Mundo do Trabalho

As consequências legais para o mundo do trabalho no Brasil da aprovação do Projeto de Lei nº 4330, que regulamenta as relações decorrentes de terceirizações

O PL 4330 traz uma série de ameaças aos direitos dos trabalhadores da forma como foi aprovado na Câmara dos Deputados, não resolvendo os principais problemas da terceirização nas relações de trabalho. A mobilização dos trabalhadores fez com que muitos dispositivos fossem alterados e acrescentados, mas nem por isso o resultado final pode ser considerado menos ameaçador

A PL 4330 cria problemas como a desigualdade de salários entre empregados que ex

O PL 4330 cria problemas como a desigualdade de salários entre empregados com a mesma função. (Foto: Augusto (Cau) Coelho/ComuniCamera)

Créditos: Augusto (Cau) Coelho/ComuniCamera

O Projeto de Lei nº 4330, que regulamenta as relações de trabalho decorrentes das terceirizações, gerou recentemente forte mobilização da maior parte do movimento sindical para impedir sua aprovação. Apresentado originalmente pelo então deputado Sandro Mabel (Partido Liberal-GO), empresário do ramo alimentício, tramitou na Câmara dos Deputados de 2004 até abril de 2015, agora com  relatoria do deputado Arthur Oliveira Maia (Partido Solidariedade-BA).

O clamor dos trabalhadores fez com que muitos dispositivos fossem alterados e acrescentados, mas nem por isso o resultado final pode ser considerado menos ameaçador para o mundo do trabalhoEntre as ameaças do projeto original, podemos citar: a inexistência de vínculo de emprego entre os sócios ou os trabalhadores da prestadora de serviços com a tomadora em nenhuma hipótese; autorizava a terceirização em qualquer etapa do processo produtivo, estabelecendo apenas o critério da especialização, mas sem maiores restrições; a responsabilidade subsidiária da tomadora, em vez da responsabilidade solidária; abrangia a terceirização na administração pública sem observar suas especificidades, principalmente no tocante ao concurso público; não proibia a intermediação de mão de obra. .

Para justificar essa conclusão, vamos iniciar lembrando que, até hoje, no Brasil, a principal referência jurídica sobre terceirização é a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST). Ou seja, não há um diploma legal específico para a matéria, embora não se ignore que dispositivos legais e celetistas também são invocados nas decisões judiciais, a fim de preencher a lacuna legislativaAs principais referências legais são: o conceito de empregado e empregador dispostos nos arts. 2º e 3º da CLT; o contrato de empreiteira previsto no art. 455 da CLT; outros diplomas legais como o conceito de responsabilidade solidária previsto no art. 932 do Código Civil; e a Lei do Trabalho Temporário..

De acordo com o PL 4330, terceirização é a “transferência feita pela contratante da execução de parcela de qualquer de suas atividades à contratada para que esta a realize na forma prevista nesta lei”.

Portanto, o projeto permite que toda e qualquer atividade possa ser terceirizada, não importando em que fase produtiva se insira na empresaO art. 4º do PL 4330 também reforça a autorização da terceirização em qualquer área da empresa: “É lícito o contrato de terceirização relacionado a parcela de qualquer atividade da contratante que obedeça aos requisitos previstos nesta lei, não se configurando vínculo de emprego entre a contratante e os empregados da contratada, exceto se verificados os requisitos previstos nos arts. 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452 de 1º de maio de 1943”..

Sobre esse assunto, é importante observar que recentemente o Supremo Tribunal Federal (STF) imprimiu repercussão geral em uma açãoARE nº 713211 AGR-ED/MG. na qual se discute o alcance da terceirização. O recurso foi admitido sob o enfoque da liberdade de contratarAlém disso, a CF no § único do artigo 170 prevê que: “É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”., prevista no inciso II do art. 5º da Constituição Federal (CF). Esse dispositivo constitucional assegura que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Em outras palavras, tudo aquilo que não é proibido é permitido. Se não existe nenhuma proibição legal à terceirização, ou que lhe imponha limites, a possibilidade de terceirizar seria ampla.

A argumentação de que é possível a terceirização apenas na atividade-meio sofre, por parte dos defensores de uma maior liberdade para a terceirização no Brasil, a crítica de que essa restrição gera insegurança jurídica, pois não haveria um critério único. Seria necessário analisar cada caso concreto.

Em face desse complexo debate é que, a nosso ver, a regulamentação da terceirização visando os contratos de trabalho deve objetivar, antes de tudo, proteger o trabalhador, seja na atividade-fim, seja na atividade-meio da tomadoraO PL 4330 utiliza as expressões “contratante” e “contratada” para designar, respectivamente, a “tomadora” e a “prestadora de serviços”. Optamos por utilizar os dois últimos termos para facilitar a compreensão do leitor. A tomadora é a empresa que contrata os serviços da prestadora, a contratada..

É evidente que, no Brasil, a terceirização tem sido sinônimo de precarização dos direitos dos trabalhadoresA esse respeito ver estudo: “Terceirização e desenvolvimento – Uma conta que não fecha”. São Paulo: Central Única dos Trabalhadores, 2014. Disponível em <http://www.cut.org.br/system/uploads/ck/files/Dossie-Terceirizacao-e-Desenvolvimentolayout.pdf> . Na maioria das vezes, é utilizada para reduzir custos de produção com a mão de obra.

Dessa forma, reafirmamos que a maior preocupação que se deve ter ao regulamentar a terceirização é a proteção ao trabalhador. E isso não passa apenas pelo impedimento da terceirização na atividade-fim.

Registre-se que essa compreensão sobre a necessidade de regulamentar a terceirização não é apoiada pela totalidade do movimento sindical brasileiro. Observa-se muitas vezes um discurso contrário à própria ideia de regulamentar a terceirização, como se isso fosse impedir o processo, já há décadas em curso, e evitar a precarização do trabalho no Brasil.

Voltemos ao ponto: o PL 4330 efetivamente assegura a proteção do empregado? A resposta é claramente negativa.

A teia de proteção ao empregado deve ocorrer antes, durante e após sua contratação pelo empregador. Portanto, não basta assegurar que o empregado irá receber verbas rescisórias. Essa é a última fase do contrato de trabalho, mas não a única.

De uma forma majoritária, os discursos dos deputados que defenderam a terceirização durante a recente votação do PL 4330 na Câmara dos Deputados viam-na como forma de melhorar a produtividade das empresas, maximizando eficiência e minimizando custos por meio da “especialização” de serviços decorrente da terceirização. Assim, uma empresa especializada em segurança poderia, em tese, propiciar um serviço de melhor qualidade e a preço menor.

Assim, o PL 4330 prevê que:

  • as prestadoras serão empresas “especializadas e que prestem serviços determinados e específicos” (art. 3º, inciso III);
  • a prestadora “deverá ter objeto social único, compatível com o serviço contratado, sendo permitido mais de um objeto quando este se referir a atividades que recaiam na mesma área de especialização” (art. 2º, § 3º);
  • a prestadora deve comprovar sua qualificação técnica por meio da “aptidão para o desempenho de atividade pertinente e compatível com o objeto do contrato” (art. 2º, § 5º, inciso I);
  • a prestadora deve demonstrar a comprovação “das instalações, dos equipamentos e do pessoal adequados e disponíveis para a realização do serviço” (art. 2º, § 5º, inciso II);
  • a prestadora “é responsável pelo planejamento e execução dos serviços” (art. 3º, caput);
  • a prestadora “contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus empregados” (art. 3º, § 1º).

O conceito de especialização: debate interminável

É evidente que o conceito de “especialização” ensejará inúmeras discussões judiciais. Pode-se alegar especialização para qualquer coisa, até mesmo em “apertar parafusos”. Então, o resultado é que sairemos da interminável discussão de atividade-fim e atividade-meio e passaremos para a de “especialização”.

O PL 4330, ainda procurando demonstrar que a terceirização deve ser valorizada quando busca a especialização, prevê também a proibição da terceirização que tem o intuito exclusivo da intermediação de mão de obraO jurista Jorge Luiz Souto Maior nos alerta que, no âmbito do Direito Internacional, a mera intermediação de mão de obra é proibida: “Lembre-se, ademais, que já na Declaração dos Objetivos da Organização Internacional do Trabalho, de 1944, foi firmado o princípio, até hoje não superado no contexto jurídico internacional, de que o trabalho humano não é mercadoria de comércio. (...) Esses preceitos, aliás, constituíram o fundamento para que a OIT, em 1949, adotasse a Convenção nº 96, estabelecendo que as agências de colocação de mão de obra, com finalidade lucrativa, deveriam ser suprimidas da realidade social dos países-membros de forma progressiva e definitiva”. MAIOR, José Luiz Souto. Curso de Direito do Trabalho: a relação de emprego, Vol. II. São Paulo: LTr, 2008.. No meio rural, por exemplo, temos os “gatos”, que são meros intermediadores de mão de obra.

Não há dúvida de que boa parte das prestadoras de serviços funciona como intermediadora de mão de obra. Essas empresas não são especializadas em nada. Mas, como dito acima, o conceito de especialização também é difuso, e o que não era especializado pode passar a ser ao alvedrio de cada um.

A discussão do conceito de especialização torna-se ainda mais confusa quando o PL 4330 prevê a possibilidade da “quarteirização” quando a subcontratada realizar “serviços técnicos e especializados”“Artigo 3º. (...) § 2º A terceirização ou subcontratação pela contratada de parcela específica da execução do objeto do contrato somente poderá ocorrer quando se tratar de serviços técnicos especializados e mediante previsão no contrato original”..

Note-se que a expressão não é mais “serviços especializados”, passando a ser de “serviços técnicos especializados”, para a quarteirização. É a especialização da especialização; o suprassumo da tecnicalidade!

O PL 4330 tem ainda o artigo 20 inserido “sob medida” para o setor bancário. Referimo-nos ao fato de que a mencionada regra de “especialização” não se aplica aos correspondentes bancários. Não há, nesse caso, sequer a necessidade de objeto social único da prestadora. Assim, por exemplo, os supermercados – que certamente não são especializados em recebimento de contas – continuariam a prestar esse tipo de serviço aos bancos.

Há efetiva responsabilidade solidária?

Em relação à responsabilidade da tomadora, o PL 4330 prevê a responsabilidade solidáriaNa responsabilidade solidária, tanto a tomadora quanto a prestadora respondem pelas dívidas trabalhistas, podendo o empregado terceirizado ingressar com ação judicial contra qualquer uma das devedoras. da tomadora, mas tão somente para algumas obrigações trabalhistas e previdenciárias dos empregados da prestadoraÉ vergonhoso o PL não admitir a responsabilidade solidária e objetiva, quando inúmeros institutos legais atuais trazem essa possibilidade para créditos menos privilegiados que os créditos alimentares trabalhistas, como o fiador, os fornecedores nas relações de consumo, várias obrigações tributárias, infrações econômicas etc. 12. Ver CONCEIÇÃO, J.J. e CONCEIÇÃO, M.C.V (s.d)..

Por outro lado, o PL 4330 não prevê que a responsabilidade, além de solidária, deveria ser também “objetiva”, aquela que, independentemente de culpa, a tomadora sempre terá de ressarcir o empregado terceirizado. Ou seja, mesmo que tenha fiscalizado as obrigações trabalhistas da prestadora, a tomadora irá responder por eventuais prejuízos aos trabalhadores contratados por aquela.

Note-se que o PL 4330 tem vários artigos que determinam que a tomadora fiscalize a prestadora de serviços. Dessa forma, mesmo respondendo solidariamente, a tomadora poderá ser isentada de culpa e não responder pela dívida caso comprove que tomou todas as cautelas.

Cabe destacar que, em relação à responsabilidade, o PL 4330 ficou atrás até mesmo do Código de Defesa do Consumidor (CDC). O CDC prevê que qualquer um dos fornecedores partícipes do ciclo de produção, distribuição e comercialização de produto ou serviço responde solidária e objetivamente por defeitos do produto. Se um dos fornecedores for obrigado a indenizar o consumidor, mesmo não sendo o causador do dano, cabe a ele acionar o fornecedor responsável para ser ressarcido pelo que pagou.

A “dança” dos terceirizados

Há também no PL 4330 outros dispositivos temerários, como seu artigo 14, que prevê a possibilidade de a prestadora ser substituída por outra. Essa prestadora substituta, digamos assim, poderá manter os mesmos empregados da primeira prestadora, dando continuidade à prestação de serviços para a mesma tomadora.

Nesse ponto, há um contrassenso no projeto. O PL 4330 define que podem ser terceirizadas apenas atividades especializadas. Ao mesmo tempo, autoriza a migração de empregados de uma para outra prestadora. A falta de lógica repousa em que, nesse caso, não há especialização da empresa prestadora, mas sim de seus empregados. Isso, por sua vez, configuraria a hipótese de mera intermediadora de mão de obra da prestadora de serviços, o que é vedado pelo próprio projeto.

Aliás, ocorrendo a migração de empregados de uma prestadora para outra, mantendo-se a mesma tomadora, estariam configurados pelo menos dois requisitos que caracterizam vínculo de emprego desses empregados com a tomadora: a pessoalidade e a habitualidade.

Registre-se ainda que, mesmo não havendo nenhum vínculo de emprego do empregado com a tomadora, o dispositivo em questão também é uma ameaça ao trabalhador. Ao romper o contrato com a primeira prestadora, o empregado tem no máximo dois anos para ingressar com qualquer ação trabalhista contra a tomadora e a prestadora anterior. Entretanto, ele continuará prestando serviços para a mesma tomadora, por meio de um novo contrato de trabalho com a segunda prestadora.

É evidente que esse empregado não irá arriscar seu novo contrato ingressando com ação judicial contra a antiga prestadora. Se o fizer, não colocará a tomadora no polo passivo, ante a evidente ameaça de perda do emprego, prescrevendo seu direito de ação em dois anos.

Impostos e salários: qual deles é protegido?

O PL 4330 também prevê a obrigação da prestadora de constituir uma garantia para pagamento das verbas, limitada a 50% do valor de um mês de faturamento do contrato. A garantia é pífia, além de não haver previsão no PL de como se dará sua fiscalização ou em nome de quem será constituída.

Importante notar que o PL 4330 prevê a obrigação da tomadora de reter os valores das contribuições previdenciárias, Cofins, Imposto de Renda, PIS/Pasep e CSLL, na fatura mensal. A prestadora faria a compensação desses valores em seus recolhimentos posteriores. Ou seja, o risco de inadimplência de impostos diminui consideravelmente com essa medida, pois a tomadora se encarrega de reter e recolhê-los. Mas o mesmo cuidado não existe no PL com o pagamento de salários dos empregados terceirizados.

Ainda no tocante às garantias, o PL 4330 menciona que nos contratos continuados acima de um ano, a prestadora “poderá” depositar em uma conta vinculada, e em nome da tomadora, os valores provisionados para pagamento de obrigações trabalhistas e previdenciárias dos seus empregados. A movimentação dessa conta se dará mediante autorização da tomadora.

Aqui, cabe realçar que, no PL 4330, o depósito não é uma obrigação, mas uma faculdade das partes (tomadora e prestadora). Seria desnecessário lembrar que obrigação é totalmente diferente de faculdade e tem consequências jurídicas distintas para os agentes econômicos envolvidos.

Segundo, mesmo que o depósito da garantia ocorra, não se assegura que os valores sejam pagos aos verdadeiros titulares.

Mais: essas garantias previstas nos contratos não poderiam ser tuteladas pela tomadora. A nosso ver, os sindicatos é que deveriam tutelá-las, posto que eles detêm a titularidade da representação dos  trabalhadores no âmbito administrativo e judicial.

Sindicatos excluídos do controle e da negociação

No PL 4330, o movimento sindical também ficou à margem da implantação (gestão e negociação) dos processos de terceirização nas empresas. O PL apenas prevê que o sindicato será “informado” pela tomadora, até dez dias “após” a celebração do contrato de terceirização.

Ora, os sindicatos deveriam ter direito à informação e negociação prévias dos processos de terceirização, em itens centrais vinculados ao ato da terceirização pela empresa: quais setores serão terceirizados?; quantos trabalhadores estão envolvidos?; que medidas serão adotadas para a realocação dos trabalhadores afetados?; que empresa prestadora será contratada? A atuação sindical deve ser preventiva, e não apenas fiscalizadora desses processos de terceirização.

A falsa conquista pelo sindicato da representação da tomadora

O deputado federal Paulinho Pereira (Partido Solidariedade-SP), que também foi presidente da Força Sindical, ao defender o PL 4330 em seu discurso no Congresso garantiu que o sindicato da atividade preponderante é que representaria os trabalhadores terceirizados. Mas isso não é verdade à luz de uma leitura atenta do projeto.

O PL 4330 prevê, isto sim, que, se o contrato de terceirização se der entre empresas (tomadora e prestadora) que pertençam à mesma atividade econômica, o empregado terceirizado será representado pelo sindicato da tomadora (art. 8º). Somente nesse caso o empregado terceirizado seria representado pelo sindicato da tomadora. Em realidade, o projeto repete exatamente o que consta no § 2º do art. 511 da CLT, que define uma categoria profissional da seguinte forma:

“A similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas, compõe a expressão social elementar compreendida como categoria profissional(grifos nossos).

Por sua vez, no artigo inserido no PL 4330, por sugestão do deputado Paulinho Pereira, consta o seguinte:

“Art. 8º. Quando o contrato de prestação de serviços especializados a terceiros se der entre empresas que pertençam à mesma categoria econômica, os empregados da contratada envolvidos no contrato serão representados pelo mesmo sindicato que representa os empregados da contratante, na forma do art. 511 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943” (grifo nosso).

Não é isso o que desejava o movimento sindical. Este desejava a representação dos terceirizados pelo sindicato da tomadora, independentemente de a atividade da prestadora e a da tomadora serem ou não a mesma. Exemplo: o sindicato dos metalúrgicos, em uma empresa montadora, deveria representar os empregados da limpeza que prestam serviços nessa empresa.

Mais ainda: a CLT já prevê o que o deputado Paulinho Pereira alega ser uma conquista para o movimento sindical. Pior: a redação da CLT, de 1943, é mais ampla que a do PL 4330, posto que garante a representação do mesmo sindicato para empregados de empresas com atividades econômicas “similares ou conexas”.

Como o PL 4330 somente autoriza a terceirização em razão da “especialidade” do serviço, a hipótese de a tomadora ter a mesma atividade econômica que a prestadora é ainda mais remota, tornando letra morta o dispositivo acima.

O PL 4330, portanto, não resolve um dos principais problemas da terceirização, que é a pulverização da representação sindical dentro de uma única empresa.

Para contemplar o que o movimento sindical defende, o PL 4330 teria de prever que a representação sindical dos empregados das prestadoras, independentemente de sua atividade, será a mesma da atividade econômica da tomadora.
Trabalho igual, direitos diferentes?

A isonomia entre o empregado direto e o terceirizado, prevista no PL 4330, se refere apenas aos benefícios acessórios do contrato de trabalho, como assistência médica, refeitório, condições de segurança, serviço de transporte etc. A remuneração não está sujeita a essa isonomia.

Dessa forma, continuaremos a ter empregados trabalhando lado a lado com remunerações diferentes.

Outro problema é que o PL 4330 apenas garante a isonomia desses benefícios entre empregados da tomadora e da prestadora na situação em que os últimos trabalham nas dependências da primeira ou em local designado pela tomadora. No caso de terceirização na qual os empregados da prestadora exercem as mesmas funções que os da tomadora mas em locais distintos, a isonomia não está garantida.

Nesse ponto cabe destacar a importância da bandeira histórica do contrato coletivo nacional por ramo. Essa contratação pode propiciar  um patamar mínimo de proteção de direitos em nível nacional, reduzindo a motivação para a terceirização com vistas a diminuir custos por meio da precarização da força de trabalho. Isso porque o Contrato Coletivo de Trabalho fixaria itens como piso salarial, jornada de trabalho, saúde e segurança, representação no local de trabalho, entre outros. A nosso ver, sem uma contratação nacional coletiva por ramo, continuaremos nessa discussão estéril da terceirização, que esbarra no sistema tradicional de negociação coletivaVer CONCEIÇÃO, J.J. e CONCEIÇÃO, M.C.V (s.d)..

Expansão da terceirização entre os portadores de deficiência

A intenção do penúltimo artigo do PL 4330 é, aparentemente, impedir a redução da participação de empregados portadores de deficiência no efetivo total das empresas com a proliferação da terceirização. Para tanto, diz o projeto, deverá ser considerado para o preenchimento da cota o somatório de empregados diretos e terceirizados.

Mas o projeto peca ao deixar de impor a proporcionalidade na quantidade de portadores de deficiência entre os empregados diretos e terceirizados, posto que a tomadora poderá, se quiser, terceirizar todos os portadores de deficiência, cumprindo a cota prevista na lei.

A brecha para aplicação na administração pública

Por fim, há uma contradição no PL 4330, entre o § 2º do artigo 1º e o artigo 26 “Art. 1º (...) § 2º As disposições desta Lei não se aplicam aos contratos de terceirização no âmbito da administração pública direta, autárquica e fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.”; “Art. 26. Os direitos previstos nesta Lei serão imediatamente estendidos aos terceirizados da administração direta e indireta.”. Enquanto o primeiro menciona que aquela lei não se aplica à administração pública, o segundo artigo estende os direitos ali previstos aos seus terceirizados.

Importante ressaltar que nos debates no plenário da Câmara ficou claro que a lei não seria aplicada à administração pública.

Enfim, o PL 4330 traz uma série de ameaças aos direitos dos trabalhadores da forma como foi aprovado na Câmara dos Deputados, não resolvendo os principais problemas da terceirização nas relações de trabalho.
Referências bibliográficas  

CONCEIÇÃO, Jefferson José; CONCEIÇÃO, Maria da Consolação Vegi. “Diretrizes para uma legislação sobre as relações de trabalho em atos de terceirização”.

CUT/DIEESE. “Terceirização e Desenvolvimento – Uma conta que não fecha”, São Paulo: Central Única dos Trabalhadores, 2014.

MAIOR, Jose Luiz Souto. Curso de Direito do Trabalho: a relação de emprego. Vol. II. São Paulo: LTr, 2008.

NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2ª edição reform. São Paulo: Saraiva, 2005.

SINDIPRESTEM. “Fatos & Versões – O que toda a sociedade precisa saber sobre a terceirização e o trabalho temporário no Brasil”.

Maria da Consolação Vegi da Conceição é assessora jurídica do Sindicato dos Bancários do ABC (as opiniões expressas neste artigo não representam necessariamente, em sua totalidade, as concepções da direção da referida entidade, em que pese a natural convergência com muitas de nossas colocações)