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O objetivo do PSB era, no discurso, derrotar o PT sob a alegação de que representava a "velha política" e, na prática, afastá-lo do poder, a qualquer custo

Quais os recados desta eleição? Especificamente, no que diz respeito a Pernambuco, o PT pagou um preço muito alto por dois erros estratégicos: sua insana divisão interna no estado, que teve início após a eleição à prefeitura de 2008, e a política do governo federal do PT de definir o PSB como praticamente o interlocutor único de suas principais ações no estado

A militância pró-Dilma foi às ruas defender o projeto encarnado pela petista

No segundo turno, a militância pró-Dilma foi às ruas defender o projeto encarnado pela petista. (Foto: Site Mudamais.com)

Aparentemente estávamos face a um enigma. Em Pernambuco, a diferença entre a votação de Dilma Rousseff no segundo turno (70,20%) e no primeiro turno (44,22%) fora surpreendente. Em 2010, Dilma ganhara no primeiro turno em Pernambuco já com 61,74% e agora perdera para Marina. O que mudara?

Segundo a interpretação mais em voga, a comoção que atingiu como um furacão toda a Nação quando da trágica morte do ex-governador Eduardo Campos, candidato à Presidência da República, teria levado a que a maioria dos eleitores de Pernambuco resolvesse homenageá-lo no primeiro turno votando em seus candidatos. Essa onda, entretanto, já não atuaria vinte dias depois, no segundo turno.

A tese do "efeito emoção" ganhou força incentivada pelo fato de que, no dia da morte de Campos (13 de agosto), o candidato ao governo do estado Paulo Câmara (PSB) tinha apenas 13% de intenção de votos contra 47% de Armando Monteiro, da coligação PTB-PT, e vinte dias depois Câmara já empatava a disputa (36%). Daí por diante só fez crescer, tendo derrotado Monteiro por 68% a 31% e levando seu candidato ao Senado, Fernando B. Coelho, a vencer por larga margem (64%) o ex-prefeito de Recife João Paulo até em Recife. Para concluir o fenômeno que podemos chamar de "onda amarela", a coligação encabeçada pelo PSB teve fortíssima vitória proporcional. O PT não elegeu nenhum deputado federal e viu sua bancada estadual reduzir-se de cinco para três parlamentares.

O "efeito emoção" é inquestionável. Entretanto, esconde outros elementos levados a cabo pelo PSB que considero ainda mais importantes: a política de hegemonia pessebista em todos os poderes e órgãos auxiliares; a construção bem-sucedida de amplo leque de alianças partidárias no estado; a construção de estrutura político-partidária forte e com grande capilaridade social em todos os municípios do estado; o esmagamento ou cooptação dos aliados municipais que pudessem vir a disputar hegemonia mais adiante com os pessebistas; a cooptação de adversários estaduais históricos mas sem força para disputar hegemonia com o PSB; e a montagem de ciclópica estrutura de campanha eleitoral, jamais vista em Pernambuco, visando ganhar as eleições estaduais "em quaisquer circunstâncias".

Remontemos a 2010. Eduardo Campos é reeleito governador no primeiro turno com amplo leque de apoio partidário e larga margem de votos, resultado colhido principalmente devido a fortíssimo apoio recebido do governo Lula (grande concentração de obras e repasses financeiros federais), embora já se pudesse notar que os elementos acima citados estavam constituídos ou em construção. Em particular, havia tomado corpo, em meados do primeiro mandato de Campos, uma ação sistemática de ataque ao PT. As eleições municipais de 2012 refletem essa realidade, a qual não vou aqui analisar para não fugir do foco deste artigo.

É evidente que ali já estava assente plano estratégico do então governador de ser candidato à Presidência da República contra DilmaHavia, nas hostes do PSB, o entendimento de que a crise mundial pegaria o Brasil em cheio e levaria o governo Dilma a grande desgaste popular. Por outro lado, desde o segundo turno em 2010 o ex-governador avaliava que a votação de Marina sinalizava haver uma "fadiga de material" a atingir a administração petista. Parcelas crescentes do eleitorado desejavam ver surgir quem personificasse uma "nova política".. Como esse projeto era, evidentemente, cercado de incertezas, do ponto de vista do PSB a eleição em Pernambuco tinha de ser ganha, pois seria impensável perder a corrida presidencial e o governo do estado, simultaneamente. Para garantir esse objetivo, a eleição de 2010 encontrou o PSB empenhando em fragilizar ao máximo seus aliados históricos e avançar nos elementos estratégicos já referidos. Para ilustrar: estreitou ainda mais a aliança com o PSDB na política municipal, na qual chegou a fazer alianças com forças locais desqualificadas. Entre 2012 e 2014 desidratou a força local dos aliados (principalmente PT e PTB). Quando se chega a 2013, portanto, não foram surpresas para o PT pernambucano o caminho pessebista de rompimento com o governo Dilma nem a aliança com o DEM e com Jarbas Vasconcelos, adversário histórico de Campos e de Arraes, sob o signo de derrotar o PT, inimigo comum.

O objetivo da estratégia era claro: isolar o PT nacionalmente e derrotá-lo sob a alegação de que praticávamos a "velha política". Isso no plano discursivo. Na prática, o objetivo era simplesmente afastar o PT do centro do poder, a qualquer custo.

Essa estratégia tinha contradições evidentes. Pregando não subordinar a governabilidade a alianças com forças tradicionais, os governos pessebistas em Pernambuco vinham sendo pródigos em fazer essas mesmas alianças aos borbotões. No estado, a educação e a saúde  apresentavam problemas seriíssimos, nada exemplares para o Brasil. E o pico de desenvolvimento que o atingiu nos últimos anos se devia muito menos a virtuosidades da administração pessebista e mais, muito mais a investimentos feitos em Pernambuco pelos governos Lula e Dilma.

Tentou-se separar Dilma de Lula, com falácias do tipo "Lula era bom para Pernambuco, Dilma nos abandonou",  repetidas à exaustão. Não colou. O legado de Lula transferira-se para Dilma, que para ampla parcela da população era, de fato, a continuadora do presidente que tantos benefícios trouxera para o desenvolvimento do estado.

O resultado é que, apesar de todo o esforço da oposição, a popularidade da presidenta manteve-se alta em Pernambuco, a ponto de já em abril de 2014 estar empatada com Campos na corrida eleitoral Instituto Maurício de Nassau/Jornal do Commercio..

Para ganhar em Pernambuco "sob quaisquer circunstâncias", o PSB teria, em particular, de pôr em operação sua estrutura de lideranças locais, de grande capilaridade, em pirâmide, penetrando em distritos, vilas, bairros, quarteirões, através de uma hierarquia informal, passando por candidatos a deputado, vereador, suplente, lideranças comunitárias de toda ordem O geógrafo e gestor público Hercilio Maciel tem trabalho inédito em que estuda com profundidade essa estratégia. . É algo caro, muito caro, mas, como a realidade mostrou, essa precondição estava garantida. Nesse quadro, escolher um candidato mais competitivo seria entregar a máquina estatal estadual a alguém menos próximo politicamente (casos do ex-ministro Fernando Bezerra Coelho e do governador João Lira). Isso seria sem sentido, pois a premissa era ter máquina eleitoral capaz de eleger qualquer um para governador, daí a escolha ter-se dado em torno do nome mais desconhecido, porém mais próximo, o ex-secretário da Fazenda Paulo Câmara.

O quadro para manter o governo estadual com o PSB "em qualquer circunstância" estava montado. E iria produzir efeitos concretos. A tragédia que atingiu Campos antecipou e reforçou essa estratégia. Mas não conseguiu atingir a esfera federal com igual ímpeto (Marina ganhou de Dilma no primeiro turno por apenas 184 mil votos). Mesmo assim produziu efeitos no primeiro turno, como já assinalado, inclusive aumentando o percentual de Marina em quase 140% em relação a 2010.

Já no segundo turno muita coisa mudou.

No meu entendimento, a grande vitória de Dilma em Pernambuco (aproximando-se do percentual obtido em 2010) deveu-se, mais do que à “emoção ter passado", a fatores objetivos: a estrutura do PSB para o primeiro turno fora em grande parte desmobilizada, pois montada fundamentalmente sobre a base dos candidatos proporcionais, àquela altura já definidos eleitoralmente, além do que os meios materiais deviam estar mais escassos; o bom resultado de Dilma no primeiro turno, bem melhor que o de Monteiro, mostrava que a máquina do PSB focada sobretudo na disputa estadual atuara com maior força que a emoção, supostamente fator que atingiria também a esfera federal com igual ímpeto (cerca de 700 mil eleitores de Câmara votaram em Dilma no primeiro turno); a opção do PSB, inclusive de Marina e da família Campos, de apoiar o tucano Aécio no segundo turno escancarou que o projeto pessebista não tinha nada de nova política, mas sim, como meta central, tão somente derrotar o PT; por fim, a militância pró-Dilma foi às ruas defender o projeto encarnado pela petista.

Assim, no segundo turno, Dilma conquistou 53% dos votos em disputa. Ou seja, a maioria dos eleitores de Marina votou em Dilma.

Quais os recados desta eleição? Especificamente, no que diz respeito a Pernambuco, o PT pagou um preço muito alto por dois erros estratégicos seus e de nossos governos: a insana divisão interna do partido no estado, que teve início após a eleição à prefeitura de 2008 e seu ápice no Processo de Eleição Direta de 2012, e a política do governo federal do PT de definir o PSB como praticamente o interlocutor único de suas principais ações no estado até o momento da ruptura unilateral por parte de Campos. No que diz respeito ao país como um todo, a votação de Dilma mostrou que ela detém, em Pernambuco, cerca de 2,2 milhões de votos, obtidos no primeiro turno. O 1,3 milhão adicional agregado no segundo turno veio de eleitores de Marina, que com certeza inclui aqueles que votavam no PT em primeira instância e agora votaram mais contra o tucano do que a favor da petista.

Esta eleição pede, portanto, um PT e seus governos renovados, em Pernambuco e no Brasil.

Pedro Eugênio é deputado federal (PT-PE), membro do Diretório Nacional do PT e do Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo