Política

Para o Brasil, o exemplo grego não diz respeito a como reagir a ajustes fiscais, mas a uma escolha derivada de avaliações do cenário econômico

A vitória do "não" no referendo grego, no último 5 de julho, não levou a Grécia ao socialismo, como fantasiaram alguns, mas à negociação de condições melhores de seu resgate, o que pode abrir um ciclo de vitórias para as novas (e velhas, porém, renovadas) forças populares europeias.

O Syriza fez uma opção política, ganhar um fôlego para governar. Havia uma alternativa e Varoufakis, ministro da economia que se demitiu, propôs ao governo um plano com três ações: a emissão de uma moeda paralela, o corte na dívida retida no Banco Central Europeu desde 2012 e tomar o controle do Banco da Grécia. Perdeu internamente por 6 x 2.

O primeiro-ministro e seu partido tem seguido uma trilha clara: negociou até o fim o resgate, com ao menos duas contrapropostas; chamou um plebiscito para ter apoio popular à proposta de ajuste do Syriza, buscando sempre manter a Grécia na zona do euro; demitiu o ministro da economia para ajudar o governo a negociar num outro patamar pós-referendo, haja vista que a Troika declarou, abertamente, que se incomodava com ele. Sem falar na aliança que o Syriza fez com o pequeno partido de direita nacionalista Gregos Independentes (dissidência do conservador Nova Democracia) para montar o governo. Os Gregos Independentes fazem parte do grupo Conservadores e Reformistas no Parlamento Europeu, formado em 2009 pelo primeiro-ministro britânico David Cameron.

Agora, Tsipras está fazendo um chamado para as próximas eleições legislativas europeias. Um "nos acompanhem e avançaremos juntos", enquanto dá sobrevida ao povo grego. Isso é muito mais consistente do que romper com a Europa sem saber se apenas (mais um em duas semanas) exemplo heroico bastaria para as urnas mudarem a correlação de forças naquele continente. O sinal de que isso é possível já foi dado ao bancar o plebiscito e a liderança da vitória do "não".

O "não" diz à sociedade do Velho Continente, pelo menos a da zona do euro, que votar no Podemos, na Front de Gauche, no Die Linke não é uma aventura, mas um sonho capaz de ser realizado. Por outro lado, um dos que saudaram o resultado do "greferendum" foi o primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, do Partido Democrático (herdeiro dos Democratas de Esquerda, Oliva e PCI), o mesmo que, recentemente, chamou Lula para palestrar sobre o avanço do combate à fome no Brasil para uma plateia lotada de movimentos sociais, políticos e empresários italianos. Renzi buscava aliados para escapar do cerco da troika, embora em condições bem mais fáceis que as da Grécia. Para ele, "a Europa precisa entender que a austeridade não funcionou". Isso sinaliza que o exemplo grego pode movimentar placas tectônicas há muito inertes na social-democracia alemã, no socialismo francês, espanhol e português e mesmo no Labor.

Para o Brasil, o exemplo grego não diz respeito a como reagir a ajustes fiscais, haja vista que, por aqui, o ajuste não foi imposto de fora ao país, mas a uma escolha derivada de avaliações do cenário econômico. A diferença de tamanho das duas economias, a reorientação da brasileira há mais de dez anos e o tempo que o Brasil se recolocou na geopolítica são grandes divisores de águas.

O Brasil está fazendo ajuste com, até o início do ano, pleno emprego, inflação na meta (embora no teto), maior poder de compra da história do salário mínimo, investimentos inéditos em infraestrutura (PAC), maior mobilidade social da história, além de saído do mapa da fome e credor do FMI. O Syriza e Tsipras ainda estão no patamar de Lula em 2002, com a Carta aos Brasileiros. Estão construindo condições menos piores para um projeto de crescer com (re)distribuição de renda, estabilidade da moeda europeia dentro do país e investimentos em infraestrutura. Qualquer semelhança com o PT e seus governos não é mera coincidência. É o "PT grego": força inovadora e renovadora, plural e inesperada pelo status quo, com um programa inspirado no socialismo, mas longe do sectarismo e do fundamentalismo filosófico, portador de novas forças sociais. O Pasok é o PSDB e o Nova Democracia o DEM. Aliás, assim seria o bipartidarismo brasileiro se o PT não surgisse nos anos 1980 e não tivesse organizado nos anos 1990 uma estratégia para ganhar eleições e governar.

O exemplo que vem do Mediterrâneo é outro e muito mais valioso: em tempos difíceis, de crise e impasses, só a política e a participação social são a salvação. Lá, o partido do governo encampou a liderança não só de uma ampla escuta ao povo, mas a liderança de uma proposta – o "não" – a ser escolhida pela sociedade nesta ampla consulta. É nesse sentido que o novo fenômeno grego deve inspirar o PT e o governo, por meio dos canais e instrumentos de participação e escuta social consagrados pela Constituição Federal.

Leopoldo Vieira foi coordenador do Monitoramento Participativo do PPA 2012-2015 e do programa de governo sobre desenvolvimento regional da reeleição da presidenta Dilma