Mundo do Trabalho

A ausência de projetos coletivos cede lugar aos projetos pessoais e, no limite, aos projetos de corporações específicas descolados de qualquer projeto nacional

O paradigma liberal do Estado mínimo é reforçado por estranhas alianças com o corporativismo dos servidores, que estendem o antagonismo trabalhista com governo-patrão, a uma atitude sistemática de confrontação com o Estado-instituição, com uma raiva que nada fica a dever aos capitalistas

A greve do funcionalismo tem força quando apoiada pela opinião pública, mas é m

A greve do funcionalismo tem força quando apoiada pela opinião pública, mas é minada pelo grevismo. (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

“Vivendo nós no início do milênio num mundo onde há tanto para criticar por que se
tornou tão difícil produzir uma teoria crítica.
”SANTOS, B. de S. Para um Novo Senso Comum: a Ciência, o Direito e a Política na Transição Paradigmática. 3ª ed., p. 23. São Paulo: Cortez, 2001.

A crise do capitalismo tem um caráter estrutural na etapa de financeirização. O discurso neoliberal foi incapaz de enfrentá-la e os setores dominantes ficaram sem uma perspectiva nos marcos da democracia liberal.

Daí o preocupante crescimento do neofascismo em toda a Europa (já chegou a 20% do eleitorado) e nos EUA, com o Tea Party. De outro lado, a esquerda encontra-se confusa desde a saída de cena de seus principais paradigmas políticos, passando o movimento social por séria crise de identidade.

A ausência de projetos coletivos cede lugar aos projetos pessoais e, no limite, aos projetos de corporações específicas descolados de qualquer projeto nacional, o que os incapacita a perceber o caráter e a ameaça do atual período histórico.

Vivemos a falência dos estados nacionais e a eliminação das conquistas do Estado de Bem-Estar Social, pois, na hora de pagar a conta, a fatura sempre recai sobre os trabalhadores. Para isso, atropelam-se até prerrogativas do Estado Democrático de Direito.

Uma saída historicamente utilizada pelo grande capital é a guerra, tanto pelo incentivo à indústria bélica quanto pela distração ocasionada, coesionando a população em “defesa da pátria”. Nesse aspecto, vemos claros sinais de um novo colonialismo na tentativa de dominar os grandes produtores de petróleo e suas rotas.

Hoje é o mundo árabe e seus problemáticos governos, amanhã poderá ser o Brasil do pré-sal. Todas essas “saídas” apontam em direção ao populismo de direita e ao neofascismo. Enfim, o quadro político e econômico internacional é extremamente preocupante, sendo hoje a mais séria ameaça sobre a vigorosa caminhada do Brasil rumo ao desenvolvimento e à inclusão social.

Atolados no corporativismo, nossos sindicatos vinculados ao funcionalismo público não conseguem minimamente ler a conjuntura e ver a relação entre a crise mundial e seus direitos. Colocam todos os governos no mesmo saco e, a partir daí, ficam impossibilitados de estabelecer qualquer linha tática, ignoram a opinião pública, trilhando o caminho da derrota e da perda de credibilidade.

Fazem alianças com forças políticas historicamente hostis aos trabalhadores e antigos arautos do neoliberalismo, colocando os trabalhadores como massa de manobra. Voltados para si próprios, os sindicatos não conseguem ter uma postura propositiva, sendo sempre contra as políticas públicas, mesmo as propostas por governos progressistas, o que os leva para os braços da direita, históricos adversários do funcionalismo e defensores do Estado mínimo.

O corporativismo dos grupos acaba sendo uma forma velada de apropriação privada da coisa pública, criando uma confusão entre patrimônio público e patrimônio do grupo de interesses ou corporação. O corporativismo faz parte da lógica do capitalismo, sendo uma forma de representação de interesses, apresentando uma tênue linha divisória entre interesses particulares e interesses públicos. É preciso fortalecer os estatutos das instituições públicas, desvinculando de interesses que não sejam públicos.

Assistindo a situação no país e nos estados sobre os problemas financeiros, não esquecendo a má prestação e gestão de serviço público com falta até mesmo de estrutura física para atendimento ao público, o alto custo com esse mesmo funcionalismo e acreditando que a grande maioria do funcionalismo público inverteu valores éticos e morais sobre o que é público e o que é privado (valores salariais e benefícios que não condizem com as estruturas físicas e econômicas para o fornecimento do devido serviço público, benefícios extras como auxílio-moradia, prêmios por tempo de serviço e por aí vai),  a população em geral aceita e passa a defender o discurso da privatização.

Os sindicatos dos servidores públicos precisam entender que achacar o público com impostos, sem haver fiscalização, não cria a estabilidade socioeconômica. É importante o respeito e o cuidado com a questão e a imagem da coisa pública.

Será que sabemos o que acontece quando uma iniciativa privada assume papel de Estado?

O serviço público tem de ser valorizado e defendido para bem servir à sociedade e não à corporação. A depender de algumas visões corporativas, o Estado, em todos os seus níveis, deveria gastar todos seus recursos com folha de pagamento. Mas e a saúde, a educação, a segurança, a infra-estrutura, etc., como ficariam?

A falência desses serviços levaria à desnecessidade dos próprios servidores públicos, através de uma solução privatista. O corporativismo não consegue ver a situação de conjunto e, com isso, joga contra a mesma.

São aceitos pela sociedade como de interesse e demanda de todas as classes sociais a educação, o SUS e o acesso à Justiça. E as instituições bancárias?  O que é serviço público e necessidade pública e como manter isso?

Pela falta de perspectiva histórica, ao colocar interesses corporativos acima de um projeto democrático, as corporações servem de escada para aqueles que desejam aniquilar direitos conquistados ao longo de muitas lutas. Incapazes de olhar para o futuro comprometem o passado e o presente.

Desvalorizam a greve, o mais importante instrumento da luta pacífica dos trabalhadores, que vem sendo sistematicamente desgastada por sua vulgarização e transformação não no último recurso, mas no primeiro. Especialmente na saúde, na educação, penalizam apenas os trabalhadores e seus filhos, fortalecem o discurso privatista e enchem as escolas privadas de alunos.

Como explicar uma greve ao trabalhador(a) que precisa trabalhar e não tem onde deixar os filhos, porque a escola está fechada? Ou que chega a um posto ou hospital público com o filho doente e não tem atendimento? Ou que necessita de uma perícia médica para receber seus benefícios e não é atendido?

O funcionário público não está ligado à produção, sua greve não causa prejuízo ao patronato, sua força está no apoio da opinião pública, exatamente o que é minado com o grevismo. A greve é um instrumento de luta muito importante e, por isso, não deve ser desgastada. Tem de ser usada com parcimônia e de forma cirúrgica. Ocorre que é mais fácil decretar a greve em assembleias muitas vezes esvaziadas e ir para casa do que organizar um calendário de mobilizações, de luta e de enfrentamentos.

Alguns segmentos já viraram folclore. Já se sabe que terão uma greve por ano, prolongada, com os salários sendo pontualmente pagos e, no fim, o único resultado será um desgaste ainda maior da instituição pública e um prejuízo incalculável aos beneficiários daquele serviço público. O grevismo dos serviços públicos é hoje o principal aliado do privatismo, pois o corporativismo não consegue ver o estado como um instrumento de políticas públicas em favor da maioria da população, mas apenas como potencial fonte de vantagens para sua corporação. Com isso, jogam a maioria da população contra os serviços estatais.

O paradigma liberal do Estado mínimo é reforçado por estranhas alianças com o corporativismo dos servidores, que estendem o antagonismo trabalhista com governo-patrão, a uma atitude sistemática de confrontação com o Estado-instituição, com uma raiva que nada fica a dever aos capitalistas. A luta dissimulada contra instituições fortes, contra funcionários conscientes serve assim às elites dominantes e ao próprio corporativismo do funcionalismo, que não deixa de ser, simultaneamente, o mais direto prejudicado da falência das instituições.

A falta de visão histórica e capacidade de leitura crítica do momento político faz com que os corporativistas deixem de perceber que, na verdade, a única forma viável dos funcionários serem considerados e valorizados é, justamente, o fortalecimento do Estado que eles combatem, apresentando não apenas reivindicações salariais, mas a defesa concreta de melhores serviços públicos para toda a população.

Eliezer Moreira Pacheco é mestre em História, foi presidente do Inep (2004-2005) e secretário de Educação Profissional Tecnológica do MEC. Atualmente é secretário de Educação de Canoas (RS) e membro do Conselho Curador da Fundação Perseu Abramo

Valter Morigi é doutor em Educação, assessor Pedagógico da Secretaria Municipal de Educação de Canoas (RS)