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Pesquisa sobre segurança mostra que 91% da população defende a diminuição da idade penal para combater a violência

Pesquisa da Fundação Perseu Abramo sobre segurança pública mostra que a percepção dos entrevistados é influenciada, principalmente, pelo noticiário televisivo, cuja pauta está centralizada nos crimes violentos. A sensação da opinião pública é de que a violência aumentou muito nos últimos dois anos

A mídia impressa e eletrônica tem participação ativa na construção da percepç

A mídia tem participação ativa na construção da percepção de sociedade violenta. (Foto: Reprodução/R7)

A pesquisa Segurança Pública no Brasil, realizada pelo Núcleo de Estudos e Opinião Pública da Fundação Perseu Abramo1, indica que o problema da segurança pública está no topo do ranking das principais preocupações dos brasileiros (33%), superando outros serviços públicos, como a saúde (28%) e, com larga distância, a educação (12%). Muitas vezes é relatado como violência (17%) e outras como segurança (16%), termos que representam faces da mesma moeda, uma vez que a violência é compreendida como a violação da lei, crimes, o que traz implicações para a integridade física ou o patrimônio de indivíduos, e a segurança entendida como a resposta a um problema público.

Assalto, roubo ou furto são as principais menções de manifestação de violência (indicadas por 6,7% dos entrevistados), além das drogas (5%). No campo da segurança pública, destaca-se a ausência de policiamento ou rondas (por 8,8%), além da falta de policiais (2,6%).

O problema é fortemente alardeado pela mídia e são desconhecidos os esforços do poder público em sua contenção. A percepção da opinião pública é de que, nos últimos dois anos, a delinquência ou a criminalidade se agravaram muito no Brasil (82%) ou ao menos um pouco (11%), consolidando para 93% uma sensação de crescimento da violência no país. Também nas cidades onde vivem, os entrevistados sentem que a criminalidade aumentou (75%). Apenas 9,9% afirmaram que havia diminuído em suas cidades, nos últimos doze meses.

A sensação é de que tanto a segurança pública como a segurança pessoal no Brasil pioraram (para 69% e 54%, respectivamente) e somente 10% da população acredita que o serviço prestado pela polícia na cidade ou no bairro melhorou. Esse sentimento se reflete na mudança de comportamento, hábitos e atitudes da população. Entre as principais medidas de precaução adotadas estão evitar sair com dinheiro ou à noite (72% e 69%, respectivamente). Aumentar os cuidados ao entrar e sair de casa, colocar grades, trancas e cadeados e deixar de circular por determinados lugares da cidade são outros procedimentos assumidos por mais da metade da população, o que demostra o quanto o direito à cidade é violado por essa expectativa desfavorável do avanço da violência.

O assalto nas proximidades é o delito mais temido por 31% da população e o medo de uma bala perdida aparece em segundo lugar, com 20% de menções. Considerando o ranking geral, pouco menos de 10% tem como maior temor morrer assassinado, ter a residência invadida ou arrombada, sofrer agressão física ou ser vítima de tiroteio (8%, cada um).

Essa sensação de insegurança não é desprovida de razão. Procede da proximidade com ações violentas, uma vez que cerca de metade da população já presenciou alguém sendo agredido (52%) ou a polícia prendendo alguém (51%), 42% já viu alguém sendo assaltado, 27% já presenciou tiroteios, 17% viu alguém recebendo um tiro e 14% testemunhou um assassinato, além da proximidade com uso de drogas, apontada por 63%.

Percepções da violência e da segurança

A proximidade da violência é real e se traduz no reconhecimento da existência e gravidade do problema. Excluindo-se a multiplicidade, 67% dos entrevistados declararam já ter sido vítima de algum tipo de ato violento. Considerando apenas os crimes contra o patrimônio, quase metade da amostra (49%) relatou já ter sofrido algum delito dessa natureza. Nesse caso, as ocorrências que mais prevaleceram foram assalto ou roubo (33%), 21% tiveram a resistência roubada, 14% já sofreram furto de objetos e 9% foram vítimas de roubo.

Embora as ocorrências recaiam principalmente sobre crimes contra o patrimônio, pouco mais de um terço (38%) sofreu algum tipo de atentado contra a vida. Não é baixa a taxa dos que tiveram algum parente ou amigo assassinado (18%) ou mesmo dos que foram vítimas de agressão física (14%) – mesma taxa dos que já tiveram algum objeto furtado – e 12% ameaças de agressão física.

Os crimes contra a honra, embora pouco reconhecidos como tal, atingiram 28% da população, sendo o insulto e humilhação o mais comum, citado por 23%.

Provavelmente, devido à gravidade do fato, na percepção da opinião pública o assassinato é o crime mais cometido (17%), seguido por assalto, furto ou roubo (16%), latrocínio (14%) e assalto à mão armada (13%), que, independentemente da forma como é mencionado, eleva ao topo do ranking, com 43% das respostas os crimes contra o patrimônio como os mais praticados.

A mídia impressa e eletrônica tem participação ativa na construção dessa percepção de sociedade violenta. Basta observar a atenção, a cobertura e o tempo dedicados, sobretudo pela TV, aos crimes urbanos violentos em programas com apresentadores especializados em explorar, debater e criticar a criminalidade, abordando os atos criminosos pela perspectiva da espetacularização e, muitas vezes, assumindo o papel de “julgadores”. Quase a totalidade da população brasileira se informa pela TV e a maioria (85%) acredita que a quantidade de notícias sobre violência veiculadas na mídia está de acordo com a realidade.

Soluções para barrar a criminalidade?

Cabe refletir sobre de que maneira o problema da segurança pública deve ser abordado, se pela lógica da culpabilidade e punição, com medidas mais duras apoiadas pelos cidadãos, ou se a violência deve ser pensada como consequência das relações sociais marcadas pela desigualdade.

A maior parte da população é a favor do fortalecimento de medidas punitivas, por parte do governo, para a contenção da violência, como o monitoramento por braceletes ou tornozeleiras eletrônicas e o uso das Forças Armadas no combate à criminalidade (82%, ambos), além de 78% que se posicionam favoráveis à prisão perpétua e 63% à pena de morte.

No entanto, merecem destaque no futuro debate sobre segurança pública medidas como a adoção de penas alternativas para crimes menores, políticas públicas para a reinserção de presos na vida social, que têm aceitação de 79% e 78%, respectivamente, além da unificação das Polícias Civil e Militar (apoiada por 65% da população).

A privatização dos presídios, embora conte com a aprovação de pouco mais da metade da população (59%), está, junto com o direito a porte de armas (40%), entre as medidas menos populares que poderiam ser adotadas pelos governos.

Entre os fatores que podem estimular a violência, 89% concordam que os menores de idade que cometem crimes violentos devem ser julgados como adultos, 86% consideram a certeza da impunidade uma das principais razões para o aumento da criminalidade e 85% creem que penas mais rigorosas reduzem a criminalidade. Cerca de metade da população (54%) pensa que a violência dos criminosos justifica uma ação violenta da polícia e um em cada quatro entrevistados acredita que legalizar a venda e o uso da maconha diminuirá a criminalidade (24%).

Por outro lado, entre os fatores que podem desestimular a violência, também é correspondente (85%) a taxa dos que afirmam que educação e formação profissional contribuem mais para a redução da violência do que ações repressivas, 78% estão de acordo que o uso de armas de fogo pela população aumenta a violência e 59% concordam que a proibição de venda de bebidas alcoólicas após a meia-noite contribui para a redução da criminalidade.

Apoio popular à redução da maioridade

Questionados diretamente quanto à mudança ou manutenção da atual idade penal, 91% são de opinião que deve diminuir (entre 13 e 15 anos, para 42%, e 16 ou 17, para 41%). Desde 2003, quando começamos a verificar, este é o momento em que o tema da redução da maioridade penal encontra maior apoio popular, tendo aumentado cerca de 13 pontos percentuais nos últimos dois anos (ver gráfico abaixo).

É preciso debater e mostrar o quanto essa proposta é um grande retrocesso. Essa discussão não pode ser pensada de modo isolado, deve-se pensar a quem essa medida tende a atingir em maior proporção – a população pobre, jovem e negra. Nos anos 1990, década marcada por massacres como o da Candelária, que resultou na morte de oito moradores de rua, entre eles seis menores de 18 anos, foi criado o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) - um avanço porque propunha medidas socioeducativas como sanção para os adolescentes em conflito com a lei, e com isso oferecia reabilitação e possibilidades de futuro a esses jovens, distanciando-se da ideia de punição.

A maior parcela dos jovens em conflito com a lei está reclusa por fatores sociais, ou seja, roubo ou furto, agressão física e tráfico de drogas (que se organiza e recruta esses jovens para a venda no varejo). Segundo levantamento da Fundação Casa–SP realizado em março deste ano, dos 9.951 jovens atendidos pela instituição que cometeram crimes, o roubo qualificado corresponde a 44% dos casos (4.377 ocorrências), seguido pelo tráfico, com 38% (3.806). Considerando ainda roubo simples (4%), essas motivações respondem por 86% das detenções. Homicídios não chegam a 2% – portanto, crimes violentos não são padrão. Esse pode ser um forte indicativo de que falta a presença do Estado no cuidado dos jovens e na prevenção dos crimes cometidos por eles.

Pode-se afirmar que são os jovens, sobretudo os negros e pobres, não os principais autores, mas as principais vítimas da violência. Os dados do SIM/Datasus do Ministério da Saúde mostram que, dos 56.337 mortos por homicídios no Brasil, em 2012, 54% eram jovens (30.072), dos quais 77% negros (pretos e pardos) e 93% do sexo masculino2.

No entanto, faltam dados sistematizados e confiáveis para a análise dos atos infracionais dos adolescentes. As instituições de privação de liberdade não prestam contas à sociedade sobre as medidas adotadas para reabilitar os adolescentes em conflito com a lei, tampouco do tipo de ato infracional pelo qual respondem. O fato de não julgar adolescentes como adultos não significa que a legislação atual não os puna.

A sensação de impunidade, muito alimentada pela mídia, que tende a repercutir casos excepcionais em busca de audiência, faz com que a sociedade acene positivamente para qualquer medida que lhe pareça trazer alguma proteção, sem analisar prós e contras com o devido cuidado. O que se espera ao julgar um adolescente como um adulto? A redução da maioridade penal não reduzirá a violência. Não só não vai surtir os efeitos esperados como deve produzir efeitos contrários, ao conduzir adolescentes e jovens, com chances de reabilitação, ao aprofundamento no universo do crime.

Não há evidências empíricas ou fatos que corroborem a ideia de que o endurecimento penal é eficiente como política de redução do crime. A lei contra crimes hediondos é prova disso: não diminuiu a criminalidade, apenas colaborou para a superlotação do sistema prisional.

Entre os países da América do Sul, apenas a Guiana e o Suriname permitem que jovens entre 16 e 18 anos sejam julgados da mesma maneira que os adultos. Outro exemplo são os EUA, em que apenas quatro estados têm maioridade inferior a 17 anos e, mesmo assim, só em casos excepcionais, como homicídios, jovens são julgados como adultos. A Alemanha e a Espanha voltaram atrás na decisão de penalizar adolescentes com idade inferior a 18 anos. As propostas de redução da maioridade penal que tramitam no Congresso vão, mais uma vez, na contramão do que praticam países mais avançados na defesa dos direitos dos cidadãos.

A demanda do cidadão por segurança pública é real e legítima, mas a redução da maioridade penal, sem o necessário aprofundamento da discussão e reflexão de seus resultados sobre uma sociedade já bastante penalizada pela violência e ausência de justiça, mais parece uma resposta para tratar o efeito, e não a causa real da violência. Mais do que atender a opinião pública em relação a ações repressivas e medidas punitivas, o Congresso deveria considerar medidas igualmente bem aceitas pela população, como a educação e formação profissional para a redução da violência, medidas alternativas para crimes menores, políticas públicas para a reinserção de presos na vida social, além de propostas de reorganização das forças policiais de modo unificado, como formas de minimizar os problemas sociais do país.

Vilma Bokany é socióloga, analista de pesquisas do Núcleo de Estudos e Opinião Pública da Fundação Perseu Abramo.