Mundo do Trabalho

Alega-se que os salários estão crescendo mais do que a produtividade da economia, o que estaria gerando inflação. Não há evidências que sustentem essa afirmação
 

O poder econômico se traduz ainda em oligopólio da informação, na medida em que as grandes empresas são os maiores anunciantes dos gigantes da comunicação e determinam o noticiário que atinge a população. Não são raras as ocasiões em  empresários reclamam de que no Brasil se pagam muitos impostos e de que o custo da força de trabalho é elevadíssimo. Esse discurso não é novo

O aumento da produtividade passa por melhorias na infraestrutura, na educação

Aumento da produtividade passa por melhoria na infraestrutura, educação de qualidade e investimento em pesquisa. (Foto: Nilton Cardin/Sigmapress)

O poder econômico das grandes corporações no Brasil não é pequeno. Boa parte dos principais setores econômicos do país está historicamente organizada sob a forma de oligopólios, com alta capacidade de determinação de preços abusivos e péssimos serviços. O poder econômico se traduz ainda em oligopólio da informação, na medida em que as grandes empresas são os maiores anunciantes dos gigantes da comunicação e determinam assim o que será dito e desdito no noticiário que atinge o grosso de nossa população. Nesse contexto, não são raras as ocasiões em que vem a tona o discurso empresarial do “custo Brasil”. Reclamam os empresários de que no Brasil se pagam muitos impostos e de que o custo da força de trabalho é elevadíssimo.

Esse discurso não é novo. Está intimamente ligado ao movimento de reorganização do capitalismo global na década de 1970 com o acirramento da concorrência entre as grandes empresas, a supremacia do capital financeiro desregulamentado e o ataque às políticas do Estado de Bem-Estar Social. No Brasil, assim como em outros países periféricos, esse movimento chega com força nos anos 1990 sob a batuta do neoliberalismo. Exigia-se que esses países se abrissem de forma indiscriminada à concorrência externa e à aplicação dos capitais produtivos e especulativos das economias centrais que deslocavam sua capacidade de produção para países de baixos salários.

A estratégia neoliberal de “desenvolvimento” iniciada no governo Collor e aprofundada no governo FHC pregava que a abertura comercial e financeira, a eliminação de subsídios à indústria nacional, a flexibilização para a entrada de capitais estrangeiros e as privatizações levariam a um processo de modernização de nossa estrutura produtiva, com grandes ganhos de eficiência. Só os fortes sobreviveriam e venceriam o grande desafio internacional da competitividade. Ao fim do processo a indústria brasileira iria ressurgir moderna, pujante e com alta produtividade.

Conforme sabemos, o resultado foi justamente o contrário: a década de 1990 caracterizou-se por baixos níveis de investimento, saldos comerciais negativos, desarticulação de uma série de etapas das cadeias produtivas industriais. As empresas se ajustaram à estratégia neoliberal com mudanças organizacionais que se traduziram em forte queda do emprego, precarização das condições de trabalho e substituição de insumos nacionais por importados. Do ponto de vista dos indicadores sociais e do mercado de trabalho, aqueles anos se caracterizam por estagnação do rendimento per capita dos trabalhadores e no índice de Gini, que mede a distribuição de renda, altas taxas de desemprego e aumento da informalidade. De acordo com o Ipea, o índice de Gini passou de 0,614 em 1990 para 0,589 em 2002, melhora de 4%.

Já entre 2002 e 2012 o indicador caiu para 0,53, um avanço de 10%. A melhora na distribuição de renda do país está relacionada a mudanças importantes que ocorreram a partir de 2003, com o retorno do crescimento econômico e dos investimentos públicos através do PAC, aumento dos gastos sociais do governo, queda acentuada da taxa de desemprego, incremento da taxa de formalização dos ocupados, elevação da renda per capita, expansão do crédito, principalmente através dos bancos públicos, política de valorização do salário mínimo – com seus reflexos em aposentadorias e pensões –, ampliação dos programas sociais e campanhas salariais vitoriosas dos trabalhadores. De acordo com o Dieese, nos últimos anos o percentual de negociações que conquistam aumento real de salário gira em torno de 90%.

Todos esses fatores resultaram em um acentuado movimento de ascensão social no Brasil nos últimos onze anos, com a redução firme do número de miseráveis em nosso país. O enorme excedente de força de trabalho gerado nos anos 1980 e 1990 foi incorporado à base da pirâmide do mercado de trabalho, grande parte em empregos de baixa remuneração no setor de serviços. Em que pese tal característica, o movimento na última década representou inequívoca ascensão social para aqueles que abandonaram a condição de pobreza, inserindo-se nos estratos inferiores da estrutura ocupacional. Enquanto a renda média dos 40% mais pobres cresceu 6,4% ao ano, a dos 5% mais ricos aumentou 2,4% ao ano entre 2002 e 2012. Na década anterior o comportamento havia sido inverso. Com tudo isso, o atual período caracteriza-se por uma combinação singular de fatores desde o início da industrialização no Brasil: expansão econômica com melhorias sociais, queda na desigualdade e crescimento da participação dos salários no PIB.

É justamente contra tudo isso e contra a necessidade de avançar muito mais que se renova o discurso empresarial do aumento da produtividade e da redução do custo do trabalho. Alega-se que os salários, principalmente o salário mínimo, estão crescendo mais do que a produtividade da economia, o que estaria gerando inflação. Primeiro é preciso ressaltar que não há evidências empíricas que sustentem essa afirmação.

Na verdade, as elites representadas pelo setor empresarial não têm o menor compromisso com qualquer projeto de nação para o Brasil que incorpore valores de igualdade social e participação democrática dos cidadãos. Seu compromisso restringe-se tão somente a seus negócios, com margens de lucro historicamente superiores às médias internacionais, sempre amparadas nos baixos salários das classes subalternas. Portanto, pretendem barrar quaisquer tentativas de alterar esse quadro, e para isso se utilizam da retórica da eficiência e da produtividade. Almejam atingir ganhos de produtividade com desemprego, imobilidade social e terceirização indiscriminada. Ganham o apoio de parcelas da classe média indignadas com a elevação da renda dos trabalhadores comuns, que encarece seu padrão de vida, mais confortável que o da classe média de países desenvolvidos.

Não queremos neste artigo negar a necessidade de aumento da produtividade da economia brasileira, ainda mais levando em conta que passamos pelo chamado “bônus demográfico” – ou seja, com mais pessoas aptas a trabalhar do que pessoas inativas (crianças e idosos, por exemplo) – e que essa configuração tende a se alterar nas próximas décadas. O envelhecimento da população, relacionado a aumento de expectativa de vida e queda na taxa de natalidade, levará a uma situação na qual cada vez menos pessoas ativas terão de sustentar a produção para toda a sociedade brasileira, incluindo uma parcela crescente de inativos, o que certamente exigirá ganhos de produtividade.

A trajetória de aumento de produtividade, no entanto, não tem o caminho único do desemprego, arrocho salarial e precarização do trabalho. Devemos perseguir a trajetória da melhoria de nossa infraestrutura, da universalização da educação pública de qualidade, do aumento dos investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação, da redução da jornada de trabalho, do retardo da entrada dos jovens no mercado de trabalho e do avanço nas condições laborais.

Tudo isso deve estar inserido em um projeto de desenvolvimento centrado na ampliação radical dos serviços públicos de qualidade, na seguridade social, na participação política popular e na retomada de nossa estrutura industrial para que o movimento de ascensão social experimentado na última década seja intensamente aprofundado.

Juvandia Moreira é formada em Direito e pós-graduada em Política e Relações Internacionais. É presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região