto de autorregulação e/ou vigilância...

A formação doutrinária neoliberal dos economistas, que trabalham em O Mercado, leva-os à análise idealista da ordem espontânea do mundo a partir de três princípios neoclássicos. O primeiro é o citado individualismo. Contrapõem o atomismo à política de incentivos aos “vencedores” para ganharem competitividade internacional com suas exportações. O segundo é a flexibilidade de preços. Optam por preços livres mesmo que sejam voláteis e inflacionários, por exemplo, em função das flutuações da taxa de câmbio e das cotações do barril de petróleo. Terceiro, anseiam por informações perfeitas sobre todas as ações do governo, para antecipar suas defesas e torná-las inócuas.

Para os epígonos de Marx, tudo isso é apenas ideológico. Não passa de ideologia burguesa, abrangendo o sistema de ideias que legitima o poder econômico da classe dominante. Contrapõem-na à ideologia proletária ou socialista, isto é, o conjunto de ideias que expressa os interesses revolucionários da classe dominada.

Na realidade, quando se está no governo, tem-se de ter tolerância política com todo sistema de ideias (crenças, tradições, princípios e mitos) interdependentes, sustentadas por um grupo social de qualquer natureza ou dimensão, as quais refletem, racionalizam e defendem os próprios interesses e compromissos institucionais, sejam estes morais, religiosos, políticos ou econômicos. O regime democrático exige compreensão do conjunto de convicções filosóficas, econômicas, sociais e políticas de qualquer grupo de indivíduos, mesmo que seja adversário.

O que é intolerável, dentro do pacto político da própria democracia liberal, é a interferência institucional de poderosas organizações corporativas no processo eleitoral, pois desequilibraria fatalmente o debate ideológico. Pelo princípio da cidadania, considera-se necessário que as sociedades democráticas proíbam e penalizem todas as formas de expressão que espalham, incitam, promovem ou justificam ódio baseado em intolerância, inclusive intolerância político-partidária. Exemplo atual, no Brasil, é a divulgação cotidiana do ódio antipetista.

A intensa atividade de bullying partidário, na imprensa brasileira, provoca forte correlação entre essa expressão de ódio e a violência físico-emocional. Esses discursos de ódio não são inócuos (como a princípio pode parecer), mas geram danos físicos e psicológicos naqueles que sofrem a agressão, como depressão, baixa autoestima, misantropia etc.

As velhas posições anticomunistas ressurgem sob forma de um antagonismo contra toda a esquerda política, passando pela oposição ao marxismo, socialismo, sindicalismo, social-democracia, anarquismo e Teologia da Libertação. No entanto, não cabe contrapor a esse discurso de ódio outro de origem antissemita, que é o velho preconceito ou hostilidade contra judeus com base em ódio contra seu histórico étnico, cultural e religioso. Daí nasceu a postura antiusura da igreja cristã medieval, herdada pela ideologia trabalhista como antirrentismo.

Temos de nos precaver contra essa reação mental instintiva e/ou defensiva ideologizada e generalizante a ataques específicos de “economistas-chefe” (sic) de bancos. Estes são vistos por banqueiros profissionais e pragmáticos como “bobos da corte”, pois pretendem ser “mais realistas que o próprio rei”. Vendem sua ideologia neoliberal, impregnada em cursos ortodoxos de Ciência Econômica, como fosse o discurso hegemônico em O Mercado. Pautam o PIO (Partido da Imprensa Oposicionista) com suas diatribes contra o governo petista.

Esse discurso antipetista, porém, é um falso alarmismo eleitoreiro pelo qual os verdadeiros empreendedores não se deixam influenciar. Os que analisam os fundamentos e observam os indicadores socioeconômicos brasileiros investem e se capacitam para aproveitar da expansão do mercado interno ocorrida durante os governos social-desenvolvimentistas. Com base em análise criteriosa dos grandes projetos em andamento nas áreas de energia (hidrelétrica e petrolífera), infraestrutura urbana e logística com concessões de rodovias, ferrovias, hidrovias, aeroportos e portos, preparam-se para o vindouro crescimento sustentado da economia brasileira.

A Teoria dos Jogos investiga se é mais inteligente cooperar em nome do benefício mútuo ou agir com egoísmo. A cooperação pode vir de atos interesseiros. A estratégia mais bem-sucedida é a que o jogador coopera na primeira jogada e depois espelha o adversário, não sendo nunca o primeiro a capitular. A abordagem amável de cooperação dá resultados mutuamente benéficos, mas, se alguém é traído, é crucial revidar imediatamente para manter a “credibilidade”. Dessa análise de competição e cooperação surgem as regras sociais e até as morais.

Agiu corretamente a presidenta Dilma ao reagir ao ataque localizado de pretenso porta-voz de O Mercado. Agiram bem os pragmáticos banqueiros profissionais ao dar “um cala a boca e passa-fora, moleque” nos ideólogos que não os representam.

Fernando Nogueira da Costa é professor livre-docente do IE-Unicamp. Autor do livro Brasil dos Bancos (Edusp, 2012). http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/  E-mail: [email protected]