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As ocupações foram bolhas revolucionárias, desconfiadas de tudo que está posto. Cabe à esquerda apoiá-las, como foi apoiada em suas lutas estudantis outrora

O novo modelo de escola pretendido por Alckmin exige mudanças que recaem sobre alunos, professores, funcionários e pais. Um novo modelo é mais da mesma política neoliberal adotada pelo PSDB quando e onde governa. Mais de menos interesse público e mais interesse privado, mais da mesma municipalização autoritária iniciada em 1995 por Mário Covas, que causou a demissão de aproximadamente 20 mil professores

A ocupação emparedou o governo, mas ainda não garantiu o recuo no fechamento das

A ocupação emparedou o governo, mas ainda não garantiu o recuo no fechamento das escolas. (Foto: Jornalistas Livres/Facebook)

O ano 2015 é para entrar na história e fazer o futuro. Um marco na educação no estado de São Paulo e, consequentemente, para a resistência dos paulistas à voracidade privatista dos governos tucanos. Devemos celebrar a força do conhecimento e da consciência política, sobreviventes das mais sórdidas manipulações e das mais desafiadoras condições ao longo dos vinte anos do tucanato em São Paulo.

Das escolas em escombros, das salas de aula decadentes e superlotadas, do assédio moral e dos salários indignos, fustigando diariamente educadores e funcionários da educação, ergueram-se alunos e professores determinados e absolutamente geniais em seus métodos de resistência ao esvaziamento da educação pública. Os professores protagonizaram a mais longa paralisação da rede estadual de ensino e os secundaristas foram responsáveis pela ocupação de mais de duzentas escolas em protesto contra uma suposta “reorganização da rede estadual de ensino”.

Enquanto os professores corroeram a credibilidade do falido governo estadual ao pressionar não só por reajuste salarial mas por condições dignas de trabalho, os jovens ergueram-se contra mais uma tentativa neoliberal de desarticular e submeter a rede pública de ensino aos interesses privados. O novo modelo de escola pretendido por Alckmin exige mudanças que recaem somente sobre alunos, professores, funcionários e pais. Um novo modelo que é mais do mesmo, mais da mesma política neoliberal adotada pelo PSDB quando e onde governa. Mais de menos interesse público e mais interesse privado, mais da mesma municipalização autoritária iniciada em 1995 por Mário Covas e Rose Neubauer, que causou a demissão de aproximadamente 20 mil professores.

Com total falta de imaginação para continuar se livrando de responsabilidades constitucionais, o governo de Geraldo Alckmin argumenta, superficialmente, sobre as vantagens da separação de escolas e alunos por ciclos. Argumentos já usados na década de 1990 para colocar em andamento a municipalização. Vinte anos depois, o declínio da rede estadual comprovou a falácia tucana.

Os municípios que aderiram à municipalização foram brindados com a desproporção entre repasses e responsabilidades, e a situação das escolas da rede pública só piora. Das 5.098 escolas da rede estadual, 3.631 funcionam com mais de um ciclo e apenas 1.467 têm alunos de um único ciclo. Ou seja, a divisão das escolas por ciclos atingiria mais de 70% das unidades e, novamente ao estilo do PSDB, a iniciativa é imposta, apesar de já ter se provado inócua.

O ex-secretário Hermam Voolward admitiu encolhimento de 2 milhões de alunos, segundo ele, causado pela evasão, pela migração para a iniciativa privada e pela municipalização. Ou seja, o resultado da política deflagrada em 1995 foi gerar clientes para as escolas particulares, expulsar das escolas degradadas e excludentes centenas de milhares e dividir com os municípios as responsabilidades pelos alunos que restaram dos anos iniciais do fundamental.

Um discurso atrasado para justificar cortes, demissões e fechamento de escolas. Os problemas da escola pública nada têm a ver com o fato de alunos de faixas etárias diferentes conviverem no mesmo prédio. São, sim, reflexo da falta de apoio às escolas para tratarem das questões e situações de violência.

Não há nada mais antipedagógico do que separar as crianças dos jovens para ensinar a superação de conflitos sem violência e uso da força. A convivência pode ser enriquecedora se amparada em um projeto pedagógico capaz de valorizar o respeito às diferenças, à integração e à troca de experiências. Assim, não era e não é necessário separar crianças de um lado e jovens de outro.

É necessária, sim, e a secretaria não admite, uma política articulada de avaliação dos alunos, da escola e do trabalho da secretaria, para aperfeiçoar e redirecionar o trabalho a cada bimestre, semestre e ano. A política de avaliação deve ser voltada para aperfeiçoar o trabalho, e não apenas para premiar “as melhores escolas”, sem contribuir para a superação dos problemas daquelas com maiores dificuldades.

Contribuindo para esse cenário, a falta de avaliação dos alunos, articulada com discussões e decisões pedagógicas visando reorientar o trabalho para garantir a aprendizagem, só não é pior do que a transformação da progressão continuada, criada em 1998, em promoção automática. Assim, como mágica, a reprovação foi eliminada das estatísticas sem, no entanto, ser efetivada uma política que permitisse aos alunos aprender e construir conhecimento.

A situação caótica da educação em São Paulo, legado inequívoco dos governos tucanos, exige uma política planejada de formação dos educadores e gestão pedagógica das escolas articulada com a secretaria e suas unidades regionais.

A educação em São Paulo, como está, não precisa de fechamento de escolas e de transferência de alunos para alcançar qualidade. Exige valorização dos profissionais da educação e estruturação da escola, com currículos, recursos e professores e funcionários capazes de criar uma escola inclusiva, interessante e com condições de oferecer esperança e oportunidades. Dividir as escolas por ciclos não contribui em nada para mudar esse quadro.

Esse recado foi dado pelos estudantes. O desconforto causado por garotas e garotos ao poderoso e inatingível imperador Geraldo, o inimputável, começou no agradável bairro da capital, Pinheiros. Arrebatou a Justiça, cujas decisões contrárias à desocupação dos prédios escolares impediram, num primeiro momento, Alckmin de utilizar seu argumento predileto: a violência e a tirania exercidas pela Polícia Militar, revestidas de medida institucional. Desde as manifestações contra o aumento das passagens de ônibus, a polícia tucana tem revelado com desenvoltura sua face truculenta, criminalizando movimentos sociais e cometendo atos terroristas para garantir a política excludente do PSDB.

Quando os estudantes, radicalizando o movimento, deixaram as escolas e foram para as ruas, a desigualdade ficou explícita. Encararam armas, spray de pimenta e gás munidos somente de coerência. Assumiram a tarefa de representar a dignidade no lugar dos partidos de oposição, das centrais sindicais, dos sindicatos e das tradicionais organizações estudantis.

Na desesperada tentativa de achar culpados para seus próprios vacilos, o governo errou no cálculo político. Desprezou o protagonismo dos estudantes e tentou achar interesses obscuros escondidos atrás das ocupações. Nós, a velha esquerda em sentido estrito, sindicatos, partidos, movimentos de organização centralizada e verticalizada, conseguimos ser apenas apoiadores desse movimento. Nenhum representante de partido, parlamento ou sindicato entrou na escola. Eles exigiam a presença do secretário. Não reconhecer essa característica da mobilização foi um erro fatal do governo.

Fosse um governo minimamente democrático, leria essa realidade como uma coisa boa. Pois essa ocupação revela uma juventude saudável, ativista, entusiasmada e exemplar na coragem e caráter. A radicalidade política é saudável, a intransigência sectária muitas vezes gera intolerância e violência e só interessa àqueles acostumados a violentar o corpo e a alma dos filhos da classe trabalhadora. Se a luta contra a reorganização proposta pelo governo ganhar estofo de luta pela educação pública em todo o estado, é possível que seja a responsável pela queda do vestal de bom moço do imperador Geraldo.

Mas ainda é cedo para diagnosticar o alcance e a capilaridade dessa rebeldia estudantil, se essa rebeldia está disposta a se organizar para o enfrentamento permanente ou se manterá apenas importantes ações pontuais que, sem saber aonde querem chegar, terminam nelas mesmas. A ocupação emparedou o governo, conseguiu a suspensão da reorganização, mas ainda não garantiu o recuo na proposta de fechar escolas.

Se essa rebeldia reconhecer a importância histórica e, mesmo mantendo-se independente e autônoma, buscar alianças com os sindicatos, organizações estudantis, partidos de esquerda e os movimentos sociais, poderá ter ainda mais êxito na luta contra a reorganização e, por consequência, impor uma derrota política substancial ao forte e blindado reinado tucano. E nessa luta específica contra o fechamento de escolas, o protagonismo é deles, não é nosso. Sem a disposição dos estudantes não há alianças.

As ocupações foram bolhas revolucionárias, desconfiadas de tudo que está posto, tudo que é hereditário. Cabe à esquerda apoiá-las, assim como fomos apoiados em nossas brigadas estudantis de outrora. Tenhamos grandeza para perceber e reconhecer esses jovens como bons e corajosos, como tantos outros de tantas outras gerações. Quando a bolha estourar, sentirão segurança e reconhecerão a importância histórica de tudo que a esquerda brasileira já produziu. E se reconhecerão nesse processo histórico.

Em São Paulo, a luta da esquerda pela educação tem história e tradição, já que enfrentamos um conjunto histórico de desobrigados com a educação, característica das administrações tucanas. Desde 1995, quando Mário Covas assumiu, os desafios diários dentro da sala de aula só vêm se aprofundando. Alunos chegam às séries finais sem saber ler e escrever ou realizar as quatro operações básicas em Matemática. A progressão continuada, tortamente implantada, trouxe consequências graves para o desenvolvimento da educação.

Para um país cuja elite defende historicamente rupturas democráticas, a educação é indispensável para criar uma sociedade livre, consciente e crítica. Esse salto para o futuro inevitavelmente trilha o caminho da escola, do conhecimento, e deve ser alavancado pelos recursos, cobiçados internacionalmente, do pré-sal, como já conseguimos assegurar com a legislação do regime de partilha e a criação do Fundo Social do Pré-Sal.

João Paulo Rillo é deputado estadual pelo PT