Nacional

Mesmo com candidaturas acima de suspeitas, de qualquer indício desabonador em sua trajetória, Tarso Genro e Olívio Dutra foram derrotados

A razão maior da derrota no estado está na conjuntura regional e nacional, no clima de incertezas e ansiedades criado pela criminalização da política e na demonização do PT como responsável por governos, atacado diuturnamente pelos grandes meios de comunicação

O debate político ficou escanteado, predominou a intolerância

O debate político ficou escanteado, predominou a intolerância e o antipetismo. Foto: Caco Argemi/UPPRS

Em 2010 o PT, numa aliança com o PCdoB, o PSB e o PR, alcançou uma vitória expressiva. Tarso Genro (PT) e Beto Grill (PSB) venceram no primeiro turno com 54,3% dos votos. José Fogaça (PMDB-PDT) fez 24,7% e Yeda Crusius (PSDB-PP), que disputava a reeleição, ficou com 18,3% dos votos. Elegemos catorze deputados estaduais (25% da Assembleia) e oito deputados federais, igualmente um quarto da bancada federal gaúcha.

Entre as razões dessa vitória, a mais importante foi a crise histórica das finanças públicas do Rio Grande do Sul. O governo Rigotto (PMDB, 2003-2006) e o de Yeda Crusius (PSDB, 2006-2010) foram medíocres, estrangulados pela crise, e apesar da maioria folgada de que dispunham não tiveram coragem e ousadia de enfrentar a dívida pública com a União, o déficit previdenciário do regime próprio estadual e a guerra fiscal. Ficaram paralisados, em especial o de Rigotto, devido às indecisões do governador.

A tucana Yeda radicalizou. Com o discurso do choque de gestão e do “déficit zero”, ampliou ainda mais o fosso entre o governo e a população. A mágica do “déficit zero”, tão defendido e propalado pela cumplicidade da mídia, resumia-se a não cumprir os mínimos constitucionais na saúde e na educação e apresentar a soma zero no orçamento como o ápice da gestão pública. A isso se somou a venda de ações preferenciais do Banrisul com o compromisso de obras viárias que não cumpriu, o escândalo de corrupção no Detran, que gerou uma CPI, e um processo judicial que levou à condenação de dirigentes e diretores de órgãos do PP, PSDB e PMDB. Como se não bastasse, a governadora foi derrotada na AL – onde tinha maioria – na tentativa de aprovar um programa que permitia ao estado prorrogar os caríssimos e odiados “polos” de pedágio entregues a concessionários privados desde o governo Britto (PMDB, 1995-1998).

É nesse quadro que a candidatura de Tarso Genro, decidida em convenção ainda no segundo semestre de 2009, apesar dos poucos recursos materiais, passou a percorrer o estado, envolvendo o partido e a militância social, e alcançou unificar o campo da esquerda com o PCdoB, o PSB e o PR. Processo que não seria fácil. A relação de forças materiais e de número de prefeituras e legislativos municipais nos era muito desfavorável. No PT, a tese de alianças com os parceiros nacionais esteve presente, mas a Convenção em 2009 unificou o partido, não houve prévias e de comum acordo outras pré-candidaturas foram retiradas.

Com vontade e firmeza, o PT jogou-se na campanha e o nome de Tarso Genro, ex-prefeito da capital, ex-deputado federal e ex-ministro do governo Lula, era um forte concorrente. Um programa ousado, vínculo com o governo federal e com a campanha de Dilma Rousseff, deu sustentação, coerência nacional e competitividade à chapa.

O governo da Unidade Popular pelo Rio Grande

A vitória foi impressionante, trinta pontos percentuais à frente do segundo colocado e uma bancada considerável na Assembleia Legislativa (AL). Um governo que pensasse o “Rio Grande, o Brasil e o mundo” permitiu construir uma hegemonia capaz de atrair aliados pós-eleição para buscar maioria legislativa. PDT e PTB, herdeiros do trabalhismo gaúcho, aceitaram participar do governo e compor um bloco majoritário na AL.

A estratégia adotada para romper a paralisia e sair da crise não tinha muitas alternativas. A vitória por si mesma não resolvia a dívida com a União nem a previdência estadual.

O governo optou por um programa de retomar o papel indutor e estimulador que o Estado deve ter. Para isso, era necessário recuperar a autoestima e a confiança no funcionalismo com política de reposição de perdas, realização de concursos e contratação de funcionários em áreas-chave para a retomada do crescimento.

Desde a subordinação à dívida com a União, no governo Britto, o estado não contratava financiamentos e empréstimos. O novo governo o fez. E mais: utilizou, nos limites da lei, os depósitos judiciais à disposição do estado, buscou recuperar a Fazenda e a arrecadação de ICMS. Foi atrás de todos os programas e recursos disponíveis no governo federal e reivindicou grandes obras viárias para o estado nas BRs 386, 392, 290, 116 e 101 e para a nova 448, todas estruturantes para o sistema viário gaúcho. Da mesma forma, usou todas as possibilidades de novas universidades federais e, em especial, a rede dos institutos federais tecnológicos.

O governo apostou na recuperação do diálogo com as categorias funcionais do estado, em mesa permanente de negociação, e criou o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, que incorporava os históricos Conselhos Regionais de Desenvolvimento existentes, num fórum de contato e audiência com os vários segmentos da sociedade gaúcha.

Apesar de não retomar a experiência de democracia participativa realizada nas administrações petistas em Porto Alegre e na de Olívio Dutra (1999-2002), o governo manteve, além do Conselhão, os mecanismos de consulta popular que vinham dos governos anteriores, ampliado-os por meio do Gabinete Digital, com o propósito de incorporar reivindicações ao Orçamento Público.

O governo estabeleceu a meta de alcançar os 12% da receita líquida em saúde e ultrapassar os 30% para a manutenção e desenvolvimento do ensino básico no estado. O objetivo foi alcançado, com uma profunda mudança nos serviços do SUS através da rede de hospitais conveniados e com os municípios, e um gigantesco esforço na recuperação física das escolas, nos salários do magistério, além de uma pioneira reforma estrutural e pedagógica do ensino médio, previamente discutida com o magistério.

A política salarial não se restringiu ao funcionalismo, que teve ganhos reais acima da inflação em todas as categorias, em especial nos salários mais baixos. O Piso Salarial Regional no estado também cumpriu seu papel na distribuição de renda e na dinamização da economia. Quase liquidado na gestão tucana, o piso foi recuperado, voltando ao patamar do governo Olívio Dutra. O projeto de lei que está na Assembleia Legislativa garante para 2015 um piso regional de quase 30% acima do salário mínimo nacional.

A criação da Secretaria de Desenvolvimento Rural para atender a agricultura familiar, as cooperativas, o associativismo e os assentamentos dos pequenos agricultores, assim como a recuperação da Emater, encarregada da assistência técnica e da extensão rural, com cerca de quinhentos técnicos e engenheiros agrônomos contratados, garantiu uma prioridade para o setor.

As políticas de desenvolvimento econômico percorreram desde a agricultura familiar, a lei do Simples gaúcho com benefícios maiores que os do Simples Nacional aos micro e pequenos empresários, ao maior programa regional de microcrédito desenvolvido pelo Banrisul, até as políticas de fomento e benefícios fiscais para implantação de grandes atividades econômicas no Rio Grande, privadas e cooperativadas.

Uma inédita e exemplar política na área dos serviços foi a criação da Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR). Com o fim dos pedágios concedidos a empresas privadas que cobravam altas tarifas, os “polos” de pedagiamento foram extintos, as estradas federais devolvidas à União e as estaduais passaram ao controle da EGR com tarifas menores, bem inferiores para o transporte coletivo ou de carga, e com compromisso de ampliação e duplicação de vias. A empresa aplica integralmente os recursos, não paga tributos pelo caráter público e é fiscalizada e controlada por conselhos regionais.

Por fim, sem nos estendermos a todas as áreas do governo que manteve em todo o mandato uma média razoável de aceitação e aprovação, a questão da Previdência foi enfrentada, com a criação do Fundo Previdenciário. A lei já vige há três anos. A renegociação da dívida foi alcançada agora, com a aprovação no Senado, dando um sinal claro de seu término em 2028 e recuperando a capacidade de crédito do estado imediatamente.

As razões da derrota eleitoral: uma aproximação

Falar em uma aproximação do objeto analisado não é uma cautela por medo a opiniões mais afirmativas. A precaução é para não cair no impressionismo nem buscar culpados e/ou responsabilidades que nos aliviem de raciocínios mais complexos e elaborados.

Estamos num estado em que Lula ganhou em 1989 de Collor, em 1994 e 1998 de FHC. Em 2002, mais uma vez. No governo estadual, com Olívio em 1998 e com Tarso em 2010, no primeiro turno. Elegemos e reelegemos Paulo Paim ao Senado em 2002 e 2010. Há vários mandatos o PT é a maior bancada na AL. O Rio Grande não é um poço de conservadorismo ou de eleitores volúveis a qualquer modismo. A representação das maiores bancadas partidárias na Assembleia e na Câmara são quase estáveis. A presidenta Dilma, no segundo turno, teve 46,5% dos votos.

O que ocorreu então?

Penso que a razão maior da derrota está na conjuntura regional e nacional, no clima de incertezas e ansiedades criado pela criminalização da política e na demonização do PT como responsável por governos, atacado diuturnamente pelos grandes meios de comunicação. O estudo da Uerj s obre capas e manchetes negativas, ao longo de meses, comprovou isso de forma insofismável. Se pesquisa semelhante a essa feita com O Globo, O Estado de S. Paulo e Folha de S.Paulo for estendida ao grupo RBS, o resultado será muito pior, na criminalização do PT e, por consequência, no desgaste do governo através dos jornais, das rádios e TVs. Centenas de matérias, ao longo do mandato, com manchetes do tipo “Estradas esburacadas”, “Caos na saúde”, “Crise na educação”, “Governo não paga o piso”, “Transporte não funciona”, “Mensalão e corrupção do PT” repercutiam contra o governo.

As manifestações massivas de junho de 2013, inicialmente vistas pela mídia como expressões de “baderneiros”, “vândalos”, rapidamente foram saudadas como legítimas representantes da cidadania e de ações reivindicativas.

Esse clima que se arrasta há quase uma década com a Ação Penal 470 foi exacerbado com as denúncias da Petrobras. Exploradas por Aécio, foram avalizadas por Marina e por Eduardo Campos, dando respaldo às denúncias e acusações contra Lula, Dilma e principalmente, o PT. Esse clima exasperou a tese da “mudança”, sem considerar que esta pode ser para um recuo ao passado ou para pior. A racionalidade, o debate livre de preconceitos, a história e os compromissos dos concorrentes eram secundários. O que importava era a “mudança”.

O uso na eleição da TV e do rádio para mostrar o governo, suas obras e serviços, publicizar o que fora sonegado ou manipulado pela mídia ao longo do mandato, não teve importância para a população.

O enfrentamento à candidatura Ana Amélia (PP-PSDB) era incontornável. Favorita desde o início da campanha até as vésperas do primeiro turno, a candidata precisava ser desnudada de sua aparência de apresentadora de TV por seus compromissos partidários e de classe que, efetivamente, sempre representou. Não resistiu ao mínimo confronto programático e de história de vida, mas sua derrocada foi traduzida como resultado dos “ataques impiedosos e arrogantes” de Tarso e do PT.

Transformou-se em vítima e fortaleceu o senso comum na montanha-russa das pesquisas eleitorais. Em uma semana, a candidatura Sartori, que já desativava equipes de TV e rádio, saltou do terceiro lugar para chegar à frente no primeiro turno. No segundo turno, Sartori (PMDB) fez 61% dos votos e Tarso (PT) 39%.

Esse fenômeno é de difícil explicação na lógica natural da relação de forças, da qualidade das campanhas, do brilho e competência pessoal dos candidatos. Não há uma racionalidade que decifre esse sentimento que mistura senso comum, ansiedade por mudança e ódio e intolerância no debate político. Este foi substituído pela não política. O atributo e a virtude passam a ser não ter opinião, não assumir compromissos, não apresentar alternativas aos principais desafios que o estado exige. Um candidato sem partido (“meu partido é o Rio Grande”), sem programa ou opinião (“um gringo que faz”) e com um elogio ao simplório, ao senso comum (“Sartorão da massa”).

Mesmo com candidaturas acima de suspeitas, de qualquer indício desabonador em sua trajetória, Tarso Genro e Olívio Dutra, como candidato ao Senado, foram derrotados, primeiro, por esse sentimento difuso, preconceituoso, do antipetismo, da mudança sem rumo, do elogio ao senso comum e, principalmente, da identificação do PT e do governo nas denúncias da Petrobras.

Outros fatores também influíram na derrota da Unidade Popular no Rio Grande do Sul. São de natureza distinta e, em conjunto ou individualmente, não mudariam, do nosso ponto de vista, o resultado final. Mas são importantes como experiências e lições para qualquer força política, e temos de aprender com isso.

Nos três primeiros anos, o governo sofreu uma crítica duríssima do maior sindicato do Estado – o Centro dos Professores do Rio Grande do Sul (Cpers) – em relação ao piso nacional do magistério. Uma visão marcada pelo esquerdismo economicista que simplificava todo o debate num índice impraticável aprovado pelo Congresso e desconhecia que nenhum professor recebia menos que o piso e os reajustes dados pelo governo garantiam, no mandato, um ganho real superior a 50% com a manutenção do plano de carreira. A crítica foi dura e partidarizada, influindo em outras categorias e na opinião pública, por meio de caríssimas campanhas de outdoors que eram aproveitadas pela direita. O sectarismo era tão acentuado que a diretoria do Cpers foi derrotada na categoria, em 2014.

O Sindicado dos Médicos, de base estadual, desempenha um papel reacionário e corporativo com campanhas de rádio, jornal e TV em defesa de uma saúde abstrata contraposta às políticas governamentais sempre ditas insuficientes. Seu corporativismo fundamentalista é contra novas faculdades de medicina e colocou-se até contra o Programa Mais Médicos. Pregando um falso moralismo e uma categoria com grande influência nos setores médios, acaba tendo audiência pública.

A saída dos aliados, PSB e PDT, do governo também enfraqueceu o projeto. O primeiro sob a alegação da candidatura presidencial de Eduardo Campos, que, posteriormente com Marina, acabou no colo de Aécio. Uma trajetória galopante para a direita e para reforçar o antipetismo. O PDT afastou-se em razão da candidatura própria no estado, do deputado federal Vieira da Cunha. O prejuízo foi grande, pois levou o PDT, apesar do equívoco da candidatura que se revelou um fracasso, a não assumir com firmeza a candidatura Dilma, além da condição de opositor no estado, do governo de que havia participado.

No governo, tivemos problemas e equívocos consideráveis. O Conselhão, por suas características, não criava relações de protagonismo no governo que nos permitissem ampliar o número de pessoas que, se identificando com as políticas, fossem apoiadoras do projeto. Isso retirou esforços na direção dos conselhos estaduais ou de algo como o orçamento participativo, que são mecanismos muito mais seguros para o protagonismo e a identificação com as políticas aprovadas.

A falta de foco, de um plano previamente determinado, facilitou a dispersão de recursos sem uma hierarquia a ser buscada. A poderosa Secretaria de Infraestrutura não conseguia operar obras e serviços, debatia-se num leque enorme de ações e, periodicamente, perdia tempo, esforços e recursos financeiros em projetos inviáveis.

A manutenção do sistema eleitoral com voto nominal, financiamento por empresas e coligações proporcionais foi outro fator de prejuízo. Dificultou alianças mais programáticas, pulverizou as campanhas individualizadas e estas se automatizaram sem compromisso programático e material com as campanhas majoritárias. A maioria dos panfletos, santinhos, fôlderes, cartazes etc. dos candidatos dos partidos aliados não divulgavam a chapa majoritária para governador e senador.

Por fim, a campanha teve um atraso injustificável e falta de material. É conhecida a fragilidade estrutural dos partidos, inclusive o nosso. Numa campanha dominada pelo poder econômico, a fragilidade do PT é enorme. Refiro-me não apenas aos recursos arrecadados para os candidatos, mas aos recursos disponíveis e potenciais em cada município (sedes, veículos, implantação social, disponibilidades de militantes etc.). Nesse aspecto, a estrutura partidária é muito débil e, nos momentos eleitorais, a burguesia e seus partidos contam com os clubes, as igrejas, a propriedade do comércio, das empresas, dos serviços, das rádios e jornais, transformando-os em uma força considerável.

A soma dessas questões alteraria o resultado se evitadas ou corrigidas? Penso que não. Existem situações conjunturais dificilmente reversíveis, mas, ao menos, precisamos e devemos ter consciência e aprender em cada circunstância dessas, para nos prepararmos para as próximas.

Raul Pont é deputado estadual (PT-RS)